Por Maurício Zágari
Nossos
dias são vinhetas da MTV: alucinados, corridos, confusos, barulhentos,
nonsense. TV, internet, games, apps… a lista não acaba. Impossível não
querer que isso nos afete. Afeta. E, quando vemos, fomos sequestrados
pelo turbilhão da vida pós-moderna. Fomos cooptados. Sugados. É quase
uma lobotomia consciente. Mas, de repente, por meios que você jamais
imaginaria, Deus põe o dedo sobre os lábios e diz: “Shhhhhhh, acalma-te e
cala”. Quando vem esse tranco, cessa o acelerar do coração,
estanca-se a produção de adrenalina e, motivados pelas mais diversas
razões, paramos. Chega. Hora de respirar. Retroceder. Voltar para a
retaguarda. Se esconder da humanidade. Correr para longe da multidão de
vozes e buscar o isolamento, deixando Deus refazer tudo. E, em meio a
todo o ruído ensurdecedor do silêncio que se apresentou a mim quando
vivi isso descobri algo encantador: a simplicidade.
De início é pura dor. Dói e dói muito. Mas, acredite, com o tempo
você descobre que é um privilégio. Mesmo que seja pelas razões mais
dolorosas: se você consegue viver o século 18 em pleno século 21,
desfrute. Quem passa por isso experimenta uma época única e inédita na
vida. Um período de introspecção, reflexão, oração; época de repensar,
refazer, mudar, reconstruir. De buscar o silêncio e fugir do barulho. Em
certos momentos, farfalhar de páginas e a voz dos meus pensamentos
muitas vezes é o máximo a que me permito ou me foi permitido.
Simplicidade.
Em nossos dias, algo raro de se conseguir e muito desvalorizado. Uns
são empurrados a viver a simplicidade pelas circunstâncias. Outros, por
perdas. Outros, ainda, pela depressão. Ou a descoberta de uma doença
terminal. Há os que busquem a vida monástica. Ou a reclusão urbana. Seja
qual for a razão ou o meio, conseguir trancar-se ou ser trancado numa
bolha em meio ao corre-corre da existência nos leva a um lugar
psicológico e espiritual que é puro silêncio.
Simplicidade traz paz. É comida sem requinte, bate-papos triviais,
vento nos cabelos, rir de piada sem graça, a incerteza dos planos do
Alto para nós e a certeza de que a vida é muito mais do que nos fizeram
crer. É viver com pouco dinheiro, descobrir que um punhado de amigos que
se preocupam vale mais do que multidões de amigos da boca pra fora, que
Dorothy estava certa ao bater seus calcanhares. E, quando a
simplicidade te alcança, ali você descobre Deus como nunca antes.
Deus é o ser mais complexo do mundo. Impossível compreendê-lo,
desista. Como explicar alguém que não teve começo nem terá fim, que é um
e três, que é amor e fogo consumidor, que vira homem sem deixar de ser
glória? Não dá. Eu não consigo. Os que tentam acabam criando ídolos.
Não, não consigo. Mas tentei, por muito tempo tentei. Busquei nos
livros. Busquei nas conferências. Busquei até os neurônios fritarem. E,
sem querer, foi na simplicidade involuntária que percebi que o ser mais
complexo do mundo é também o mais simples. 100% complexidade, 100%
simplicidade.
A
simplicidade de Deus está em muitas coisas. Está, por exemplo, em
podermos chamá-lo de Pai. Há coisa mais simples do que deitar no colo de
um pai e simplesmente desfrutar do afago nos cabelos? Consequentemente,
também está na simplicidade do amor paterno. Saímos do chiqueiro,
voltamos cabisbaixos para casa e lhe dizemos com o coração sincero que
só queremos ser servos, absolutamente certos de que carregaremos para
sempre a lama grudada em nossa alma. E Ele balança a cabeça ante nossa
puerilidade e diz com carinho que não entendemos nada: o anel será posto
em nosso dedo e o banquete estará na mesa. É tão só isso que você fica
paralisado, sem entender ou se ver digno de um amor tão simples, só
deixando os lábios tremerem em silêncio enquanto as lágrimas descem por
seu rosto. E você, perdoado, aprende a perdoar. Hoje entendo por que
minha filha me beija e agarra meu pescoço após sair de um merecido
castigo. Pois o amor de Deus é simples como o amor de uma criança. Quem
complica somos nós, adultos bobos.
A simplicidade de Deus torna-se visível quando Ele não se apresenta
como uma quimera de vinte tentáculos, dez olhos e fúria titânica, mas
como o mais singelo dos animais: o manso Cordeiro. De balido baixo.
Calmo. Pacífico. Não, não encontro mais Deus nos berros e barulhos, nos
shows e nos gritos de êxtase. Tenho me encontrado com Ele nos momentos
de penumbra, nos entardeceres na beira da praia, nas manhãs de chuva em
que - achamos – que não temos o que fazer, que o dia está monótono. Mas
monotonia é simplicidade pedindo para ser explorada, é o Rei chamando
para conversar. Pois Ele está conosco todos os dias, até a consumação do
século, sejam dias de céu azul ou cinzentos. E saber isso basta. É
simples. Não é complicado. Ele é e Ele está. Feliz é quem descobre isso a
tempo.
É no silêncio da oração sussurrada, na felicidade da lágrima de
agonia, na alegria dos joelhos que doem contra o chão duro, na paz da
vida destruída… que você olha Deus nos olhos. Jó olhou e viu. Pois nada
mais ele tinha. Em meio a sua desgraça, só restou a Jó o monturo e o
caco de telha. Sua vida, embora devastada, tornou-se simples. E, em meio
à simplicidade, Jó vislumbrou a essência do Redentor e disse a Ele
aquilo que todo cristão deveria dizer:
“Na verdade, falei do que não entendia;
coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia.
Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me
ensinarás. Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem.
Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza.” (Jó 42.3-6)
Por muito tempo busquei Deus na complexidade e hoje vejo o quanto
isso me afastou dele. Não desejo mais um Deus complexo, frio e distante.
Agora que descobri a simplicidade do carpinteiro de Nazaré quero
vivê-la em sua plenitude, pois foi nela que meus olhos o viram. Não
quero perder nunca mais esse reflexo em minhas retinas. E que eu morra
depois de viver uma vida da qual o meu Salvador possa se orgulhar -
amando a ele e ao próximo, sem devolver mal com mal, depositando meu
tesouro no lugar certo e tratando das feridas de quem estiver caído à
beira do caminho. É hora de viver essa simplicidade, para que a hora de
morrer faça sentido. Simples assim.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
Maurício
Fonte: Apenas
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