Por João Calvino
Ora, a fé é (Hb 11). Qualquer um que imagine que esse é apenas o início do capítulo onze, terá equivocadamente quebrado a seqüência. O propósito do apóstolo é buscar reforço para sua discussão anterior sobre a necessidade de cultivar-se a paciência. Já citou o testemunho de Habacuque, dizendo que o justo viverá por sua fé. Agora mostra o que faltava, ou seja: que a fé não pode separar-se da paciência mais do que poderia separar-se de si própria. Eis a seqüência de suas ponderações: jamais alcançaremos a meta da salvação, a menos que nos munamos de paciência. O profeta declara que o justo viverá por sua fé, porém a fé nos conduz para as coisas distantes que ainda não alcançamos; portanto, necessário se faz que a fé inclua a paciência. A proposição menor no silogismo é: a fé é a substância, etc. É evidente disso que estão muitíssimo equivocados aqueles que crêem que aqui se oferece uma definição exata de fé. O apóstolo não está discutindo a natureza da fé como um todo, senão que seleciona aquela parte que se adequa ao seu propósito, a saber: que a paciência está sempre relacionada com a fé.
Consideremos agora as palavras. Ele chama a fé de a substância das coisas que se esperam. E de nossa experiência que o que se espera não se encontra ainda em nossas mãos, e, sim, o que está ainda escondido de nós, ou, pelo menos, que o usufruto do mesmo é adiado para outro tempo. O apóstolo está dizendo a mesma coisa que Paulo em Romanos 8.24, onde, após dizer que o que se espera não se vê, chega à conclusão que se deve esperá-lo com paciência. Daí nosso apóstolo nos ensinar que não devemos exercer fé em Deus com base nas coisas presentes, e, sim, com base na expectativa de coisas ainda vindouras. Há nessa aparente contradição um toque de atrativa beleza. Diz que a fé é a substância, ou seja: o arrimo ou fundamento sobre o qual firmamos nossos pés. Mas apoio do quê? Das coisas ausentes, as quais se encontram tão longe de estar sob nossos pés, que excedem infinitamente ao poder de nossa compreensão.
A mesma idéia percorre a segunda cláusula, onde ele denomina a fé de a evidência, que é a demonstração das coisas não visualizadas. Uma demonstração provoca o aparecimento das coisas, e comumente se refere somente ao que se acha sujeito aos nossos sentidos. Essas duas coisas aparentemente contradizem uma à outra, no entanto estão em perfeita harmonia, quando a nossa preocupação é a fé. O Espírito de Deus nos mostra as coisas ocultas, o conhecimento das quais não pode atingir nossos sentidos. A vida eterna nos é prometida; todavia, ela é prometida aos mortos. Somos informados sobre a ressurreição dos bem-aventurados; mas, entrementes, vivemos envolvidos em corrupção. Somos informados de que somos justos; todavia, o pecado habita em nós. Ouvimos que somos bem-aventurados; mas, entrementes, somos subjugados por inaudita miséria. É-nos prometida abundância de tudo quanto é bom; mas vivemos freqüentemente famintos e sedentos. Deus proclama que nos virá buscar imediatamente; mas parece que é surdo ao nosso clamor. O que seria de nós, se não fôssemos sustentados por nossa esperança? E quantos de nossos pensamentos não emergem acima da escuridão e pairam acima do mundo, sustentados pela luz da Palavra de Deus e de seu Espírito? Portanto, a fé é com justa razão chamada a substância das coisas que são ainda objetos de esperança e a evidência das coisas ainda ocultas. Agostinho às vezes intercambia evidência e convicção, do que não discordo, porque fielmente expressa a intenção do apóstolo. Prefiro o substantivo 'demonstração' ou 'evidência', porque é menos forçado.
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