quarta-feira, 27 de julho de 2011

No Calabouço do Auto-engano


Auto-engano (Religiosidade externa ou Graça barata)

Por Josemar Bessa

No último artigo que publiquei ( Os puritanos e a certeza inabalável do Espírito) – o que foi enfatizado foi a certeza da salvação – mas certeza essa como Fruto do Espírito. Olhemos agora o problema oposto e tão comum em nossos dias degenerados: O Auto-engano.

Simplesmente ter certeza não é um sinal seguro da regeneração. Simplesmente afirmar que está indo para o céu não é garantia de chegar lá. Estar convicto de ser parte do Reino de Deus não basta. Os Fariseus não tinham nenhuma dúvida de que faziam parte do Reino de Deus. Jesus diz a eles claramente que eles estavam completamente enganados: Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando.(Mt. 23.13) – Não é difícil estarmos iludidos. Nossa experiência própria nos diz que Jeremias está certo ao dizer: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?’ (Jr. 17.9) – A Bíblia deixa claro que nosso ego está mais preocupado em agradar a nós mesmos do que em nos condenar, nos deixar desconfortáveis e nos humilhar – por isso facilmente nos tornamos autoconfiantes e cegos para nossa situação.

Que tipo de pessoas são mais vulneráveis a falsa certeza? – Primeiro, como não podia deixar de ser, é a pessoa que se apega simplesmente a um tipo de religiosidade exterior . Creêm que ser bons (pois acreditam que alguém pode ser bom em si mesmo) os levará aos céus. Não sendo regenerados, todas as suas boas obras e religiosidade fluem do eu e não do fluir do Espírito no coração regenerado.

Homens que foram genuinamente transformados ficam desesperados com seus pecados e pecaminosidade. Freqüentemente perguntam a si mesmos como é possível que sejam salvos. É uma característica dos santos na história se considerarem pecadores terríveis, mesmo vivendo uma vida comprometida com a Palavra que santifica. O que disse Paulo? “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”. (1Tm 1.15). Podemos ver claramente isso na vida de Jonathan Edwards – ele diz de si mesmo:

“Muitas vezes me pareceu que, se Deus permitisse que a iniqüidade ficasse marcada em mim, eu pareceria ser o pior dos seres humanos, de todos os que existiram desde o começo do mundo até hoje; e que eu teria de longe o lugar mais baixo no inferno. Minha malignidade, como eu sou por mim mesmo, há muito tempo me parece totalmente indescritível, consumindo todo pensamento e imaginação, como um dilúvio infinito ou uma montanha sobre minha cabeça. Não sei como expressar melhor o que meus pecados significavam para mim do que acumulando infinitos sobre infinitos e multiplicando infinitos por infinitos”.

Os que se auto-enganam não compreendem de fato a condição dos pecadores. Eles comparam suas vidas com a mioria dos homens, mas essa comparação é completamente inútil. A questão central é a vida humana diante da Santidade do Deus Altíssimo. Por essa visão equivocada eles não questionam seus conceitos espirituais. Não percebem a tendência humana de ter sua percepção ofuscada pelo interesse próprio. Cristãos verdadeiros reconhecem isso de maneira muito sensível. Os maiores santos vêem e choram pela duplicidade de seus corações.

Pessoas assim estão completamente vulneráveis, já que o diabo não ataca a certeza de alguém que não foi regenerado. E por que ele não ataca? Já que esta certeza é um impedimento da pessoa entrar no Reino, porque o diabo a atacaria? Os santos muitas vezes sentem esse ataque – como Jesus no deserto – “Se és Filho de Deus...”. Apocalipse 12.10 afirma que Satanás acuasa os filhos de Deus dia e noite.

Lutero dizia sentir esse ataque de Satanás sempre no sentido de ele não ter feito boas obras o suficiente... Ele resistia isso com uma proclamação poderosa de fé no Sola Scriptura:

“Quando acordei na noite passada, veio o diabo e queria discutir comigo. Ele me repreendeu e condenou, dizendo que eu era pecador. A isso eu respondi: "Diga-me algo novo, diabo! Isso aí eu já sei muito bem; cometi muitos pecados reais e concretos. Na verdade, é preciso haver pecados bons e honestos —não fabricados e inventados— para Deus perdoar por amor de seu Filho querido, que tomou todos os meus pecados sobre si, de modo que agora os pecados que eu cometi não são mais meus, mas pertencem a Cristo".

A outra razão do auto-engano, por estranho que pareça, é oposta a primeira. É a pessoa que simplesmente não entendeu a promessa de graça que o evangelho traz. Pensam que a graça é uma permissão para pecar, para ser mundano – será que em nossos dias o mundanismo ainda é pecado? – Com certeza a grande maioria nem saberia mais dizer o que é mundanismo.

O raciocínio de pessoas assim é de que se Cristo operou o perdão com sua morte, eles não precisam mais se preocupar com o pecado em suas vidas. Para essas pessoas Bonhoeffer coloca o dedo exatamente sobre a ferida dizendo que essas pessoas tornaram a GRAÇA CUSTOSA de Deus em GRAÇA BARATA. Talvez esse seja o problema mais grave em nossos dias – Como Benhoeffer coloca isso de maneira tão clara:

“Graça barata é a pregação do perdão sem requerer arrependimento, é batismo sem disciplina, Ceia sem profissão de fé, absolvição sem confissão pessoal. Graça barata é graça sem discipulado, graça sem cruz, graça sem Jesus Cristo vivo e encarnado.

Graça custosa é o tesouro escondido no campo; para tê-lo o homem alegremente vai e vende tudo o que tem. E a pérola de grande valor, pela qual o comerciante vende todos os seus bens. É a regra áurea de Cristo, pela qual o homem arranca o olho que o faz tropeçar; é o chamado de Jesus Cristo, em vista do qual o discípulo deixa suas redes e o segue.

Graça custosa é o evangelho que precisa ser buscado sempre, o presente que precisa ser pedido, a porta à qual o homem tem de bater. Essa graça é custosa porque nos convoca para seguir, e é graça, porque nos chama para seguirmos Jesus Cristo. Ela é custosa porque custa ao homem a sua vida, e é graça porque dá ao homem a única vida verda-deira. Ela é custosa porque condena o pecado, e graça porque justifica o pecador. Acima de tudo, ela é custosa porque custou a Deus a vida de seu Filho: "Fostes comprados por preço", e o que custou muito para Deus não pode ser barato para nós. Sobretudo, ela é graça porque Deus não considerou seu Filho um preço alto demais para pagar por nossa vida, mas o entregou em nosso favor. Graça custosa é a Encar-nação de Deus...

Lutero disse que só a graça pode salvar; seus seguidores retomaram essa doutrina e a repetiram ao pé da letra. Só que deixaram fora seu corolário inescapável, a obrigação do discipulado. Lutero não teve necessidade de mencionar esse corolário explicitamente, porque sempre falava como alguém que tinha sido levado pela graça a seguir estritamente a Cristo. Julgando pelo padrão da doutrina de Lutero, a dos seus seguidores é inquestionável; mesmo assim a ortodoxia deles trouxe o fim e a destruição da Reforma como revelação na terra da graça custosa de Deus. A justificação do pecador no mundo degenerou para a justificação do pecado e do mundo. A graça custosa foi transfor-mada na graça barata sem discipulado.''

Hoje muitos estão completamente convencidos de que se Cristo morreu na cruz – eles já tem um lugarzinho no céu, e que não há necessidade de viver o discipulado. Essas pessoas jamais compreemderam a mensagem da cruz que diz para o homem vir e morrer. Nunca se arrependeram, nem nasceram de novo para uma nova vida. Mas dizem (apesar de amarem o mundo) serem filhos da luz. Paulo diz “eu só me glorio na cruz – na qual eu estou crucificado para o mundo e o mundo está crucificado para mim”. – Só quem pode dizer isto não está no calabouço do auto-engano.

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