Luiz Sayão
Nos anos em que fazia pós-graduação na área de hebraico da Universidade de São Paulo, tive de estudar um pouco do pensamento judaico contemporâneo. Entre os diversos movimentos do judaísmo, chamou-me a atenção a proposta de aproximação entre o pensamento teísta e panteísta. Esta tendência filosófico-teológica é conhecida como panenteísmo. O panenteísmo afirma que o universo é Deus, mas Deus é mais do que o universo. Além disso, ressalta a importância do fluxo do tempo. Entre os defensores de tal sugestão estão o famoso rabino Harold Kushner (autor de Quando coisas ruins acontecem com as pessoas boas) e o pensador Abraham Heschel. Na ocasião, fiquei surpreso, pois até então desconhecia a influência do panteísmo no pensamento judaico. Eu imaginava que o legado de Baruch Spinoza influenciava os judeus secularizados, mas para a minha surpresa, isso não se confirmou.
O fato é que há uma tendência teológica preocupante e problemática que tem influenciado diversos meios teológicos judeus e cristãos. Este novo enfoque surgiu nos Estados Unidos e já influencia outros países. A raiz da nova tendência está no que é chamado de teologia do processo. O movimento começou a ter força nos Estados Unidos nos anos 30. Seus principais representantes são Charles Hartshorne, Alfred Whitehead e John Cobb. Em resumo podemos dizer que é “o elogio do movimento”.
Os teólogos da teologia do processo enfatizaram que a realidade é um fluxo permanente, e que o próprio Deus está inserido neste fluxo. Deus está dentro da história e do tempo e não acima dele. Como se vê, acabaram adotando uma perspectiva panenteísta (Deus se confunde com a natureza, ainda que seja maior do que ela), afastando-se da teologia cristã histórica. Portanto, a idéia sugerida é que Deus é um ser mutável e que está numa espécie de processo evolutivo. Na busca de uma refutação de uma metafísica estática, a teologia do processo define como categoria absoluta o fluxo do tempo. Deus está subordinado a ele, e deixa de ser o Deus, no sentido bíblico do termo, onisciente e onipotente.
Mais tarde, filho da teologia do processo, surge o movimento norte-americano do teísmo aberto. Foi um reflexo da teologia do processo no meio protestante americano. Começou no meio adventista com Richard Rice, e tem como principais defensores teólogos estadunidenses como John Sanders e Clark Pinnock, que foram muito questionados e quase excluídos da abrangente e tolerante Evangelical Theological Society.
Do ponto de vista da história da teologia, o teísmo aberto representa uma reação exagerada contra o calvinismo. A idéia básica dos novos teólogos americanos é que Deus decidiu abrir mão de sua soberania e da sua onisciência e resolveu não saber e controlar o futuro. Num processo de auto-limitação, Deus passa a ter seus atributos inoperantes. Em resumo, Deus “abriu mão de ser Deus”. Na verdade, eles rejeitam a teologia histórica evangélica e ignoram centenas de textos bíblicos que afirmam atributos essenciais de Deus. Basta citar alguns poucos textos da literatura poética bíblica:
Conheces as nossas iniqüidades; não escapam os nossos pecados secretos à luz da tua presença. (Sl 92.8)
Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor. (Sl 139.4)
Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua presença? (Sl 139.7)
Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado. (Jó 42.2)
Por incrível que pareça, o intuito original da teologia do processo e do teísmo aberto era positivo. A idéia inicial era apologética! O intuito era resolver o problema do mal. Como Deus pode ser considerado bom diante de tanta maldade do mundo? O interesse desses teólogos era “livrar” Deus de ser responsabilizado pelo sofrimento que há no mundo. No entanto, o resultado foi catastrófico e trouxe mais problemas do que soluções. A solução simples foi: “Deus precisa deixar de ser Deus, tornando-se menos onipotente e onisciente para que não seja responsabilizado pelo sofrimento do mundo”. Essa teologia “prática” e “simples” (tipicamente americana), e superficial, é na verdade uma teologia radical, polarizada, que ignora a dialética hebraica bíblica e que desconhece a realidade do mistério.
Como gosto de dizer: Precisamos evitar “a teologia do saci-pererê” (a teologia de uma “perna só”, de uma tendência só, radical). É preciso fugir dos radicalismos: Alguns cristãos dizem que Deus é só razão, outros afirmam que ele é só emoção. Algumas linhas teológicas insistem que Deus faz tudo, anulando a ação do ser humano, outras afirmam que Deus não pode fazer nada sem nossa autorização (nós é que decidimos … e ainda chamam Deus de Senhor!!!). Alguns teólogos preferem um Deus mais coletivo, sociológico; outros afirmam que ele é o Deus essencialmente individual. Há quem veja Deus como inserido na realidade concreta do mundo; outros o colocam no “milésimo céu”, em sua espiritualidade e distância absolutas. A verdade é que toda teologia radical terá sérios problemas e graves conseqüências. Devemos entender que “duas paralelas só se encontram no infinito”, que toda moeda “tem duas faces” e que a realidade é mais dialética ou “poli-alética”. Na Bíblia, há tensões com as quais precisamos conviver. Se cairmos para um extremo, logo adotaremos uma heresia. Uma teologia equilibrada trará muitos benefícios para todos. Além disso, é preciso ressaltar que o teísmo aberto parece estar procurando “aposentar a Deus”. Além de isso ser impossível, pois Deus não deixará de ser o Deus onisciente e onipotente, é preciso dizer que em pouco tempo o teísmo aberto é que estará “aposentado”.
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