O conceito de igreja é básico para uma compreensão adequada do cristianismo. Se não for bíblico o fundamento sobre o qual se descansa a noção de igreja, facilmente se incorrerá, como assim tem demonstrado a história do cristianismo, em certos erros doutrinários de lamentáveis consequências. Justificada é, pois, nossa asserção de que, uma boa parte das diferenças que nos separam de Roma, se originam em uma noção distinta do conceito de igreja. Como veremos adiante, as Escrituras nos apresentam um conceito da Igreja sob diferentes aspectos. Estes aspectos, tomados unitariamente e em sua vinculação própria, colocam de forma clara a natureza e o caráter da Igreja de Jesus Cristo.
A Igreja Invisível e visível
Sob esta designação de visível e invisível não estamos nos referindo a duas igrejas distintas. Cristo fundou uma só Igreja; mas segundo os ensinamentos da Santa Palavra, a Igreja exibe um caráter duplo: por um lado é invisível, a saber, ela escapa e vai muito além do que é sensível; por outro lado, a Igreja de Cristo se exterioriza em agrupações e congregações visíveis ao olho humano. Segundo um polemista católico romano Bossuet, a noção de igreja invisível e visível é uma invenção protestante. Porém, na realidade este conceito está baseado e tem um fundamento na Palavra de Deus. Uma e outra vez os profetas do Antigo Testamento lembram ao povo judeu que, o simples fato de pertencer ao Israel Visível, isto não era prova suficiente de que eram membros do Israel de Deus – do Israel espiritual, invisível. Dentro do Israel Visível os profetas fazem distinção e nos falam de um remanescente espiritual (Esdras 9.8; Isaías 1.9; 20.21; Jeremias 23.3; Ezequiel 6.8). O profeta Elias acreditava que toda a nação de Israel havia apostatado, e que somente ele havia se mantido nos caminhos do Deus verdadeiro; mas o Senhor lhe revelou que, todavia ainda restavam sete mil israelitas que não haviam dobrado seus joelhos a Baal; estes além de serem cidadãos do Israel terrestre, eram também cidadãos do Israel espiritual, invisível. A mesma ideia encontramos no apóstolo Paulo quando disse: “Porque não é judeu que o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente da carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, a circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus”(Romanos 2.28-29). O próprio Senhor Jesus se referia a esta dupla distinção entre os israelitas quando contestou os fariseus que se orgulhavam de ser filhos de Abraão ( João 8.37,39,44 ). Havia, pois, judeus que pertencia m a Israel como nação visível, em consequência, eram filhos de Abraão segundo a carne, os quais, além do mais, pertenciam ao Israel de Deus – espiritual e invisível. Porém, por outro lado, a maioria do povo judeu, ainda que sendo cidadãos de Israel, e descendentes de Abraão, não pertenciam ao Israel de Deus. A Igreja de Cristo se identifica com o Israel de Deus, e nos oferece também um aspecto visível, e outro invisível. Os verdadeiros filhos de Deus, além de ter sua membresia em alguma igreja visível, formam parte do corpo místico de Cristo que é a Igreja Invisível. Os hipócritas e os falsos convertidos, e muitos outros que de uma maneira externa professam a fé evangélica, e se ajuntam ao número dos crentes, só externamente são membros da Igreja de Cristo, e unicamente no aspecto visível da mesma. Estes são os que no dia do juízo dirão: “... Senhor, Senhor! Porventura, não temos profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?” Porém aos tais ele dirá: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade”. (Mateus 7.22-23).
A Igreja Invisível
O conjunto de todos os crentes, na terra e no céu, redimidos com o sangue precioso de Cristo, e unidos espiritualmente a Ele, constituem a Igreja Invisível. Chama-se invisível por sua natureza espiritual – que escapa e vai muito mais além dos sentidos; e também por não se poder determinar estreitamente, a partir de um ponto de vista humano, quem são aqueles que pertencem a mesma. A união dos crentes com Cristo é uma união mística. Os laços com os quais o Espírito Santo estabelece essa união são invisíveis. A totalidade dos que formam a Igreja Invisível não cai dentro da percepção do olho humano; muitos de seus membros não podem ser já vistos, pois estão no céu; eles são os que constituem a hoste vitoriosa da chamada Igreja Triunfante. Muitos outros membros da Igreja Invisível estão espalhados pela terra; alguns talvez perdidos pelos desertos, pelos montes, pelas covas, e pelas cavernas da terra – desprezados e ignorados pelos homens, porém, escolhidos e amados por Cristo. Ah! Não pode a visão do homem abarcar o glorioso panorama do Corpo de Cristo: A Igreja Invisível.
Esta é a Igreja da qual o mesmo Senhor disse: “E as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Pelo testemunho da história sabemos que muitas igrejas locais que se afastaram da fé e tem caído em completa apostasia, as portas destas fecharam. Mas a promessa do Senhor Jesus não se refere diretamente a congregações locais visíveis, e sim a Igreja Invisível – corpo dos redimidos que pertencem a Cristo, sem distinção de tempo nem lugar.
A Igreja Invisível mantém uma íntima relação com Cristo. No Novo Testamento esta relação é expressa sob diversas analogias. Em sua epístola aos Efésios, Paulo designa a Igreja como a Esposa de Cristo. Porém, de todas as analogias, a que mais expressa vivamente a união mística entre Cristo e a sua Igreja, é aquela do corpo humano e a cabeça. Daí Paulo recorrer a ela tantas vezes, e que em suas epístolas desenvolve tão amplamente a relação espiritual entre Cristo – a Cabeça, e a Igreja – o Corpo. Esta união mística não se estabelece por meio de uma hierarquia eclesiástica visível, mas é fruto da maravilhosa obra do Espírito Santo: “Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim com respeito a Cristo. Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito”.(1 Coríntios 12.12-13).
Cristo é a cabeça deste corpo místico que é a Igreja: “E é a cabeça do corpo que é a Igreja”. (Veja Efésios 1.22-23; 4.4,16; 5.23,30). Vemos nestes versículos, que o corpo recebe vida da cabeça; assim como os ramos vida da videira, do mesmo modo a Igreja recebe vida de Cristo; da mesma maneira como os membros do corpo obedecem a cabeça, assim a igreja obedece a Cristo; da mesma forma como a união entre o corpo e a cabeça é uma união vital, assim também a Igreja está vitalmente unida a Cristo. As Escrituras uma e outra vez coloca em relevo o caráter espiritual da Igreja de Cristo; os outros aspectos da Igreja fundamentam-se neste caráter espiritual e invisível. A mente carnal é cega a esta natureza espiritual da Igreja, e a concebe segundo os esquemas de uma organização eclesiástica visível.
A Igreja Visível
Sob este aspecto a Igreja compreende a todos aqueles que ante os olhos do mundo professam a fé cristã, e observam os mandamentos e ordenanças promulgadas por Cristo. Assim como a Igreja Invisível está constituída unicamente por redimidos por Cristo, a Igreja Visível, além dos crentes, inclui homens e mulheres que de uma maneira externa professam a fé evangélica. Tanto a Bíblia como as experiências provam que no seio da Igreja Visível tem se ocultado homens não salvos. Em certas ocasiões nem ainda os apóstolos podiam impedi-los, é somente Deus que pode ler os corações.
Na Palavra de Deus encontramos repedidas alusões a este aspecto visível da Igreja. Nos Atos dos Apóstolos o evangelista Lucas se refere a ela com as seguintes: “E o Senhor acrescentava dia-a-dia à Igreja os que iam sendo salvos”. (Atos 2.47). Escrevendo aos coríntios o apóstolo fez menção da provisão ministerial e governativa com a que Cristo tem dotado a Igreja Visível: “E a uns pôs Deus na Igreja, primeiramente apóstolos, depois profetas, em terceiro lugar doutores e mestres; dons de curar, misericórdias, governos, variedades de línguas”. (1 Coríntios 12.28). Os ofícios e ordenanças que são detalhados aqui implicam em uma estrutura social externa e visível.
Temos dito que a Igreja em seu aspecto visível não está formada de uma membresia única – tal como acontece com a Igreja Invisível constituída por todos os redimidos -, mas que abriga em sua comunhão, além dos crentes, grande número de pessoas externamente professa a fé evangélica mas que na realidade não são salvos. Este fato se aprecia muito bem em algumas parábolas de nosso Senhor. Sob o título “reino dos céus” o Senhor se refere a Igreja Visível, e assim, nos diz em Mateus 13.47-49: “O reino dos céus é semelhante a uma rede, que é lançada no mar, colhe de todas as sortes de peixes. E quando está cheia, os pescadores arrastam-na para a praia e, assentados, escolhem os bons para os cestos e os ruins deitam fora”. A separação entre os bons e os maus terá lugar no fim do mundo. A mesma ideia de coexistência de pessoas salvas e não salvas na igreja visível se nos apresenta na parábola daquele homem que semeia a boa semente no campo, mas “dormindo seus guardas, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo”. No tempo da colheita, a saber, no fim do mundo, se fará separação entre o joio e o trigo – entre os crentes e os hipócritas -. A relação que existe entre a videira e os ramos, e que o próprio Senhor Jesus nos menciona, põe ainda mais em relevo o que já vimos, dizendo: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador. Todo ramo que, estando em mim, não dar fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto ele o limpa, para que produza mais fruto ainda”.
“Eu sou a videira, vós os ramos... o que em mim não estiver será lançado fora como mau ramo” João 15. O verdadeiro crente, qual ramos unidos à videira, mantém uma união espiritual com Cristo e, em consequência disso, produzem frutos. Mas os hipócritas, aqueles que não são salvos, e que, no entanto, filiam-se a membresia da Igreja Visível, por manter somente uma relação externa com Cristo, semelhante aos ramos que não estão unidos a videira, serão lançados fora.
A Igreja Invisível mantém, com respeito a seus membros, uma relação íntima e espiritual com Cristo; enquanto que a Igreja, em seu aspecto visível, mantém uma relação externa. No caso dos crentes verdadeiros, esta relação externa é expressão visível daquela íntima relação espiritual que lhes une a Cristo. A Igreja Invisível está constituída, unicamente, pelos redimidos; enquanto que a Igreja Visível está formada por aqueles que externa e visivelmente confessam a Cristo, e pode incluir, além dos crentes verdadeiros, pessoas não são salvas.
Estes dois aspectos – visível e invisível -, sob os quais se nos apresenta a Igreja nas Escrituras, são básicos para uma compreensão bíblica da natureza da Igreja. Eles são, além do mais, os que colocam de forma bastante clara os erros da concepção romanista de Igreja. A Igreja Católica Romana atribui à Igreja Visível grande números das características que, segundo as Escrituras, só podem ser aplicados à Igreja Invisível.
A Igreja Católica e Local
A Igreja Local
Com frequência o termo igreja é usado nas Escrituras para designar um grupo de crentes em um determinado lugar. Ainda que seja no caso de que sejam dois ou três crentes que se reúnem para orar e adorar ao Senhor, o Novo Testamento emprega o termo igreja[1] para designar os tais. O mesmo acontece com grupos de crentes que, todavia, não foram organizados sob a supervisão de presbíteros e pastores. Em atos dos Apóstolos é-nos dito que Paulo e Barnabé “constituíram presbíteros em cada uma das igrejas” Atos 14.23. O qual demonstra que, ainda antes de ter presbíteros, tais grupos já se constituíam verdadeiras igrejas. O apóstolo Paulo reconhece como verdadeira Igreja o grupo de crentes que se reúnem em uma casa particular, em suas epístolas temos vários exemplos: “Saudai a Priscila e Áquila... do mesmo modo a igreja de sua casa” Romanos 16.3,5. “Saudai aos irmãos que estão em Laudicéia, e a Ninfas, e a Igreja que está em sua casa” Colossenses 4.16 (veja-se também 1 Corintios 16.19; Filemon 23).
A Igreja Católica ou Universal
Temos visto que segundo o Novo Testamento, ainda que seja um pequeno grupo de crentes que se reúnem em uma casa particular constitui uma igreja. Agora bem, a igreja local, por menor que seja, mantém uma relação importantíssima coma as outras igrejas cristãs. O crente, por cima de sua igreja local, confessa a sua crença em uma Igreja Universal: “Creio na Igreja Católica”. Como devemos entender esta confissão? Que relação há entre a congregação local e a Igreja Universal? Em que consiste a universalidade da Igreja? A universalidade ou catolicidade da Igreja é dupla: Concerne a Igreja em seu aspecto visível e invisível[2].
Em seu aspecto invisível
A igreja é católica pelo fato de não está restringida a nenhuma limitação de lugar e tempo.[3] Na dispensação judaica, a igreja não era católica, mas local; seu centro estava em Jerusalém; ali tinha o seu templo, seu altar, seu sacerdócio. Porém, na nova dispensação a Igreja desborda toda a limitação local. “A hora vem, e agora é, quando os verdadeiros adoradores adorarão ao Pai em espírito e em verdade”. João 4.23. Em qualquer lugar da terra onde se encontra um crente, ali há um verdadeiro Templo do Senhor; ali pode Deus ser adorado em Espírito e em verdade. Desaparece o sacerdócio de Arão com a vinda do Sumo Sacerdote que, havendo feito a propiciação pelos pecados do povo, agora vive para sempre interceder por eles. As barreiras da dispensação mosaica foram derrubadas, e a plenitude do Espírito Santo se derrama sobre a Igreja. É o Espírito Santo quem estabelece a universalidade da Igreja. A ação unificadora do Espírito Santo faz desaparecer toda diferença de raça, língua e distância. A comunhão de um mesmo Espírito faz com que os crentes de todos os lugares e tempos experimentem uma maravilhosa unidade espiritual em Cristo. É em virtude, pois, dos laços de um mesmo Espírito, e da participação de uma vida espiritual comum em Cristo, que a Igreja local se relaciona com o conjunto de todas as igrejas cristãs.
Em seu aspecto visível
A igreja é católica por quanto todos os seus membros professam a mesma fé em Cristo. Assim como a Igreja Invisível a universalidade vem determinada pela participação de um mesmo Espírito, no caso da Igreja Visível a catolicidade vem determinada pela profissão de uma mesma fé. Por cima das diferenças de língua, raça, e denominação, as igrejas evangélicas confessam a mesma fé em Cristo Jesus.
Os evangélicos são acusados a vontade de estarem divididos na doutrina, e desta forma não exibem a catolicidade da fé; porém, os que assim nos combatem não param para considerar que o amplo horizonte doutrinário que, por cima das diferenças denominacionais, une as igrejas evangélicas. Se compararmos os credos e confissões doutrinárias das denominações evangélicas mais importantes, se observará uma crença comum nas doutrinas essenciais da fé cristã. Todas proclamam a autoridade na Bíblia, a Trindade, a Criação, a Queda do homem, a divindade de Cristo, a Salvação através da Obra de Cristo, a Justificação pela Fé somente, o Juízo Final, a Realidade do Céu e do Inferno, a Segunda Vinda de Cristo, etc. Os desacordos e diferenças entre as igrejas evangélicas estão inseridos naquilo que não impedem a salvação de pecadores. Algumas destas diferenças devem-se a causas históricas, outras nasceram como resultado de distintas interpretações e de certas profecias escatológicas; outras provêm de um triste apego às tradições humanas; porém, mui possivelmente, a maior parte das diferenças dentro do campo evangélico se devem ao pecado.
O crente evangélico não deve se contentar pensando que no que se refere ao coração da mensagem evangélica há universalidade de fé entre as igrejas evangélicas, mas, antes de tudo, deve orar e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que a Igreja Visível, ainda que seja nos temas e nos detalhes mais insignificantes possa revelar a unidade e catolicidade.
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Fonte: Revista Tu Reino, número 6 de maio a dezembro de 1994, paginas 27 a 31.
Tradução: João Ricardo Ferreira de França. Formado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN). Leciona no Seminário Presbiteriano fundamentalista do Brasil.
Notas:
[1] O termo Igreja, no grego significa literalmente “os chamados para fora”, são chamados do mundo para serem consagrados a Deus (NT).
[2] Na realidade o catolicismo romano não nega este aspecto de invisibilidade da Igreja de Cristo, mas o suprime e faz depender do aspecto visível. “Primeiro está a Igreja Visível, e logo vem a Invisível”. Desta crença surgem as tristes conclusões da Teologia Católica com respeito a natureza da Igreja. Ao aspecto visível Roma aplica notas e características que são próprias do aspecto invisível da Igreja.
[3] Este tem sido o erro da Igreja Católica Romana, pois, a Igreja não pode ser católica e ao mesmo tempo Romana, tal postulação é uma contradição de discurso – elimina o conceito de catolicidade da Igreja de Cristo. Isso porque a Igreja Romana está limitada, em sua nomenclatura, a uma localidade (NT).
IRmãos esclarecedor o tema!EStava h´aalgum tempo meditando e a procura sobre a materia que trata do conceito bíblico do que é a igreja que o Senhor Jesus edifica .Muito oportuno termos o discernimento sobre o o real sentido da nomenclatura .Muitas seitas advogam que igreja tem carater 'eclesiastico 'somente, uma instituição unica fora da qual, se o crente nao se agregar, estara condenado a perdiçao eterna;
ResponderExcluirGraças e paz Junior.
ExcluirFico feliz em saber que esse texto tenha abençoado a sua vida.
Fique na Paz!
Pr. Silas Figueira