J. I. Packer
Desejo é o estado do "eu quero" da consciência. Nesta linha de ensino (que nos remonta, pelo menos, aos dias de Origenes, no século 3o, Agostinho, no 5o, e Gregório, o Grande, no 6o), a santidade é vista em primeiro lugar como o afastamento do desejo das coisas criadas para voltar-se ao Criador, por intermédio de Cristo, para expressão e satisfação na - e por meio da - oração centrada em Deus. Mesmo entendendo a importância da vida exterior de justiça, integridade e amor ao próximo, a vida interior de oração, de um coração puro, é considerada (o que, sem dúvida, é certo) algo muito mais importante. Deus chama seus filhos para que lhe entreguem o coração. Descobrir sua plenitude de vida, aqui e agora, no relacionamento de amor, conhecimento e regozijo com Deus será uma antecipação de sua vida no céu. A oração é, assim, o primeiro item na vida de santidade. Na realidade, apenas à medida que a oração for a respiração, a batida do coração e a fonte de energia no íntimo de uma pessoa é que se pode dizer que ela está vivendo uma vida de santidade.
Alcançar e manter uma vida constante de oração e centrada em Deus é uma luta. Os cristãos se encontram em um conflito constante com o Diabo e suas hostes, que, por permissão de Deus, tentam fazer com que pequemos e nos desviemos da obediência com o intuito de obstruir e destruir a santidade em nossa vida interior. A oração sincera brota apenas de um coração sincero, que luta contra o pecado e se examina regularmente para não se enganar. Assim, a essência da estratégia de Satanás é impedir-nos de ter um coração sincero. (Ele não está preocupado com o fato de o nosso comportamento ser irrepreensível aos olhos dos homens contanto que o nosso coração não seja sincero diante de Deus; a absorção e o comodismo do orgulho de nossas fantasias e motivações é tudo que ele precisa para alcançar os seus objetivos.) Deus permite que sejamos, portanto, infiltrados e parcialmente assaltados, para que, pelo menos, possamos estar fortalecidos, aperfeiçoados e ancorados nele de maneira mais profunda, pela experiência de lutar na sua força. Este é o verdadeiro significado do conceito de batalha espiritual (Ef 6.10-20).
Desejar a Deus
O ensino em análise afirma que desejar e contemplar o nosso Salvador e Deus na reciprocidade do amor é a atividade mais importante e nobre da vida. No desenvolvimento desse pensamento, são feitas duas afirmações: primeira, os cristãos freqüentemente perdem a alegria deste relacionamento por sua própria negligência e preocupação com outras coisas; segunda, Deus às vezes não nos deixa sentir a sua presença e amor, que nos concede em outras ocasiões, para nos ensinar lições sobre paciência e pureza de coração que, do contrário, não aprenderíamos. Uma diversidade de abordagens foram desenvolvidas com o objetivo de articular estas verdades. Vamos observar rapidamente algumas delas.
A importância de se distanciar do que deseja o coração tem sido freqüentemente expressada em termos de retirar-se para o "deserto" de solidão, onde os desejos são purificados. O mesmo ponto foi observado no Ocidente por meio do direcionamento dos cristãos à renúncia de todas as distrações que se sobrepõem ao "cone" ou "ápice" de sua alma, e, no Oriente, mediante a exigência da "apatheia" (que não significa impassibilidade interior, mas o domínio próprio que redireciona a paixão para a busca de Deus). Agostinho, Bernardo e Thomas à Kempis, Inácio de Loyola e Francisco de Sales; e puritanos, como Richard Sibbes, Richard Baxter, Thomas Goodwin e John Owen, com muitos outros antes e depois deles, mapearam os caminhos do pensamento e da oração que separam o desejo do apelo magnético deste mundo para atrelá-lo mais firmemente a Deus, em Cristo.
Por um lado, o relacionamento entre a meditação verbal e a petição, e, por outro, a contemplação e o entregar-se pós - e não - verbal ao Senhor, a quem se conhece, confia e ama, foi explorado por mestres do "casamento espiritual", que desenvolveram a analogia da linguagem e comunhão do amor entre os sexos e a aplicaram ao relacionamento de uma pessoa com Deus. Na mesma relação, os cistercienses, franciscanos e outros enfatizaram as ligações entre a contemplação amorosa de Deus e a ação compassiva entre homens e mulheres, enquanto Jonathan Edwards, em seu livro Tratado sobre Afeição Religiosa, estabelece testes que mostram se sentimentos fortes em um contexto de devoção são ou não autenticamente espirituais (resultantes da obra do Espírito Santo no coração). Toda esta instrução procura, de qualquer forma, indicar o caminho que conduz àquela satisfação em Deus, que é o supremo valor e glória da vida.
Desejos Frustrados
Outras apresentações clássicas foram feitas sobre o uso de Deus da disciplina de indiferença e do desejo temporariamente frustrado como uma maneira de fortalecer a vida interior de seus servos. Teresa de Ávila e João da Cruz descreveram etapas ou fases diferentes na vida de oração, incluindo as "trevas da alma" que podem preceder a alegria da união observada com Deus. O ensino dos puritanos sobre o "abandono espiritual" foi substancialmente o mesmo que o apresentado pelos dois místicos espanhóis que acabamos de citar.
Deus traz a indiferença, com uma conseqüente inquietação do coração, para induzir a um novo aprofundamento em humildade, uma esperançosa abertura para si, que ele coroa com uma reafirmação que libera e anima o seu amor - que vai além de qualquer coisa que já se sentiu. Como a humilhação e a dor de Cristo na cruz precederam sua exaltação para o gozo de seu trono, assim, repetidamente, experiências humilhantes de impotência e frustração precedem a renovação interior, com uma sensação de triunfo e glória, no coração do cristão. Em conseqüência, o nosso Pai Celestial, com uma sabedoria adaptada a cada temperamento, circunstância e necessidade do cristão, chama e traz seus filhos para mais perto de si. Pense nas palavras de Paulo e do salmista sobre este tema:
Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhe¬cimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer... (Fp 3.7-10)
Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre. (SI 73.25,26)
Estas declarações são transcrições clássicas de um coração genuinamente santo. O redirecionamento do desejo, de modo que ele se concentre na comunhão com o Pai e o Filho, e o fortalecimento desse desejo assim redirecionado, é a verdadeira essência da santidade. Todas as formas maduras de santidade cristã, ensinadas no decorrer dos séculos, iniciaram-se aqui, vendo isto como o verdadeiro fundamento de todas as coisas na vida cristã e insistindo que o único povo verdadeiramente santo é aquele que tem paixão por Deus. Nós, hoje, temos de começar aqui também.
Fonte: JOSEMAR BESSA
Desejo é o estado do "eu quero" da consciência. Nesta linha de ensino (que nos remonta, pelo menos, aos dias de Origenes, no século 3o, Agostinho, no 5o, e Gregório, o Grande, no 6o), a santidade é vista em primeiro lugar como o afastamento do desejo das coisas criadas para voltar-se ao Criador, por intermédio de Cristo, para expressão e satisfação na - e por meio da - oração centrada em Deus. Mesmo entendendo a importância da vida exterior de justiça, integridade e amor ao próximo, a vida interior de oração, de um coração puro, é considerada (o que, sem dúvida, é certo) algo muito mais importante. Deus chama seus filhos para que lhe entreguem o coração. Descobrir sua plenitude de vida, aqui e agora, no relacionamento de amor, conhecimento e regozijo com Deus será uma antecipação de sua vida no céu. A oração é, assim, o primeiro item na vida de santidade. Na realidade, apenas à medida que a oração for a respiração, a batida do coração e a fonte de energia no íntimo de uma pessoa é que se pode dizer que ela está vivendo uma vida de santidade.
Alcançar e manter uma vida constante de oração e centrada em Deus é uma luta. Os cristãos se encontram em um conflito constante com o Diabo e suas hostes, que, por permissão de Deus, tentam fazer com que pequemos e nos desviemos da obediência com o intuito de obstruir e destruir a santidade em nossa vida interior. A oração sincera brota apenas de um coração sincero, que luta contra o pecado e se examina regularmente para não se enganar. Assim, a essência da estratégia de Satanás é impedir-nos de ter um coração sincero. (Ele não está preocupado com o fato de o nosso comportamento ser irrepreensível aos olhos dos homens contanto que o nosso coração não seja sincero diante de Deus; a absorção e o comodismo do orgulho de nossas fantasias e motivações é tudo que ele precisa para alcançar os seus objetivos.) Deus permite que sejamos, portanto, infiltrados e parcialmente assaltados, para que, pelo menos, possamos estar fortalecidos, aperfeiçoados e ancorados nele de maneira mais profunda, pela experiência de lutar na sua força. Este é o verdadeiro significado do conceito de batalha espiritual (Ef 6.10-20).
Desejar a Deus
O ensino em análise afirma que desejar e contemplar o nosso Salvador e Deus na reciprocidade do amor é a atividade mais importante e nobre da vida. No desenvolvimento desse pensamento, são feitas duas afirmações: primeira, os cristãos freqüentemente perdem a alegria deste relacionamento por sua própria negligência e preocupação com outras coisas; segunda, Deus às vezes não nos deixa sentir a sua presença e amor, que nos concede em outras ocasiões, para nos ensinar lições sobre paciência e pureza de coração que, do contrário, não aprenderíamos. Uma diversidade de abordagens foram desenvolvidas com o objetivo de articular estas verdades. Vamos observar rapidamente algumas delas.
A importância de se distanciar do que deseja o coração tem sido freqüentemente expressada em termos de retirar-se para o "deserto" de solidão, onde os desejos são purificados. O mesmo ponto foi observado no Ocidente por meio do direcionamento dos cristãos à renúncia de todas as distrações que se sobrepõem ao "cone" ou "ápice" de sua alma, e, no Oriente, mediante a exigência da "apatheia" (que não significa impassibilidade interior, mas o domínio próprio que redireciona a paixão para a busca de Deus). Agostinho, Bernardo e Thomas à Kempis, Inácio de Loyola e Francisco de Sales; e puritanos, como Richard Sibbes, Richard Baxter, Thomas Goodwin e John Owen, com muitos outros antes e depois deles, mapearam os caminhos do pensamento e da oração que separam o desejo do apelo magnético deste mundo para atrelá-lo mais firmemente a Deus, em Cristo.
Por um lado, o relacionamento entre a meditação verbal e a petição, e, por outro, a contemplação e o entregar-se pós - e não - verbal ao Senhor, a quem se conhece, confia e ama, foi explorado por mestres do "casamento espiritual", que desenvolveram a analogia da linguagem e comunhão do amor entre os sexos e a aplicaram ao relacionamento de uma pessoa com Deus. Na mesma relação, os cistercienses, franciscanos e outros enfatizaram as ligações entre a contemplação amorosa de Deus e a ação compassiva entre homens e mulheres, enquanto Jonathan Edwards, em seu livro Tratado sobre Afeição Religiosa, estabelece testes que mostram se sentimentos fortes em um contexto de devoção são ou não autenticamente espirituais (resultantes da obra do Espírito Santo no coração). Toda esta instrução procura, de qualquer forma, indicar o caminho que conduz àquela satisfação em Deus, que é o supremo valor e glória da vida.
Desejos Frustrados
Outras apresentações clássicas foram feitas sobre o uso de Deus da disciplina de indiferença e do desejo temporariamente frustrado como uma maneira de fortalecer a vida interior de seus servos. Teresa de Ávila e João da Cruz descreveram etapas ou fases diferentes na vida de oração, incluindo as "trevas da alma" que podem preceder a alegria da união observada com Deus. O ensino dos puritanos sobre o "abandono espiritual" foi substancialmente o mesmo que o apresentado pelos dois místicos espanhóis que acabamos de citar.
Deus traz a indiferença, com uma conseqüente inquietação do coração, para induzir a um novo aprofundamento em humildade, uma esperançosa abertura para si, que ele coroa com uma reafirmação que libera e anima o seu amor - que vai além de qualquer coisa que já se sentiu. Como a humilhação e a dor de Cristo na cruz precederam sua exaltação para o gozo de seu trono, assim, repetidamente, experiências humilhantes de impotência e frustração precedem a renovação interior, com uma sensação de triunfo e glória, no coração do cristão. Em conseqüência, o nosso Pai Celestial, com uma sabedoria adaptada a cada temperamento, circunstância e necessidade do cristão, chama e traz seus filhos para mais perto de si. Pense nas palavras de Paulo e do salmista sobre este tema:
Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhe¬cimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o conhecer... (Fp 3.7-10)
Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre. (SI 73.25,26)
Estas declarações são transcrições clássicas de um coração genuinamente santo. O redirecionamento do desejo, de modo que ele se concentre na comunhão com o Pai e o Filho, e o fortalecimento desse desejo assim redirecionado, é a verdadeira essência da santidade. Todas as formas maduras de santidade cristã, ensinadas no decorrer dos séculos, iniciaram-se aqui, vendo isto como o verdadeiro fundamento de todas as coisas na vida cristã e insistindo que o único povo verdadeiramente santo é aquele que tem paixão por Deus. Nós, hoje, temos de começar aqui também.
Fonte: JOSEMAR BESSA
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