segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Soberania de Deus Sobre a Vontade do Homem


Por Heitor Alves

Todos os calvinistas crêem que Deus planeja, decreta e controla todos os eventos. Isso significa que o mundo anda de acordo com a vontade de Deus. Mas alguns calvinistas, apesar de reconhecerem o controle divino sobre os grandes acontecimentos da história, ao mesmo tempo negam que Deus tem o controle sobre as decisões dos homens. Ou seja, Deus não causa as escolhas individuais dos homens.

Mas qual é a causa primeira da nossa vontade? Se a causa primeira da vontade humana é Deus, que determina tudo, absolutamente tudo, inclusive pensamentos e ações, está determinado e decretado por Deus desde antes da fundação do mundo? Os que assim pensam, alegam que, tendo determinado o evento/fim, não necessita decretar todos os nossos pensamentos e ação (meios). Outros ainda dizem que se o “fim” já estava previamente garantido, então os nossos pensamentos e ações não precisariam ser determinados, pois de qualquer forma, nossos atos e pensamentos levariam à realização do “fim” determinado por Deus. Falando de outra forma, não importa como agiremos, o que importa é a certeza que o “fim” será realizado.

Mas ao olharmos para a Bíblia, vemos que esse pensamento não é condizente com as afirmações bíblicas. Todos concordam que o “fim” é decretado por Deus, mas é biblicamente aceitável que os meios, que levam à execução do “fim”, também é decretado por Deus, inclusive nossos atos e até pensamentos!

Veja o que diz Deuteronômio 2.30:

Mas Seom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por sua terra, porquanto o SENHOR, teu Deus, endurecera o seu espírito e fizera obstinado o seu coração, para to dar nas mãos, como hoje se vê.

Vemos claramente neste texto que o próprio Senhor tornou o coração de Seom obstinado e endureceu o seu espírito. Não há nada no contexto que indique que foi o próprio rei que endureceu o próprio espírito.

A dificuldade reside na aceitação da idéia de que Deus causa eventos maus. Mas vemos em outro texto o famoso caso de Faraó. Ao afirmarmos que Deus endurece o coração de Faraó, logo vem a resposta de que também o Faraó endurece o seu próprio coração. Mas temos que admitir que Deus constantemente age através da instrumentalidade humana. Precisamos ter em mente se Deus é ou não é a causa desses instrumentos.

No livro de Êxodo, temos alguns texto que falam do endurecimento do coração de Faraó por Deus (Êx 4.21; 7.3,13; 9.21; 10.1,20,27; 11.10; 14.4,8). Há também um relato extra de Deus endurecendo o coração dos egípcios (Êx 14.17). Há ainda outros texto que dizem que o coração de Faraó está endurecido, sem informar quem o endureceu (Êx 7.14,22; 8.19; 9.7,35). Por fim, há somente três versículos que nos informa que o próprio Faraó endureceu o seu coração (Êx 8.15,32; 9.34).

Se somarmos os números das ocorrências do endurecimento do coração pelo próprio Faraó e os números das ocorrências do endurecimento do coração por Deus, veremos que inegavelmente é o próprio Deus quem endurece o coração de Faraó, pois a declaração do endurecimento por parte de Deus é três vezes mais! É natural que a Bíblia mencione, apenas três vezes, o endurecimento do coração pelo próprio Faraó, pois Deus freqüentemente usa a instrumentalidade humana em certas situações. A causa última, primeira e original é Deus. Quem causa o endurecimento do coração de Faraó é Deus. Quem determina a vontade de Faraó é Deus. É inegável que o endurecimento do coração está dentro do escopo da atividade divina.

Encontramos em 1 Samuel 16.14:

Tendo-se retirado de Saul o Espírito do SENHOR, da parte deste [do SENHOR] um espírito maligno o atormentava.

Claramente vemos que o próprio Deus é quem envia um espírito atormentador a Saul. Mas este texto não é único. Ainda há outros textos que podemos analisar.

Veja 1 Reis 22.20-23:

Perguntou o SENHOR: Quem enganará a Acabe, para que suba e caia em Ramote-Gileade? Um dizia desta maneira, e outro, de outra. Então, saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o enganarei. Perguntou-lhe o SENHOR: Com quê? Respondeu ele: Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas. Disse o SENHOR: Tu o enganarás e ainda prevalecerás; sai e faze-o assim.

Note que Deus desejava que Acabe atacasse Ramote-Gileade e lá mesmo fosse morto. Mas Acabe também queria atacar a cidade. Depois de ouvir as profecias de sucesso dos falsos profetas, e tendo ouvido a profecia de Micaías de que ele seria morto, o rei foi e atacou a cidade e foi morto, como Deus havia determinado. Determiando? Sim. Acabe não podia resistir, pois Deus havia decretado: “Tu o enganarás e ainda prevalecerás”. Na seqüência dos eventos (meio), Deus dirigiu uma flecha atirada “sem direção” de uma tal forma que atingiu a abertura nas juntas da armadura de Acabe, levando-o à morte (fim). Deus decretou que Acabe seria morto. Isso aconteceu. Poderia acontecer de qualquer forma? Não.

Veja agora Salmos 105.25:

Mudou-lhes o coração para que odiassem o seu povo e usassem de astúcia para com os seus servos.

O intuito do presente artigo é provar biblicamente que Deus determina as escolhas que os homens fazem. Visto que os homens fazem escolhas más, estamos dando atenção especial ao fato que Deus causa essas escolhas más. No texto citado, a coisa má é uma escolha humana. O texto se refere aos egípcios a quem o Senhor fez odiar os israelitas. Perceba que Deus causou o ódio dos egípcios aos israelitas. Deus virou o coração dos egípcios para odiar os israelitas.

Deus também causa decisões boas, inclusive transformando o ódio em favor:

E o SENHOR fez que seu povo encontrasse favor da parte dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que pediam. E despojaram os egípcios (Êx 12.36).

Veja que Deus alterou a mentalidade dos egípcios. Deus fez os egípcios odiarem aos israelitas, e agora Deus faz com que os egípcios deixem de odiá-los. Alguns insistem em dizer que Deus não precisa determinar todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações para garantir a consecução do “fim”, pois o “fim” está previamente determinado e garantido. Isso é desconhecer o que as Escrituras dizem. Deus controla o que as pessoas pensam! Não existe liberdade humana! Não existe compatibilismo! Deus controla pensamentos/sentimentos (odiar e não odiar, no caso dos egípcios), ações (no caso de Acabe) e o falar (no caso de Faraó, quando dizia que não libertaria o povo de Deus).

Há ainda outro texto que nos informa que Deus controla os pensamentos dos homens:

Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer [de Deus], o inclina (Pv 21.1).

Temos aí uma declaração generalizada. Deus inclina os homens de acordo com a Sua vontade. Mas temos na Bíblia um caso específico também:

Ele era escriba versado na Lei de Moisés, dada pelo SENHOR, Deus de Israel; e, segundo a boa mão do SENHOR, seu Deus, que estava sobre ele [Esdras], o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira (Ed 7.6).

Está aí uma declaração explícita. Deus controla e determina os pensamentos, os planos e as decisões dos homens. Ainda em Esdras, encontramos mais um exemplo de Deus dirigindo as decisões e as ações dos homens:

No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do SENHOR, por boca de Jeremias, despertou o SENHOR o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo: Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O SENHOR, Deus dos céus, me deu todos os reinos da terra e me encarregou de lhe edificar uma casa em Jerusalém de Judá. Quem dentre vós é, de todo o seu povo, seja seu Deus com ele, e suba a Jerusalém de Judá e edifique a Casa do SENHOR, Deus de Israel; ele é o Deus que habita em Jerusalém. (...) Então, se levantaram os cabeças de famílias de Judá e de Benjamim, e os sacerdotes, e os levitas, com todos aqueles cujo espírito Deus despertou, para subirem a edificar a Casa do SENHOR, a qual está em Jerusalém.

O rei Ciro pergunta ao povo quem poderia ajudar na construção da Casa do Senhor. Bom, a princípio parece que os homens decidiriam se ajudariam ou não na construção. Nos é informado que o povo atendeu ao pedido do rei. Mas o texto nos informa também que esse atendimento foi resultado de um despertamento de Deus. Deus motivou a decisão dos homens. Veja que são muitos os textos que apóiam o controle de Deus sobre a vontade dos homens. E tem mais:

A terra de Judá será espanto para o Egito; todo aquele que dela se lembrar encher-se-á de pavor por causa do propósito do SENHOR dos Exércitos, do que determinou contra eles (Is 19.17).

Perceba neste texto que as tribulações de uma nação são atribuídas a determinação de Deus. Mas também temos o texto de Jeremias 13.13,14:

Mas tu dize-lhes: Assim diz o SENHOR: Eis que eu encherei de embriaguez a todos os habitantes desta terra, e aos reis que se assentam no trono de Davi, e aos sacerdotes, e aos profetas, e a todos os habitantes de Jerusalém. Fá-los-ei em pedaços, atirando uns contra os outros, tanto os pais como os filhos, diz o SENHOR; não pouparei, não terei pena, nem terei deles compaixão, para que os não destrua.

O que lemos é Deus enchendo estas pessoas com embriaguez e as atirará umas contra as outras. Note que, se Deus decretou que estas pessoas seriam destruídas (fim), Ele também decretou os meios que levarão estas pessoas a se destruírem. Como estas pessoas seriam destruídas? De qualquer jeito? De qualquer forma? Não. Elas seriam embriagadas e por causa disso seriam destruídas atirando-os uns contra os outros. Deus não somente decreta os resultados, mas também os meios que levarão aos resultados!

Para aqueles que acham que Deus não envia o mal, mas somente o bem, temos um texto de Lamentações 3.38:

Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?

Deus é a causa original de todas as coisas. Deus causa a vontade, os pensamentos e as ações dos homens. Se todas as ações são determinadas por Deus, concluímos que as ações más fazem parte da determinação divina, e não somente o bem.

Partindo para o Novo Testamento, encontramos mais textos bíblicos que direta ou indiretamente nos indica um controle divino sobre as ações dos homens. Veja Mateus 26.53-56:

Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder? Naquele momento, disse Jesus às multidões: Saístes com espadas e porretes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no templo, eu me assentava {convosco} ensinando, e não me prendestes. Tudo isto, porém, aconteceu para que se cumprissem as Escrituras dos profetas. Então, os discípulos todos, deixando-o, fugiram.

Note que Cristo foi direto. Ele até que poderia rogar ao Pai para que Ele (Jesus) se livrasse da situação. Mas, como se cumpririam as Escrituras? Veja que Cristo diz segundo as quais devem suceder. Temos mais um detalhe aqui. Cristo revela que houve várias oportunidades para ser preso: “Todos os dias, no templo, eu me assentava {convosco} ensinando, e não me prendestes”. Mas somente naquela noite é que Jesus foi traído e entregue. Por quê? A resposta está na determinação de Deus. Não estava determinado Jesus ser entregue à luz do dia, no templo quando estava ensinando, e sim, durante aquela noite, naquelas circunstâncias.

O que encontramos no texto de Mateus é que todos os detalhes que precedem o evento e tornam-no possível e real devem ser inclusos, pois de outra forma o evento não aconteceria. Isso fica claro quando Jesus revela que aquela noite era a noite da traição e da prisão. Não poderia ser em outro horário, em outra ocasião, em outro lugar. Portanto, se Jesus não havia sido preso antes, era porque não estava determinado se preso antes! Isso envolve naturalmente as ações dos oficiais, que não prenderam Jesus em outra ocasião. Poderia ser diferente?

Em Lucas 22.22 lemos:

Porque o Filho do Homem, na verdade, vai segundo o que está determinado, mas ai daquele por intermédio de quem ele está sendo traído!

Jesus revela que os próximos acontecimentos estavam determinados. Seria naquela noite que Judas entregaria a Jesus. Todo o desenrolar dos fatos daquela noite estava determinado por Deus. Nada poderia ser diferente. No livro de João 13.21-30 nos é informado que o traidor havia sido indicado. Como os meios deveriam acontecer de tal maneira para o fim ser cumprido, Jesus diz a Judas: “O que pretendes fazer, faze-o depressa”. Ora, note como Deus possui o controla das ações dos homens. Jesus diz que o que estava para acontecer já estava determinado. Em seguida, diz a Judas para fazer depressa o que desejava fazer. Era exatamente desta forma que Jesus seria entregue, para isso lemos no verso 30: “Ele [Judas], tendo recebido o bocado, saiu logo. E era noite”. Deus teve o controle dos desejos e pensamentos de Judas de tal forma que Judas fez exatamente o que estava determinado fazer. Não poderia ser diferente.

Agora passemos para outro texto, Atos 2.23:

... sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos.

As palavras em destaque indicam um planejamento deliberado. Assim como o evento (a morte de Cristo) foi determinado, assim também todo o evento é preordenado, pois Deus é onisciente. Todas as coisas são parte do seu plano. Tudo o que temos visto até aqui nos mostra que não é apenas o evento que é determinado, mas todo o desenrolar que antecede ao evento. É Deus determinando tanto o meio como o fim.

Passemos para o texto de Atos 4.27,28:

... porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram.

Não há nada de novo para ser falado aqui. Porém, é interessante a quantidade de detalhes que o texto nos informa como tendo sido predeterminado. Veja que Herodes, Pilatos, os gentios e o povo de Israel estão incluídos nas palavras “tudo o que”. Ou seja, a determinação de Deus de crucificar a Jesus incluía Herodes, Pilatos, os gentios e os israelitas. Jesus não poderia ser crucificado por outras pessoas. O texto nos informa que essa gente fazia parte do plano de Deus. Não poderia ser de outra forma. Herodes e Pilatos estavam individualmente inclusos no plano eterno; e porque eles estavam assim preordenados, os mesmos se ajuntaram para fazer o que Deus tinha decidido de antemão. A idéia de que um homem pode decidir o que ele fará, assim como Pilatos decidiu o que faria com Jesus, sem essa decisão ser eternamente controlada e determinada por Deus, não faz sentido com o ensino de toda a Bíblia.

Há ainda um outro texto que nos fala claramente que as nossas ações e desejos são resultados do controle divino, Filipenses 2.13:

... porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.

Podemos muito bem dizer que este texto é a teoria. Os demais textos citados são a prática. Se eu quero alguma coisa, então eu quero porque Deus efetuou este querer em mim, não importa se este querer é um querer bom ou mau. Já vimos vários textos de Deus efetuando nos homens um querer mau para a realização de algum propósito, muitas vezes obscuro para nós.

O mesmo podemos dizer do nosso realizar. Eu realizo algo porque Deus efetuou em mim a maneira que Ele quer que eu realize algo. Eu não posso realizar alguma coisa de qualquer jeito. Até a maneira que eu devo realizar alguma coisa é determinada por Deus. Deus determinou que eu devo “desenvolver a minha salvação com temor e tremor” (v. 12). Logo, é o próprio Deus quem me orienta para que eu faça aquilo que Ele quer que eu faça.

Nada do que foi falado aqui é pura filosofia humana. Mas tudo o que foi falado foi falado com base em textos citados da Bíblia. Vimos nas Escrituras Deus não apenas determinando o clímax do evento, mas todo o evento antecedente também faz parte da determinação divina.

Portanto, o determinismo parece-me mais bíblico do que o compatibilismo.

_____________________________
Este artigo é baseado no artigo “Deus Determina as Ações Humanas”, de Gordon H. Clark. Veja este artigo em www.monergismo.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário