terça-feira, 25 de maio de 2010

Da confiança dos ateus 3


Por Roberto Vargas Jr

Olha! Virou mesmo uma série! Uma pessoa anônima que diz ser agnóstica quer fazer piada com minha afirmação de que a “origem da Origem” de Dawkins é ridiculamente estúpida, além dos nossos gênios neoateus não serem muito chegados à lógica. Diz ela no Tempora:

Bem,é falta de boa lógica, se minha parca mente me permitiu deduzir, lendo algumas intervenções nesta página, afirmar que o universo é origem de si mesmo, mas não o é afirmar que um ser é “ens causa sui”, para usar a expressão que o gênio de Spinoza, digamos, popularizou; ou seja, que uma entidade criou-se a si mesmo. Na verdade, se praticamos alguma das religiões de tradição mosaica, esse ser não se criou, pois sendo eterno não tem começo nem fim, questão, essa de um ser eterno, que levou à rejeição inicial do pensamento aristotélico por parte de judeus, cristãos e muçulmanos, pois o estagirita acreditava num universo eterno (não é demais lembrar que “eterno” difere de “imortal” - este não tem fim, mas tem começo).
Não sou atéia, adianto logo; sou agnóstica, termos, amiúde, misturados ou confundidos por muitos. O agnóstico, para recorrer a uma “boutade” do saudoso Paulo Francis, vale-se de uma mineirice filosófica para ficar “em cima do muro”. Piada à parte, é até possível que seja assim. Todavia, acho mais razoável reconhecermos os limites de nossa inteligência e afirmarmos que nem podemos afirmar nem tampouco negar a existência de um ser superior, em vez de, uns afirmarem que existem, e outros de que tal crença não passa, como diria um velho professor que tive na faculdade, de uma falácia metafísica.
Antes que eu me esqueça. Vez ou outra, vejo/ouço/leio cristãos, em seu habitual exercício de se mostrarem mártires, afirmarem a força de sua fé pelo fato, entre outros, de já estar aí faz 2 mil anos. Se vale o argumento, então ele vale muitíssimo mais para o judaísmo, que já está entre nós há quase 6 mil anos, período no qual o povo que o encarna sofreu as maiores perseguições que uma comunidade humana já sofreu. Ah, e o budismo tem 2500 anos e o bramanismo, se acreditarmos em alguns historiadores da religião, já está circulando há mais de 6 mil anos. Estas duas últimas, aliás, sem jamais fazerem proselitismo, pois isso lhe é estranho, tem ter o ativo de misérias que cristãos, no intuito de levarem a “palavra de Deus”, produziram em sua empresa colonialistas. Civilizados esses cristãos, não meus amigos?

Minha resposta lá foi:

Caríssima anônima agnóstica,
Você parece cumprir bem o papel de provar que os agnósticos não passam de ateus que procuram se eximir do ônus da prova. Disfarce o quanto quiser, afirmando a incapacidade da razão (aliás, tome nota de sua afirmação e siga as consequências). Caso contrário, isto é, se não está a disfarçar, comece a criticar o ateísmo com a mesma gana e vigor com que critica o cristianismo (e na mesma seara, por favor).
Sim, minha cara, Deus é um ser eterno e isso nos leva a negar Aristóteles quanto a isso, do mesmo modo como nos rimos da “origem da Origem”. Mas a influência do termo spinozano lhe confundiu, não é mesmo? Deus não é causa de si mesmo como se tivesse criado a si mesmo. Deus é a causa de si mesmo enquanto ser necessário e, portanto, incriado (isto é, sem causa externa; e não está isso claro pelo termo “eterno”?). Eis a incapacidade metafísica do tolo Dawkins que, a coisa se confirma, faz escola.
Mas você, claro, está perdoada da acusação de falta de lógica por conta de sua confusão spinozana!
A propósito, resta a possibilidade de afirmar o universo como eterno e incriado (o que não faz Dennett e, creio, nem Dawkins). Difícil será prová-lo não-contingente (isto é, necessário). Mas, enfim, de sua fé vivem todos!

Isto já diz muito, porém podemos dizer algo mais, sem (tantas) provocações e ironias.

Na verdade, pouco importa a origem da expressão “ens causa sui”. Citar Spinoza pouco ajuda, exceto que ele afirmava um deus por demais panteísta, sendo a matéria tão necessária quanto este mesmo deus. A confusão de nossa comentarista parece ser quanto ao significado mesmo de “causa de si mesmo” ou de “ser necessário”. Conforme explicado, ser causa de si mesmo é um status ontológico de um ser necessário, isto é, que não depende sua existência de um outro ser. Ser causa de si mesmo tem o sentido de que a razão suficiente de um ser necessário é ele mesmo. Já seres que de outros dependem são seres contingentes, ou, dizendo o mesmo de outra forma, seres contingentes têm sua razão suficiente em outro ser.

Isto não significa, para o ser necessário, uma criação de si mesmo, como parece querer nossa anônima. Criar-se pressupõe um início e um tempo ou situação anterior a este início em que o ser necessário não fosse ser, mas nada. Ora isto é autocontraditório e ponto! Um ser necessário é, por definição, um ser não causado. Além disso, nossa agnóstica quer nos ensinar sobre a eternidade. Bem, ela não parece conseguir pensar para além do tempo com sua sugestão de infinitude de antes e depois. Mas isto não vem mesmo ao caso agora…

O caso é que, como afirma Ronald Nash[1], “se alguém buscasse a razão suficiente de um ser necessário, acabaria descobrindo algo sobre ele mesmo: descobriria que não conhece o sentido da expressão ser necessário”. Este é precisamente o caso de Dawkins e sua argumentação sobre a “origem da Origem”. Como afirmei antes, Dawkins é um “ignorante metafísico neoateu! Não, não. Expressei-me mal. Não é ignorância. É total incapacidade de pensar metafisicamente”.

Porém, há ainda uma certa dificuldade que nos poderiam impor. Pois é mesmo possível pensar o universo como não causado ou, como diz nossa disfarçada amiga, querendo nos pegar no contrapé: ele seria causa de si mesmo. Mais propriamente, neste caso estaríamos a afirmar que o universo seria necessário. Ora, não estou a negar essa possibilidade[2]. Porém argumento em duas frentes. Primeiro que nossos “brilhantes” afirmam a contingência do universo (ele teve origem) para em seguida afirmar sua necessidade (ele é a origem de si mesmo). E depois, bem, se alguém se propõe resolver a questão nestes termos, da eternidade do universo, deverá mostrar que o universo assim é. Ou isso ou pressupor. Daí eu falar em fé.

Se falamos em fé, no entanto, temos uma vantagem que não pode ser ignorada. É que Deus é, seja por Revelação das Escrituras, seja por definição via razão, ser necessário. Já o universo…

SOLI DEO GLORIA!

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[1] NASH, R. Questões últimas da vida. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
[2] Quero dizer, como possibilidade de argumentação, mas a nego como um pressuposto válido.

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