domingo, 26 de setembro de 2010

Carta a Eliel Vieira


Por Yago Martins

Caro irmão,

Foi lendo um dos seus artigos sobre a existência do “inferno de fogo” que me deparei com uma declaração interessante. Você diz: "...um inferno com tortura e sofrimento eterno é algo que nenhuma pessoa que já viveu merece, pois seus erros foram ‘finitos’ ao passo que o castigo no inferno seria infinito".

Embora haja várias considerações que eu gostaria de comentar em seus artigos sobre o “inferno”, essa chamou minha atenção de um modo especial porque foi uma dúvida que carreguei por muito tempo. Claro que não pretendo argumentar sobre tudo que você considerou em seu estudo e, muito menos, encerrar o debate, mas gostaria de lidar com essa sua afirmação. Antes disso, deixe-me lidar com alguns poucos dos incontáveis textos que pregam a eternidade do inferno:

"Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno" (Daniel 12:12)
Alguns argumentam que o termo hebraico ‘olam (עוֹלָם) nem sempre significa eterno e que pode significar algo de “longa duração”. Mas, neste caso, há uma comparação entre a duração do céu (vida eterna) e a duração do inferno (vergonha e horror). Então, assim como a vida com cristo é eterna, o horror dos condenados será eterno.

"E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna" (Mt 25:46).
Esse verso lembra o caso anterior, onde há uma comparação entre a duração da vida e do castigo. O termo grego aionios (αιωνιος) que é traduzido como 1. eterno pode significar, também, 2. Sem início ou 3. Sem início nem fim. Não é difícil perceber que “eterno” é a tradução mais coerente com esse contexto.

"Em verdade o Filho do homem vai, como acerca dele está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem é traído! Bom seria para esse homem se não houvera nascido" (Mt 26:24).
A pergunta é: Se podemos ter uma vida de prazeres e satisfação e depois apenas deixar de existir, por que seria melhor não nascer? A punição ser eterna é a resposta bíblica mais plausível.

"Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram" (I Ts 1:9,10).
Olethros (ολεθρος), aqui traduzido como destruição, pode ser traduzido, também, como ruína (como em I Ts 6:9 e I Co 5:5). Assim, esse texto não trata, necessariamente, de uma aniquilação da alma, mas de uma ruína que durará para sempre.

"Estes são manchas em vossas festas de amor, [...] Ondas impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações; estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas." (Jd 12,13).
Judas diz que para os falsos mestres está reservado um lugar negro. Além disso, há uma informação adicional: esse lugar está reservado eternamente!

"A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome" (Ap 14:11).
Creio que a clareza deste verso é inegável. O tormento dos infiéis não será apenas pelos séculos dos séculos, mas também será sem descanso algum.

"E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre" (Ap 20:10).
A expressão grega traduzida por “para todo sempre” (ou pelo século dos séculos) é a mais forte de todas para designar algo eterno. É evidente, no texto, que esse tormento será para todo o sempre. Alguns, lutando contra o texto, tentam argumentar que quem sofre não são os homens, mas apenas o diabo. Mas, quando continuamos lendo apocalipse 20, vemos no verso 15 que “aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo”. Tanto os homens quanto satanás serão lançados no mesmo lago. Assim, é pouco provável que uns sejam aniquilados e outros não.

Ainda existem muitos outros versos que pregam a eternidade do inferno, mas creio que essa lista de textos é suficiente para convencê-lo que a punição eterna não é apenas uma conjectura de Dante, mas sim uma realidade bíblica.

Sobre sua afirmação, creio que ela seja bem pertinente, sendo ela também efetuada por teólogos famosos como Clark Pinnock e John Stott, os quais declararam, respectivamente: “Apenas não faz sentido dizer que um Deus de amor torturará pessoas para sempre por pecados cometidos no contexto de uma vida finita.” [1] e “Não haveria uma séria desproporção entre pecados cometidos conscientemente por um tempo e o tormento experimentado conscientemente através da eternidade?” [2]

Sobre essas indagações, imagino por que não poderíamos considerar o pensamento de Jonathan Edwards [3], perfeitamente sintetizado por John Piper, que diz:

“... a gravidade do pecado origina-se do que ele diz acerca de Deus. Deus é infinitamente digno de ser honrado. Mas o pecado diz o oposto. O pecado diz que existem coisas mais desejáveis e mais dignas. Até que ponto isso é grave? A gravidade de um crime é determinada, em parte, pela dignidade da pessoa e do cargo que está sendo desrespeitado. Se a pessoa for infinitamente digna, infinitamente ilustre, infinitamente querida e ocupar um cargo de infinita dignidade e autoridade, rejeitá-la é um crime infinitamente ultrajante. Portanto, merece um castigo infinito. A intensidade das palavras de Jesus acerca do inferno não é uma reação exagerada a pequenas ofensas. As palavras de Jesus são um testemunho ao infinito valor de Deus e à desonra ultrajante do pecado humano.” [4]

Acredito que essa é uma consideração importante. Se pararmos para contemplar a Infinita Dignidade de Deus, ficaremos atônitos diante Daquele que mede todo o mar na concha de Sua mão; toma a medida dos céus aos palmos; recolhe, numa medida, o pó da terra e pesou os montes com peso e os outeiros em balanças. Como continua dizendo Isaías: “Eis que as nações são consideradas por ele como a gota de um balde, e como o pó miúdo das balanças; eis que ele levanta as ilhas como a uma coisa pequeníssima. Nem todo o Líbano basta para o fogo, nem os seus animais bastam para holocaustos. Todas as nações são como nada perante ele; ele as considera menos do que nada e como uma coisa vã. A quem, pois, fareis semelhante a Deus, ou com que o comparareis?” (40:12-18).

Creio que, como Cristãos que somos, só podemos concordar que Deus é Infinitamente Santo, Infinitamente Perfeito, Infinitamente Digno e Infinitamente Soberano. Você acredita, assim como eu, que nunca houve, não há e nunca haverá ser superior ao sempiterno Deus Jeová. Creio que defender que Deus é grande não é necessário, já que isso é uma das principais bases do pensamento Cristão.

“Quem entre os deuses é como tu, ó Senhor? a quem é como tu poderoso em santidade, admirável em louvores, operando maravilhas?” (Êx 15:11).

Agora, algo que não sei se concordaremos é sobre a gravidade do pecado. Considerando que a gravidade de um crime é medida, em parte, analisando a dignidade daquele contra quem essa ofensa é dirigida, só podemos pensar que um pecado contra alguém infinitamente digno só pode ser infinitamente grave. Como Deus é Infinitamente Justo, Ele não deixará impunes tais criminosos. Então, se esses homens cometeram um crime infinito, eles precisam de uma punição infinita. Pense bem: Se você encontra seu filho esmagando formigas em sua casa, você não vai dar muita atenção para isso. Já se você encontrá-lo esmagando gatos, você reagirá diferente, pois, para você, gatos são mais importantes que formigas. E ainda, se você encontrasse alguém esmagando seu filho, sua reação seria bastante diferente do que nos casos passados, pois seu filho é muito mais valioso que gatos e formigas. E o que é o pecado? É uma tentativa de esmagar a glória do Deus Todo Poderoso. E nada é mais valioso do que a glória d’Ele.

Quando falo da gravidade do pecado, não posso deixar de me lembrar de Davi quando pecou com Bate-Seba em II Samuel 11. Sabemos que o rei pecou contra todos. Ele pecou contra Bate-Seba, pois a profanou; ele pecou contra o marido dela, pois o matou; ele pecou contra o exército, pois o usou para seus interesses; ele pecou contra o povo, pois deveria representá-los justamente. Creio que é difícil encontrarmos alguém contra quem Davi não pecou com seu ato. Ainda assim, quando o rei escreve um salmo em arrependimento, ele diz: “contra Ti, contra Ti somente pequei” (Sl 51:4). Em certo nível, isso é uma mentira, pois ele pecou contra todos, mas, quando analisamos isso de um modo mais profundo, vemos que é a mais profunda verdade, pois cada pecado que é cometido, por mais banal que pareça, é um pecado direto contra O Senhor.

Creio que o problema, bom irmão, é que nossa cultura atual trata o pecado como pisar acidental no pé de um amigo quando, de certo, deveríamos tratar como cuspir na cara do presidente. Claro que é uma analogia pobre comparado com nosso Crime Universal contra o Salvador. Como diz o psiquiatra americano Karl Menninger: "[O pecado é] uma qualidade implicitamente agressiva — uma crueldade, um ferimento, um afastamento de Deus e do restante da humanidade, uma alienação parcial, ou um ato [supremo!] de rebelião... O pecado possui uma qualidade voluntariosa, desafiadora ou desleal: alguém é desafiado ou ofendido ou magoado".

Lembre-se, também, que a concepção cristã de inferno não é como a idéia romanista de purgatório, onde homens são melhorados pelo sofrimento. O inferno não melhora ninguém. A natureza má dos homens só piora ao longo da punição, tornando-os ainda mais culpados.

Espero que essa curta meditação possa levar-te a reconsiderar, pelo menos, o argumento citado inicialmente: “um inferno com tortura e sofrimento eterno é algo que nenhuma pessoa que já viveu merece, pois seus erros foram ‘finitos’ ao passo que o castigo no inferno seria infinito”. Oro a Deus, pedindo que Cristo Ilumine nossas mentes pela Sua eterna Palavra.

De seu irmão,

Yago Martins.

Referências:

[1]
Clark Pinnock e Delwin Brown, Theological Crossfire: Na Evangelical/Liberal Dialogue [Grand Rapids: Zondervam Publishing House, 1990], p. 226.
[2]
David Edwards, Evangelical Essentials, with a Response from John Stott.
[3]
“O crime de algum ser de desprezar e lançar desonra sobre outro é, proporcionalmente, mais ou menos infame, como se ele tivesse maior ou menor obrigação de obedecê-lo. Conseqüentemente, se houver algum ser que temos obrigação infinita de amar, honrar e obedecer, o contrário concernente a ele deve ser infinitamente censurável. Nossa obrigação de amar, honrar e obedecer algum ser está em proporção com sua amabilidade, honradez e autoridade. [...] Mas Deus e um ser infinitamente amoroso, porque ele tem excelência e beleza infinitas. [...] Portanto, o pecado contra Deus, sendo uma violação de obrigações infinitas, deve ser um crime infinitamente infame e, assim, merece punição infinita. [...] A eternidade do castigo de homens incrédulos torna-a infinita... e, logo, faz com que não seja mais do que proporcional a infâmia daquilo de que são culpados.” (Jonathan Edwards, The Justice of God in Damnation of Sinners: The Works of Jonathan Edwards, vol. 1 [edinburgo: The Banner of Truth Trust, 1974], p. 669.)
[4]
John Piper, O que Jesus espera de seus seguidores: Mandamentos de Deus para o mundo. Editora Vida.

2 comentários:

  1. O Edwards, seguindo Agostinho, se acha no papel de Advogado de Deus. E esqueceu de dizer que suas equações são suas, e não bíblicas.

    Eu, pecador, ainda que ofendido às vezes jogo a toalha pela alegria da reconciliação. Nas linhas lógicas do Edwards, esse "Deus" que é infinitamente ofendido é OFENDIDÃO demais para ser, como a Bíblia o caracteriza [infinitamente] bondade e misericórdia. E sim, nas Escrituras, acerca de Deus, mensurável como 'sem fim' é seu amor e bondade.

    Trazer o infinito para uma equação é esticar-se ao máximo para fazer a eternidade do inferno parecer justificável.

    O que chamam, no pecado, de ofensa a Deus: eu vejo como destruição humana. Não que eu não seja responsável diante de Deus pelos meus pecados, é que eu vejo nos mandamentos de Deus a vida, a minha. E longe deles, a morte, a minha.

    Como vocês: eu sustento o dogma. Mas - não sei se também vocês - eu sofro com ele. Mas certamente diferente de vocês: eu não o explico e compreendo.

    A lógica (não sei se do Edwards) mas de algns calvinistas como o Pink, beira o sadismo: onde vale tudo para a glória de Deus: e para a qual o inferno é mais um ingrediente.

    Desumano e blasfemo: não bíblico, MAS MUITO LÓGICO. Não é digno de um homem, quanto mais de Deus!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Graça e paz Eric.
      Eu creio no céu assim como creio no inferno. Segundo a Bíblia ele é eterno e aquele que não encontrado seu nome no Livro da Vida, esse padecerá nesse lugar de tormenta eterna.
      Isso é o que diz as Escrituras.
      Fique na Paz!
      Pr. Silas Figueira

      Excluir