sexta-feira, 22 de julho de 2011

Nossa Recompensa


Por C. S. Lewis

Se você perguntasse a vinte homens íntegros dos nossos dias qual acreditam ser a maior das virtudes, dezenove responderiam: "abnegação". Mas se perguntasse a qualquer um dos grandes cristãos do passado, diria: "amor". Você percebe o que aconteceu? O termo positivo foi substituído por um negativo, e a importância desse fato transcende o campo da filologia. O ideal negativo de abnegação traz consigo, basicamente, a noção não de procurar o benefício dos outros, mas de prescindirmos nós desse benefício, como se o importante fosse não a felicidade alheia, mas a nossa abstenção. Não me parece ser essa a virtude cristã do amor. O Novo Testamento tem muito a declarar sobre renúncia, mas não da renúncia como um fim em si. Ele diz-nos que devemos negar a nós mesmos e tomar a nossa cruz para poder seguir a Cristo. E quase todas as descrições da recompensa que se seguirá a essa renúncia contêm um apelo ao desejo natural de felicidade. Se hoje a noção de que é errado desejar a nossa felicidade e esperar ansiosamente gozá-la esconde-se na maioria das mentes, afirmo que ela surgiu em Kant ou nos estóicos, mas não na fé cristã. Na realidade, se considerarmos as promessas pouco modestas de galardão e a espantosa natureza das recompensas prometidas nos evangelhos, diríamos que nosso Senhor considera nossos desejos não demasiadamente grandes, mas demasiadamente pequenos. Somos criaturas divididas, correndo atrás de álcool, sexo e ambições, desprezando a alegria infinita que se nos oferece, como uma criança ignorante que prefere continuar fazendo seus bolinhos de areia numa favela, porque não consegue imaginar o que significa um convite para passar as férias na praia. Contentamo-nos com muito pouco.

Não precisamos incomodar-nos com os incrédulos, quando dizem que essa promessa de recompensa transforma a vida cristã num empreendimento mercenário. Há vários tipos de recompensa. Existe uma recompensa que não se relaciona com os esforços que você faz para alcançá-la e é inteiramente alheia aos desejos que devem acompanhar esses esforços. O dinheiro não é a recompensa do amor; por isso chamamos de mercenário o homem que casa por interesse. Mas o casamento é a recompensa lógica da pessoa que ama, e essa pessoa não é mercenária por desejá-lo. O general que se distingue em combate na esperança de ganhar um título de nobreza é mercenário; o que se bate pela vitória não o é, visto que a vitória está para a batalha como o casamento para o amor. As verdadeiras recompensas não se adicionam simplesmente à atividade que premiam, são a própria atividade em consumação. Existe ainda um terceiro caso ainda mais complicado. O prazer da poesia grega é, sem dúvida, uma recompensa natural, não mercenária, do estudo daquela língua; contudo, só os que atingiram o estágio de apreciar a poesia grega poderão, por experiência própria, afirmá-lo. O menino que começa a estudar gramática grega não pode ansiar pelo deleite, na idade adulta, de Sófocles, da mesma maneira que o namorado anseia pelo casamento ou o general, pela vitória. Deve começar a estudar em virtude das notas, ou para escapar do castigo, agradar aos pais, ou, quando muito, esperando uma vantagem futura que, no momento, é-lhe impossível imaginar ou mesmo desejar. Portanto, sua posição assemelha-se um pouco à do mercenário: a recompensa será, na realidade, uma recompensa natural e devida; mas não saberá disso até obtê-la. Obviamente, adquire-a aos poucos: o prazer insinua-se, misturando-se ao esforço, e ninguém conseguiria determinar o dia ou a hora em que este cessou e aquele começou. Mas é quando o estudante vai-se aproximando de sua recompensa que aprende a desejá-la pelo que ela representa: com efeito, a faculdade de a desejar é já em si uma recompensa preliminar.

A posição do cristão em relação ao céu é muito semelhante. Os que alcançaram a vida eterna e estão na presença de Deus sabem, sem dúvida, que não foram subornados, mas que se deu a consumação da sua aprendizagem terrena; nós, no entanto, que ainda não o atingimos, não podemos conhecê-lo da mesma forma, nem sequer começar a conhecê-lo, a não ser que continuemos na obediência e encontremos a primeira recompensa de nossa obediência no próprio desejo crescente de atingir a recompensa mais alta. E, à medida que o nosso desejo se intensifica, vai desaparecendo o receio de que ele seja puramente mercenário, até reconhecermos que isso é absurdo. Mas é possível que, para a maioria de nós, isso não aconteça de um dia para outro: a poesia toma o lugar da gramática, o evangelho substitui a lei, o desejo transforma a obediência, de forma tão gradual quanto a maré levanta o barco encalhado na areia.

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