Eu sei que isso pode ser um pouco demorado para muitos, mas gostaria de pedir que, hoje, vocês meditem comigo sobre a disciplina na igreja. Isso mesmo, disciplina na igreja. O fato de que sua resposta, imediata e instintiva, provavelmente é um pouco (ou consideravelmente) negativa reflete quão longe estamos do espírito do Novo Testamento. Como veremos, um compromisso com a disciplina na igreja local indica não apenas seu amor pela santidade, como também por aqueles que agonizam no pecado, mas, acima de tudo, pelo Senhor Jesus, que “se entregou por ela [i.e., a Igreja], para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5.25-27). Com isto em mente, vamos ler o conselho de Paulo:
“Porque, se alguém me contristou, não me contristou a mim senão em parte, para vos não sobrecarregar a vós todos. Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor. E para isso vos escrevi também, para por esta prova saber se sois obedientes em tudo. E a quem perdoardes alguma coisa, também eu; porque, o que eu também perdoei, se é que tenho perdoado, por amor de vós o fiz na presença de Cristo; para que não sejamos vencidos por Satanás; Porque não ignoramos os seus ardis.” (2 Co 2.5-11)
Existe um considerável debate entre os comentaristas sobre a identidade desse indivíduo. Os comentários mais antigos (especialmente Philip Hughes) insistem que este é o homem incestuoso de 1 Coríntios 5. Comentaristas mais recentes argumentam que esta é a pessoa que se opôs a Paulo e trabalhou para destruir sua autoridade apostólica. Esse homem “pode estar conectado com as aberrações sexuais em Corinto, que envolviam certo número de pessoas, e que aparentemente tornou necessária uma recente visita não programada de Paulo” (12.21-13.2). É bem possível que ele também apoiou a prática de frequentar templos na cidade (6.14-7.1), a despeito dos avisos de Paulo na Primeira Carta (1 Co 10.14-22)… Talvez esse homem resistiu às admoestações de Paulo aos Coríntios durante sua segunda visita, e era ele mesmo a razão principal daquela visita ser tão dolorosa para Paulo” (Barnett, 124).
Em qualquer dos casos, a igreja impôs disciplina sobre ele, muito provavelmente ao proibir sua presença na Ceia do Senhor, e afastando-o da comunhão cotidiana. A boa notícia é que isso funcionou! “Para ele, essa repreensão feita por muitos”, diz Paulo, “é o bastante”. Evidentemente, ele tinha se arrependido, e agora, Paulo pede uma reafirmação de amor por ele e sua restauração dentro da vida da igreja.
Paulo teme que a severidade imoderada destrua este homem. Portanto, ele encoraja os coríntios a “perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza”. A tendência da natureza humana é manter o ofensor à distância, perdoar sem esquecer, dizer “eu recebo você de volta”, mas tratar a pessoa como um leproso. Philip Hughes nos lembra de que “a disciplina que é tão inflexível, a ponto de não abrir espaço para arrependimento e reconciliação, deixou de ser verdadeiramente cristã; afinal, não é menor escândalo tirar do pecador penitente toda esperança de reentrar no conforto e na segurança da comunhão da comunidade redimida que permitir que a impiedade flagrante continue impune no Corpo de Cristo” (66-67).
Talvez, a melhor forma de lidar com esse tópico, ainda que brevemente, é perguntar e responder a uma série de cinco questões.
Primeiro, por que a disciplina na igreja é tão negligenciada, ou mesmo ignorada por completo, em nossos dias? Entre as muitas razões que podem ser citadas, aqui vão algumas. Talvez, a principal causa é uma ignorância geral do ensino bíblico sobre o assunto (muitos acreditam que é pouco mencionado na Escritura e, portanto, sem importância; outros ignoram o propósito da disciplina e a veem somente como destruição de pessoas).
Outro fator é uma insensibilidade cauterizada a respeito do pecado; uma falha em entender seriamente a ofensa do pecado, e uma tendência para uma misericórdia ímpia em nosso tratamento do impenitente. Sem dúvida, o espírito do individualismo também tem um papel aqui. Temos perdido o senso de comunidade e de responsabilidade mútua de uns com os outros. Quão frequentemente diz-se, como maneira de justificar nossa passividade em relação ao pecado, “bem, não realmente da minha conta, é?”. A disciplina custa muito porque os assuntos de meu irmão ou irmã tornam-se agora meus.
Uma má aplicação das palavras de nosso Senhor em Mateus 7.1 (“Não julguem, para não serem julgados”) certamente traz receio aos corações de muitos, quando se trata de lidar com o pecado na igreja local. O medo da rejeição também está envolvido (isto é, o medo de ouvir da parte ofendida: “Cuide dos seus próprios negócios. Você não tem autoridade para me dizer o que eu posso ou não posso fazer”).
Suspeito fortemente que o medo de represálias legais, na forma de processos, tenha paralisado muitos. Várias pessoas (mesmos líderes na igreja) simplesmente detestam confrontação. Falar diretamente sobre pecado pessoal com um ofensor é difícil; nos deixa desconfortáveis e inquietos; portanto, por que criar problemas? Muitos pensam que, se simplesmente ignorarmos o problema, em algum momento ele irá embora. “O tempo cura tudo”, assim eles alegam.
Já soube de casos em que a disciplina cessou devido ao medo de afastar a pessoa, especialmente se o transgressor é um grande contribuidor financeiro da igreja! Relacionado a isso, há o medo de desunir, ou mesmo dividir, a igreja sobre questões como se, de que maneira, e em que extensão a disciplina deveria ser aplicada (invariavelmente, muitos acham que a disciplina foi muito severa, enquanto outros estão convencidos de que foi muito leniente).
Muitos lutam contra um falso conceito de disciplina, devido a abusos conhecidos. Em suas mentes, a disciplina está associada a caça às heresias, intolerância, opressão, dureza, falta de compaixão, autojustificação, legalismo, etc. Relacionado a isso está o medo de ser rotulado como uma seita, se insistirmos em um código de conduta muito estrito para nossos membros.
Outros evitam seguir os passos da disciplina porque significa mudança. Em outras palavras, a tradição é muito forte para ser superada: “Nunca fizemos isso antes e sempre correu tudo bem. Por que arriscar bagunçar as coisas agora?”.
Segundo, por que a disciplina é necessária? Para ser breve, existem muitas razões: (1) para manter (na medida do possível) a pureza da igreja (1 Co 3.17; Ef 5.25-27); (2) porque a Escritura exige (Mt 18.15-20; 1 Co 5; etc.); (3) a fim de manter um testemunho apropriado para o mundo; tanto a igreja corporativamente, quanto os presbíteros individualmente, devem ter boa reputação com “os de fora” (1 Tm 3.7); (4) para facilitar o crescimento e preservar a unidade do corpo (Ef 4.1-16); (5) para expor os incrédulos (1 Jo 2.19); (6) para restaurar o(a) irmão/irmã à obediência e comunhão (1 Co 5.5; 2 Co 2.6,7,10; Gl 6.1; 2 Ts 3.14-15); (7) para desencorajar outros (1 Tm 5.20); (8) para evitar a disciplina de todo o corpo (Ap 2.14-25); (9) porque o pecado raramente (talvez nunca) é uma questão individual: quase sempre tem ramificações corporativas (2 Co 2.5); todo o corpo (ou, pelo menos, uma grande parte dele) é afetado pelas más ações de um membro; e (10), evidentemente, Paulo acreditava que o desejo de aceitar a tarefa da disciplina era uma marca de maturidade na vida corporativa da igreja (2 Co 2.9).
Terceiro, em que casos ou em quais pecados ela deve ser exercida? O mal moral impenitente, como no caso do incestuoso em 1 Coríntios 5, certamente se qualifica. Partidarismo e erros doutrinários graves também são mencionados no NT (Rm 16.17,18; Tt 3.9,10). Paulo fala de transgressões mais gerais, não específicas, em Gálatas 6.1, como causas de intervenção disciplinar (veja também 2 Ts 3.6-15).
Quarto, como a disciplina deve ser feita? Quais são os passos que devem ser seguidos? Mateus 18.15-17 recomenda os seguintes passos:
- Primeiro, repreensão em particular (Mt 18.15) – Faça gentilmente, em amor, cheio de compaixão, procurando encorajar; o propósito da repreensão em particular é resolver os problemas sem alimentar fofoca desnecessária.
- Segundo, se a repreensão em particular não obteve sucesso, repreensão de muitos (Mt 18.16; veja também Dt 17.6, 19.15; Nm 35.30) – Quem são esses “outros”? Líderes da igreja? Pessoas que conhecem a pessoa? Pessoas que sabem do pecado?
- Terceiro, se a repreensão de muitos não obteve sucesso, repreensão pública (Mt 18.17).
- Quarto, se a repreensão pública não obteve sucesso, “excomunhão” (Mt 18.17; 1 Co 5.11; Tt 3.10; possivelmente, 2 Ts 3.14).
- Quinto, se o arrependimento aconteceu, restauração à comunhão e reafirmação do amor (2 Co 2.6-8; 2 Ts 3.14,15; Gl 6.1).
- Sexto, Mateus 18.18-20 afirma que, qualquer decisão sobre o assunto, se a pessoa é “ligada” ou “desligada”, reflete a vontade de Deus nos céus. Quando a igreja está unidade em sua aplicação da disciplina, ela pode descansar confiantemente na promessa de Deus de que ele providenciará sabedoria e direção para tomar a decisão correta. Portanto, o veredito do céu, por assim dizer, é consonante com o da igreja, diante de como a questão foi decidida.
Quinto, por quem a disciplina deve ser administrada? Certamente, os presbíteros da igreja devem tomar a iniciativa e prover a supervisão do processo (cf. At 20.28ss; 1 Ts 5.14; Hb 13.17). Mas a congregação como um todo deve também estar envolvida (2 Co 2.6; esse último texto levanta a questão de se havia uma minoria em Corinto que discordou das ações realizadas).
Em suma, a motivação para disciplina é o amor (pelo crente errante), e o objetivo da disciplina é restauração. Se o próprio Cristo está apaixonadamente tão comprometido com a igreja que sacrificou sua vida em favor dela, a fim de apresentá-la “a si mesmo gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante” (Ef 5.27), dificilmente poderíamos fazer vista grossa para o pecado repetido e impenitente em nosso meio. Que Deus nos dê a graça e a sabedoria tão essenciais para essa tarefa crucial e delicada.
Muito bom o texto,
ResponderExcluirMe fez lembrar de um post que coloquei no meu Blog, sobre o Jovem Rico. Estava seguindo a doutrina, mas não tinha a essência da doutrina.
Parabéns pelo texto pessoal.
Abraços fraternias e a Paz.
Hubner Braz