Por D. Martyn Lloyd-Jones
Precisamos começar entendendo que podemos nos encontrar numa posição em que nossa fé vai ser provada. Tempestades e provações são permitidas por Deus. Se estamos vivendo a vida cristã, ou tentando vivê-la no momento, na suposição que significa apenas vir a Cristo e então que nunca mais teremos qualquer preocupação na vida, estamos abrigando um terrível engano. É um erro e não é verdade. Nossa fé vai ser provada, e Tiago chega ao ponto de dizer: "Tende grande gozo quando cairdes em várias tentações (ou provações)" (Tiago 1:2). Deus permite tempestades, Ele permite dificuldades, Ele permite que os ventos soprem e o mar se enfureça, e que tudo pareça estar dando errado e que nós mesmos estejamos em perigo. Precisamos aprender e entender que Deus não toma o Seu povo e o leva a algum tipo de Campos Elísios em que estão protegidos de toda e qualquer infelicidade ou problema. Não — nós continuamos vivendo no mesmo mundo que os demais. Na verdade, o apóstolo Paulo parece ir ainda mais longe, dizendo aos filipenses: "Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele" (Filipenses 1:29). "No mundo", disse o Senhor, "tereis aflições; mas tende bom animo, eu venci o mundo" (João 16:33). "Tende bom ânimo" — sim, mas lembrem-se que terão tribulações. Paulo e Barna¬bé, visitando as igrejas durante suas viagens missionárias, advertiram-nas que "por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus" (Atos 14:22).
Precisamos começar entendendo que "estar prevenido é estar armado de antemão" neste assunto. Se temos uma concepção mágica da vida cristã, certamente vamos ter problemas, porque quando as dificuldades vierem, seremos tentados a perguntar: "Por que isto foi permitido?" E nunca deveríamos fazer essa pergunta. Se entendêssemos esta verdade fundamental, nunca faríamos tal pergunta. Nosso Senhor dorme e permite que o temporal venha. A situação pode realmente se tornar desesperadora, e nossas vidas podem aparentemente estar em perigo. Tudo parece estar contra nós, entretanto — bem, um poeta cristão o expressou por nós:
Quando tudo parece estar contra nós, Para nos levar ao desespero. . .Mas ele não se deixa desesperar, porque continua dizendo:Sabemos que há uma porta aberta, Alguém ouvirá nossa oração.. .
A situação pode parecer desesperadora: "Tudo parece contra nós, para nos levar ao desespero". Vamos então estar preparados para isso. Sim, mas devemos fazer mais que isso. Enquanto tudo isso está acontecendo conosco, o Senhor parece estar totalmente indiferente. É aí que entra o verdadeiro teste da fé. O vento e as ondas eram terríveis, e a água estava entrando no barco. Isso era terrível, mas o que mais os aterrorizou foi a aparente indiferença do Senhor. Adormecido, aparentemente sem se importar. "Mestre, não se te dá que pereçamos?" Ele parece indiferente, sem Se preocupar conosco, nem consigo mesmo, com Sua causa ou Seu reino. Imagi¬nem os sentimentos daqueles homens! Eles O tinham seguido, ouviram Seus ensinamentos sobre a vinda do reino, tinham visto Seus milagres e estavam esperando que coisas maravilhosas acontecessem; e agora parecia que tudo ia acabar em naufrágio e afoga¬mento. Que anticlimax, e tudo por causa da Sua indiferença! Somos realmente muito inexperientes na vida cristã se não sabemos algo a respeito disso. Será que todos nós não conhecemos algo dessa situação de provas e dificuldades, sim e de uma sensação de que Deus parece não Se importar? Ele nada faz a respeito. "Por que Ele permite que eu, um cristão, sofra nas mãos de não-cristãos?" muitos perguntam. "Por que Ele permite que as coisas dêem errado comigo, e não com outra pessoa?" "Por que esse homem é bem sucedido, enquanto que eu sou um fracasso? Por que Deus não faz nada a respeito?" Com que frequência cristãos fazem essas perguntas! Eles têm indagado isso sobre a situação geral da Igreja hoje em dia. "Por que Ele não envia um reavivamento? Por que permite que humanistas e ateus tenham tanta proeminência? Por que Ele não interfere e faz algo, por que Ele não reaviva Sua obra?" Quantas vezes somos tentados a dizer tais coisas, exata-mente como aqueles discípulos no barco!
O fato de Deus permitir essas coisas, e que muitas vezes parece até indiferente a respeito, realmente constitui o que estou descrevendo como a prova da fé. Essas são as condições sob as quais nossa fé é testada e provada, e Deus as permite, Deus permite tudo isso. Tiago chega até nos dizer que devemos "ter grande gozo" quando essas coisas nos acontecem. Este é um grande tema — a prova da fé. Não falamos muito sobre isso hoje em dia, não é? Mas se voltássemos ao século dezessete ou dezoito, descobriríamos que era um tema muito familiar. Creio que em certo sentido era o tema central dos puritanos. Certamente teve proeminência mais tarde no grande avivamento evangélico do século dezoito. A prova da fé, e como ter vitória sobre essas coisas, o andar pela fé e a vida de fé eram seus temas constantes.
Vamos agora passar para a segunda pergunta. Qual é a natu¬reza da fé, o caráter da fé? Esta, acima de tudo, é a mensagem particular deste incidente, e sinto que se revela de forma especialmente clara no registro do Evangelho de Lucas. É por isso que estou analisando o incidente baseado nesse Evangelho, e enfatizando a forma como o Senhor colocou a pergunta: "Onde está a vossa fé?" Aí está a chave do problema. Observem a pergunta do Senhor. Parece inferir que Ele sabe muito bem que eles têm fé. A pergunta que Ele lhes faz é: "Onde está ela? Vocês têm fé, mas onde ela está neste momento? Devia estar aqui — onde está?" Ora, isso nos dá a chave para entender a natureza da fé.
Antes de tudo, quero colocá-lo de forma negativa. Fé, obviamente, não é uma questão de emoções. Não pode ser, porque nossas emoções numa situação assim podem ser muito variáveis. Um cristão não deve se sentir abatido quando tudo está dando errado. Ele tem o mandamento de se regozijar. Emoções pertencem à felicidade apenas, mas o regozijo envolve algo muito maior do que emoções; e se a fé fosse uma questão de emoções apenas, então, quando acontece algo errado ou os sentimentos mudam, a fé desaparece. Mas a fé não é uma questão de emoções apenas, a fé inclui o homem integral, incluindo sua mente, seu intelecto e seu entendimento. É uma resposta à verdade, como vamos ver.
A segunda coisa é ainda mais importante. A fé não é algo que atua automaticamente, não é algo que atua de forma mágica. E este é um erro do qual eu creio que todos nós, em alguma ocasião, fomos culpados. Parece que pensamos que a fé é algo que age automaticamente. Muitas pessoas, eu creio, concebem a fé como algo parecido com um termostato ligado a algum aparelho de aque¬cimento — você ajusta o termostato num certo nível, para manter a temperatura num determinado ponto, e ele opera automaticamente. Se a temperatura tende a subir além daquele nível, o termostato entra em operação e a faz baixar; se usamos a água quente e a temperatura da água tiver caído, o termostato entra em ação e esquenta a água de novo, e assim por diante. Não precisamos fazer nada a respeito, o termostato age automaticamente e mantém a temperatura no nível desejado automaticamente. E há muitas pessoas que aparentemente pensam que a fé atua dessa forma. Presumem que não importa o que lhes aconteça, a fé vai operar e tudo estará bem. Contudo, a fé não é algo que atua automaticamente ou de forma mágica. Se fosse assim, aqueles homens não teriam tido esse problema, a fé teria entrado em operação e eles estariam calmos e tranquilos e tudo acabaria bem. Mas a fé não é assim, e esses são conceitos muito errôneos a seu respeito.
O que é fé? Vamos examiná-la de forma positiva. O princípio ensinado aqui é que fé é uma atividade, é algo que precisa ser exercitado. Não entra em operação por si mesma, nós precisamos exercitá-la. É uma forma de atividade.
Quero dividir isso um pouco. Fé é algo que precisamos colocar em ação. Isso é exatamente o que o Senhor disse a esses homens. Ele disse: "Onde está a vossa fé?", o que significa: "Por que não estão tomando a sua fé e aplicando-a a esta situação?" Pois foi porque eles não fizeram isso, foi porque não colocaram sua fé em ação, que os discípulos se desesperaram e ficaram nesse estado de consternação. Como então podemos colocar a fé em ação? Que quero dizer, ao afirmar que a fé é algo que precisamos aplicar? Posso dividir minha resposta desta forma. A primeira coisa que preciso fazer quando me encontro numa situação difícil, é não permitir que a situação me controle. Este é um aspecto negativo. Esses homens estavam no barco, o Mestre estava dor¬mindo, as ondas estavam jogando água dentro do barco, e eles não conseguiam tirar a água com suficiente rapidez. Parecia que iam naufragar, e o problema foi que eles se deixaram controlar pela situação. Eles deviam ter colocado sua fé em ação, assumindo o controle e dizendo: "Não vamos entrar em pânico". Deviam ter começado assim, mas não o fizeram. Permitiram que a situação os controlasse.
A fé se recusa a entrar em pânico. Gostam desse tipo de definição de fé? Isso lhes parece terreno demais, e pouco espiritual? Mas esta é a própria essência da fé. Fé é uma recusa de se entrar em pânico, aconteça o que acontecer. Acho que Browning tinha isso em mente quando definiu fé desta forma: "Para mim, fé significa incredulidade perpetuamente mantida em silêncio, como o dragão sob os pés de Miguel". Aí está Miguel, e aí está o dragão sob seus pés, e ele o mantém quieto sob a pressão do seu pé. Fé é incredulidade mantida em silêncio, mantida prisioneira. E foi isso que esses homens não fizeram, eles permitiram que a situação os controlasse, e entraram em pânico. Fé, entretanto, é uma recusa em deixar isso acontecer. Ela diz: "Não vou ser controlada por essas circunstâncias — eu estou no controle". Então, assumam o controle de si mesmos, ergam-se, dominem-se a si mesmos. Não percam o controle, perseverem e vençam.
Fonte: Martyn Lloyd-Jones
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