Por Augusto Guedes
O verbo "Ser Igreja". Talvez não seja fácil conjugá-lo nem também explicá-lo, por ir além das imponentes catedrais ou das simples residências, onde a igreja costuma historicamente se reunir; por extrapolar os formatos litúrgicos, quer mais ou menos solenes, a que a igreja costuma frequentemente se deter; por não se limitar a apenas um momento ou a um dia sagrado, como a igreja costuma tradicionalmente guardar; por independer das estruturas organizacionais e hierárquicas a que a igreja costuma fortemente se adequar; por não resumir a audição a apenas um elemento humano falando em nome de Deus, como a igreja costuma atentamente ouvir; por não está necessariamente ligado a um nome ou denominação, como a igreja costuma alegremente se apresentar; e até por se espelhar no simples exemplo de vida de Jesus mais do que nos regimentos institucionais internos ou nos conceitos teológicos humanos, nos quais, a igreja, ao longo do tempo, resolveu fortemente se embasar.
É como se tivéssemos que, de repente, passar a conjugar um verbo cujo sentido aceitamos, com as melhores intenções buscamos praticar, mas que pelo simples fato de termos nascido num contexto que o verbaliza de forma inconscientemente inadequada, desgastada pelo tempo e corrompida pelas idéias, não conseguimos, tornando-se assim difícil de entender.
Como, então, viver sem dia e local específicos para se cultuar? Ou sem uma ordem litúrgica para se ocupar? Ou ainda sem estrutura para se organizar, ou hierarquia para se empoderar? Onde estariam os especialistas para dar orientação? Ou, os guias para conduzir a celebração? A quem prestar contas? Quem seria a tão falada cobertura espiritual? E que tal a expressão "guarda-chuvas"? É como se tivéssemos nascido numa caixa, da qual viver fora parece ser não só inadequado ou talvez inaceitável, mas simplesmente impossível e abominável ao Pai.
De fato, conjugar o verbo ‘Ser igreja’ é algo muito mais simples do que aquilo que temos aprendido com as nossas elucubrações religiosas milenares. Mesmo sendo difícil conseguir ‘sair da caixa’ e, em seguida, viver fora dela, para aqueles que o conseguem, um imenso oceano se abre à frente como se antes vivessem na medida de um pequeno aquário. O culto passa a acontecer todo dia e em todo lugar, das mais cotidianas das situações às reuniões mais solenes. O senso de pertencimento passa a extrapolar os listões de membresia e os guetos das igrejas chamadas locais, enxergando-se melhor o reino de Deus.
O evangelismo deixa de ser um plano de conquista de novos adeptos para tornar-se um testemunho de vida diário, com atitudes e, se necessário, com palavras, objetivando tão somente transmitir o crucial plano de amor do Pai para a vida do filho perdido.
A ação social deixa de ser um desencargo de consciência através de uma transferência financeira para uma ONG ou instituição religiosa, para tornar-se responsabilidade pessoal com os menos favorecidos que estão mais próximos. O discipulado passa a ser um ensino no caminho muito mais do que sobre o caminho, prazeroso privilégio voltado primeiramente aos nossos próprios filhos no convívio do lar. As relações líderes/liderados passam a ter base muito mais numa autoridade de vida cheia do Espírito, que gera serviço, do que em cargos eclesiásticos outorgados por instituições, que produzem controle e manipulação. Os métodos, sistemas e modelos estruturais ou organizacionais perdem a sua razão de ser, passando a valer muito mais o sentido de organismo, pelo simples fato de estarmos juntos, em encontros mais amigáveis e familiares do que solenes, e que acontecem nos mais diversos lugares, como residências, empresas, escolas, condomínios, hospitais, velórios, restaurantes, lanchonetes, praças de alimentação, quando espontaneamente os dons se manifestam e todos cuidam uns dos outros, orando, aconselhando, confessando, perdoando, socorrendo, amando, hospedando, encorajando, liderando, ensinando, exortando, profetizando, ofertando, e muito mais, num processo de edificação mútua tão bem relatada no novo testamento, mas nem sempre enxergada por nós, face à cegueira causada pela nossa indesejada e real religiosidade.
A forma de conjugação do verbo está escrita, embora tenhamos imensa dificuldade em lê-la. Talvez porque exija, em alguns momentos, a possível inexistência de, por exemplo, um período de louvor. O que seria, então, dos dirigentes? Ou da pregação. O que seria dos pastores? Ou do estudo bíblico? O que seria dos mestres da Palavra? Ou do ofertório? O que seria do movimento financeiro? E por que também não perguntar: o que seria de nós, se dependemos muitas vezes de cada um desses elementos? Conseguindo conjugar o tal verbo, certamente cada um dos ministros de louvor ou da Palavra, ou nós mesmos, seríamos simplesmente, igreja.
Habitando entre nós, Jesus provou saber muito bem conjugar este verbo. Mesmo antes dos acontecimentos relatados no livro de Atos, Ele costumava estar sempre à mesa com irmãos para desfrutar de ceias fartas de alimento, comunhão e amizade, sempre regadas a um bom vinho, elemento que ele aproveitou do cotidiano judeu, para utilizar como símbolo, juntamente com o pão, a fim de que, até a Sua volta, recordássemos e anunciássemos o Seu sacrifício na cruz "todas as vezes" que nos reuníssemos. Naquela mesma ocasião, com os doze primeiros discípulos dessa eterna comunidade, ele nos deixava o exemplo.
No dia em que um reconhecido pastor, ao tentar me elogiar, afirmou que eu sabia "fazer igreja" muito bem, a minha boca calou e o meu coração se incomodou diante do seu grande equívoco. Não deixava de lembrar que certamente essa é uma tarefa do Espírito, não minha. Com o tempo, tal inquietação teve resposta no meu coração descobrindo que, primeiro, existe uma caixa; segundo, que é possível sair dela, apesar de um forte preço; e, terceiro, que como a ideia por si só traduz, é maravilhosamente libertador. Aprendi a não querer inconscientemente ser o Espírito Santo, na tentativa de ‘fazer igreja’, mas a buscar a Sua ajuda para conseguir conjugar o verbo ‘Ser Igreja’.
Por: Cristianismo Criativo Via: emeurgência
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