sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Culto da Auto-expressão


Por M. Lloyd-Jones

A crítica básica que fazemos a esse moderno culto da auto-expressão é que ele não consegue perceber a verdadeira natureza do próprio "eu". Fala muito em fornecer meios de expressão ao "eu"; no entanto, facilmente podemos mostrar que suas próprias idéias atinentes ao "eu" são falsas e violentam a verdadeira natureza humana. É óbvio que, antes da expressão, deve vir a definição; e, conforme esperamos demonstrar, a nossa objeção não é quanto à idéia da auto-expressão, mas antes, quanto ao ponto de vista inteiramente falso acerca do próprio "eu", que muitos têm aceitado atualmente. A resposta dada pelo evangelho a esse culto moderno não é uma doutrina de repressão, mas antes, é uma chamada à percepção da verdadeira natureza do "eu". Ora, o choque entre o ponto de vista bíblico e o de homens modernos se destaca claramente nas linhas acima citadas, especialmente na ênfase de Cristo ao usar a segunda pessoa. Se um dos teus olhos te faz tropeçar... lança-o fora de ti..." Permitam-me apresentar o assunto na forma de duas declarações positivas.

O ponto de vista moderno não estabelece distinção entre o próprio "eu" e os vários fatores que tendem a influenciá-lo, ou seja, os diversos fatores usados pelo "eu", a fim de poder exprimir-se. Por outro lado, nosso Senhor traça essa distinção bem clara e definidamente, ao salientar a segunda pessoa. O fato que Cristo assim fez pode ser a verdadeira causa de toda a confusão moderna. A posição que se tornou tão popular hoje em dia tende por reputar o homem como mero agregado de vários poderes e forças que, em sua interação, produzem um certo resultado final. Por si mesmo, o homem é apenas o resultado desses poderes e forças e de seus efeitos.

E quais são essas forças? Bem, há a própria estrutura física do corpo humano e, especialmente, suas várias glândulas, notavelmente a tireóide, a pituitária e as glândulas endócrinas supra-renais, que tendem a controlar algumas das funções mais vitais. Normal¬mente, essas glândulas funcionam em perfeito equilíbrio, com alguma variação para mais ou para menos; mas, há inúmeras variações possíveis; e, conforme uma ou outra tende a predominar, o próprio "eu", junto com a personalidade, varia, segundo somos informados. É bem provável que já tenhamos lido afirmativas assegurando que todas as grandes personagens da história podem ser interpretadas em termos de tais leves modificações, nas proporções relativas dessas diversas glândulas, que se achavam em seus corpos. Assevera-se que, dessa maneira, Shakespeare e Beethoven podem ser facilmente explicados. De conformidade com essa posição, pois, o homem não passa de um mecanismo biológico; e o seu próprio "eu", a sua personalidade, não passa de puro resultado da inter-relação de forças biológicas.

Há uma outra teoria, intimamente ligada a essa, que tende a pensar sobre o homem em termos daquilo que chamamos de instintos. De acordo com esse ponto de vista, o homem, ou o próprio "eu", é determinado pela interação dos diversos instintos ou pelo predomínio de qualquer um dentre os vários instintos, tais como o instinto gregário, o instinto de proteção, o instinto do medo, o instinto sexual, o instinto da fome, etc. A personalidade essencial do homem, o seu próprio "eu", é considerada apenas como o produto dessas forças.

Na análise do "eu", uma outra teoria dá grande importância às tradições, ao meio ambiente e à forma de criação. É nessa altura que aparecem todos os elementos, como raça, sangue e nacionalidade, além de todos os fatores que podem ser atribuídos ao meio social e ao ambiente da pessoa.

Também há uma outra posição, que procura explicar o próprio "eu" segundo termos mais ou menos geográficos e climáticos. Segundo esse ponto de vista, a teologia de um homem como João Calvino deve ser explicada exclusivamente em termos do fato que ele viveu na Suíça. As raças germânicas, que vivem no norte, são reputadas mais severas, mais inclinadas ao calvinismo e sua doutrina, enquanto que, invariavelmente, na proporção em que alguém se aproxima do Equador, a doutrina tende por tornar-se cada vez mais caracteristicamente católica.

Entretanto, não precisamos continuar considerando os detalhes das diversas expressões desse moderno ponto de vista criado pelo homem. O ponto importante a observar é que o "eu", como tal, foi perdido de vista. Não mais se trata de uma entidade distinta, mas é reputado meramente como o resultado final da interação de diversos fatores e forças. De conformidade com essa teoria, o homem é, inteiramente, o resultado de suas glândulas, de seus instintos, de sua hereditariedade, do clima onde foi criado; e a sua auto-expressão significa que ele deve permitir que esses fatores sejam livremente exercidos em sua conduta. De fato, visto que ele é apenas algo composto desses fatores, restringi-los significa violentar a si mesmo. De acordo com essa lógica, é um erro falar acerca das mãos e dos pés, como se estes "fizessem tropeçar", porque a mão, o pé e o olho constituem o verdadeiro "eu".

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