Por Isaltino Gomes Coelho Filho
“A teologia é coisa demasiadamente importante para deixá-la nas mãos
dos teólogos profissionais” (Ward Gasque). Ela é patrimônio de todos os
crentes e não apenas da academia teológica. A academia se apossou da
teologia e a sofisticou e complexizou. A doutrina do Espírito Santo se
tornou Pneumatologia. Mas a teologia é pecúlio de toda a igreja e não
pode ser elitizada e transformada em discurso incompreensível e alheio
às necessidades da igreja. Não é para diletância de um grupo.
A igreja tende a se afastar das Escrituras e traçar seus caminhos.
Ela copia o mundo. Por exemplo, a vida administrativa e prática da
igreja têm sido analisadas pelo ângulo gerencial, mais que pelos
carismas neotestamentários. Igualmente, a teologia tem sido pautada por
pensadores seculares mais que pelas Escrituras. Lembro-me de uma frase
de Kierkegaard: “A teologia, cheia de ademanes, chega à janela e,
mendigando os beneplácitos da filosofia, oferta-lhe os seus encantos”1.
Ele criticou a subordinação da Teologia à Filosofia. No seu estilo de
combate do hegelianismo em particular e à Filosofia em geral, diz:
“Entender Hegel deve ser muito difícil, mas entender Abraão, que
facilidade!”2.
Muita gente vive na mesma situação combatida pelo pensador dinamarquês:
gosta do complexo e do difícil. A simplicidade das Escrituras não as
atrai, pois são banais. A leitura da Bíblia passou a ser feita pela
cultura secular. Em muitos segmentos ela não interpreta o mundo, mas é
interpretada por ele. A cosmovisão deixa de ser bíblica e se torna
mundana. A Bíblia não é pregada e quando o é, sua análise é superficial.
Há autênticos discursos seculares com tintura bíblica. Os apóstolos se
assustariam se entrassem em algumas igrejas evangélicas de hoje, onde o
Novo Testamento é premeditadamente ignorado, Jesus não é pregado e a
cruz sequer mencionada. Menos ainda a ressurreição.
Exatamente pela dificuldade da Igreja em se pautar pelas Escrituras
(a não ser por partes dela que lhe sejam convenientes) muito de nossa
pedagogia é secular. O ministério pastoral em particular e o ministério
cristão em geral são formatados secularmente. Nossa formação de obreiros
alega ter conteúdo religioso, mas sua forma é secular. Prova disso é a
visão do MEC em seu desejo de que a educação teológica dos seminários
por ele reconhecidos tivesse a “exclusão da transcendência”3.
Algo semelhante a um curso de Medicina com “exclusão do corpo humano”.
Felizmente a ABIBET se posicionou contra esta incongruência. Mas a
secularização ronda a educação teológica. Não apenas pelo MEC, mas por
causa do nosso estilo secularizante de vida.
Ressabia-me que nosso ensino teológico seja formatado por correntes
pedagógicas seculares. Quero propor a pedagogia de Paulo. Está em
2Timóteo 2.2: “E o que de minha parte ouviste através de muitas
testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para
instruir a outros”.
A pedagogia paulina começa com o conteúdo da fé cristã, não com
teorização secularizante sobre os fatos da fé. “O que de minha parte
ouvistes”. O que Timóteo ouviu de Paulo? Por certo que não banalidades
ou generalidades. Nem pinceladas da cultura secular. Este é o homem que
Stott disse ser “intoxicado de Cristo”. Cristo era a sua obsessão (1Co
2.2). A educação teológica falhará se não formar pessoas cheias de
Cristo, empolgadas com ele, mais entusiasmadas pelo seu evangelho que
por outros aspectos. Um obreiro costumava citar determinado pensador
duas ou três vezes em cada sermão. Certo dia, nos cumprimentos
pós-culto, um membro da igreja se queixou disso e o pastor lhe disse:
“Irmão, sou apaixonado por Fulano (o pensador)”. O irmão lhe disse:
“Pastor, seja apaixonado por Jesus Cristo!”. É triste quando o rebanho
tem que mostrar ao pastor, formado em um seminário, qual deve ser o tema
de sua pregação. A educação teológica precisa formar pessoas
cristificadas (dando outro sentido ao termo de Chardin).
A pedagogia paulina é pessoal e relacional, não livresca: “O que de
mim ouviste”. Ninguém poderá me acusar de ser antilivro, mas o foco é na
pessoalidade do ensino. Homens intoxicados de Cristo intoxicam outros
de Cristo. O conteúdo de muitos púlpitos revela uma impressionante
ausência de Cristo. Um mestre teológico deve saber lidar com pessoas e
deve ter o que dizer. Deve passar uma fé verdadeira e autêntica. Homens
de fé tíbia e dúbia não devem ocupar cadeiras em seminários.
A pedagogia de Paulo requer que o aluno tenha caráter: “transmite a homens fiéis e também idôneos”. “Fiéis” é pistós,
a pessoa que mantém a fé com que se comprometeu, alguém digno de
confiança. É preciso terminar com a ideia de que a educação ministerial é
para sacudir as pessoas. Ela é para fortalecer para o testemunho. Ela
produz fortalecimento da fé. Estudos teológicos que enfermam foram
ministrados por homens enfermos. A teologia não afasta de Deus, mas
aproxima. O verdadeiro teólogo não semeia dúvidas, mas aprofunda
convicções. Teólogo não apenas fala de Deus como Ele, mas principalmente
como Tu. “Tenha em mente que a primeira vez que alguém falou de Deus na
terceira pessoa (falou sobre Deus, e não mais com Deus), foi no momento
em que soou a famosa pergunta: ‘É assim que Deus disse…? (Gn 3.11).
Este fato deveria fazer-nos pensar”4. Teologia não pode deixar de ser vida.
“Idôneos” é hiskanos, “suficiente”, “suficiente em
habilidade”. A pedagogia paulina visava instrumentalizar o obreiro para o
trabalho. Há obreiros que sequer sabem dirigir um culto! Fui convidado
para pregar em um culto evangelístico e após a mensagem deu-se a palavra
a um “grupo de louvor” que trouxe três mensagens agitadas, de letra
pouco compreensível, quebrando todo o ambiente estabelecido, e depois se
fez um apelo para as pessoas aceitarem a Cristo. Como? Há pregadores
que sequer sabem se expressar em seu idioma!
A pedagogia paulina busca capacitar o homem fiel para exercer seu ministério com competência. Não basta boa vontade.
“Para instruir a outros”. A pedagogia de Paulo pensa em reprodução,
em formação sequencial de outros obreiros. O ministro não é o “faz
tudo”, mas o treinador de outros. Ele alimenta outros, capacita outros, e
assim faz seu trabalho render mais. A igreja é também um pecúlio de
todos e não dos ministros. Os ministros treinam outros. A pedagogia
paulina é para formar obreiros que se reproduzem em obreiros. A educação
teológica não é para formar críticos do sistema, mas obreiros que
formem obreiros, numa constante preparação de gente para o serviço.
Intriga que com tantos seminários e tanta ênfase na educação teológica,
haja muitas igrejas e congregações sem pastores. Muitos se aglomeram nos
grandes centros urbanos, esperando um pastorado ficar vago. Poucos
querem ir para o campo. No Amapá há várias congregações sem pastores,
mas em grandes cidades e nos estados com mais conforto, sobram obreiros.
Falta cristificação e faltam homens intoxicados de Cristo, que devem
ser metas da educação teológica.
Parece irreal? É demais para um versículo só? Se for pela quantidade
de versículos, é mais que os modelos que tenho visto, sem versículo
algum. Mas a questão não é a quantidade de versículos nem o biblicismo. É
o fato de que era assim que Paulo treinava obreiros. Algumas diretrizes
são imprescritíveis: o conteúdo (a fé histórica, a tradição cristã
enraizada no Novo Testamento), a pessoalidade (não livresca nem na base
de monografias e pesquisas, mas do ensino pessoal e transmissão de
experiência – o que o MEC não consegue habilitar), e capacitando para o
testemunho, não para o diletantismo.
Receio que a educação teológica esteja se sofisticando, tornando-se
hermética, afastando-se das igrejas (que por isso se afastam dos
seminários), mais centrada em treinar pessoas para repartir o conteúdo
da fé cristã. Se a educação teológica for ministrada para produzir os
mesmos resultados da secular, perdeu a razão de ser. Os seminários não
devem estranhar se as igrejas os abandonarem e se ele se tornarem
desinteressantes para os vocacionados. Necessitamos recuperar a visão
paulina. Ele foi um grande missionário, grande treinador de obreiros e
um grande teólogo. Não foi um falastrão teológico. Ele é o modelo do
pedagogo teológico. Seu método merece ser pensado.
Notas
3 Conforme consta do “Livro do mensageiro” da 91ª. Assembleia da Convenção Batista Brasileira, p. 231.
4 THIELICKE, Helmuth. Recomendações aos jovens teólogos e pastores. S. Paulo: Sepal, 1990, p. 59.
Fonte: Isaltino Gomes Coelho Filho
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