segunda-feira, 12 de abril de 2010

Bíblia e Predestinação [2] - O Objetivo da História e da Criação


Por Helder Nozima

No post anterior desta série, usamos os atributos de Deus como ponto de partida para o estudo da base bíblica da predestinação. Vimos que Deus é Todo-Poderoso, que Ele governa ativamente a criação e que o centro da Bíblia e da História é a glória d'Ele, e não a felicidade do homem.

Mas, se o objetivo supremo de Deus não é promover a felicidade ou realizar os desejos humanos, uma pergunta precisa ser respondida. Por que Deus criou o mundo? Quais os objetivos de Deus na História?

O objetivo supremo: a glória d'Ele
Sei que esse ponto já foi tratado anteriormente. Mas, exatamente por se tratar do tema central da Bíblia, ele precisa ser repetido várias e várias vezes.

Deus não criou o universo e o ser humano por precisar de nosso amor, afeto ou de alguma coisa para sobreviver. Isso é dito claramente no Salmo 50:
Se eu tivesse fome, não to diria, pois o mundo é meu e quanto nele se contém. Acaso, como eu carne de touros? Ou bebo sangue de cabritos? (Salmo 50:12-13)
Portanto, Deus sobrevive muito bem sem a criação. Contudo, a criação foi feita porque ela maximiza a glória de Deus. O simples fato da existência do Universo já aumenta a glória divina:
Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. (Salmo 19:1)
Fazendo uma analogia, uma mulher bonita é bela por si só. Mas, se ela usa um enfeite no cabelo ou faz uma maquiagem, essa beleza é realçada. Deus é glorioso por Si só. Mas a criação é como um adorno que aumenta ainda mais essa glória.

Cristo: o ápice da glória de Deus
Mas o auge da glória divina não é a criação do mundo, e sim a morte e ressurreição de Jesus Cristo, o verdadeiro ponto máximo da História e da glória divinas. Isso pode ser indicado, por exemplo, na resposta à seguinte pergunta: qual o momento mais importante do tempo?

A tendência popular é considerar a segunda vinda de Jesus. Se pudéssemos representar graficamente, a maioria de nós pensa que o melhor dos tempos era o da criação, seguido por um período de baixa até a crucificação e ressurreição de Cristo, entrando aí em uma curva ascendente até o Apocalipse, quando então voltamos ao melhor dos tempos.

Mas, segundo a Bíblia, o ponto focal do tempo é, exatamente, a primeira vinda de Jesus:
vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. (Gálatas 4:4-5)
Não é na criação, mas sim na morte e na ressurreição, no fato de Cristo salvar o mundo e se tornar o cabeça da Igreja que Jesus atinge toda a plenitude:
Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus. (Colossenses 1:15-20)
A plenitude não é completada apenas no fato de Cristo ser o Criador e Sustentador de todas as coisas. Ela só é atingida quando todas as coisas são reconciliadas em Cristo, e isso acontece quando a paz é feita na cruz. Esse é o grande mistério da vontade de Deus e o objetivo último da predestinação:
desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo... (Efésios 1:9-12)
Ao contrário do que imaginamos, o mistério da vontade de Deus foi desvendado. Segundo a Bíblia:

- A vontade de Deus é de acordo com o beneplácito (consentimento, aprovação) proposto em Cristo;
- Esse beneplácito (logo, essa vontade) é o de que, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas convirjam para Cristo. Essa dispensação começou na primeira vinda de Cristo e terminará na segunda;
- A predestinação é segundo o propósito de Deus, que faz tudo segundo o conselho de Sua vontade;
- O objetivo da predestinação é o de que sejamos para louvor da glória de Deus.

A conclusão lógica da análise é a seguinte: o mistério da vontade de Deus é o de que Ele quer que tudo convirja para Cristo. Esse é o centro da vontade de Deus, a razão pela qual tudo foi criado, o objetivo máximo da História, o alvo final dos decretos divinos.
Tudo o que existe e foi decretado, incluindo-se aí até mesmo o mal e os pecados, existe para maximizar a glória divina. E essa glória só é maximizada com a morte, ressurreição e glorificação de Cristo.

Por esta razão, a queda do homem e dos demônios, a entrada do pecado no mundo, tudo foi decretado por Deus para que esse objetivo fosse atingido. É por essa ótica que toda a História deve ser entendida.

A necessidade dos dois vasos
E agora é preciso recuperar duas idéias que já apresentei aqui. A mais recente é a de que a predestinação faz parte do projeto de Deus para atingir o objetivo máximo de fazer com que tudo convirja para Cristo. Isso pode ser visto na releitura de Efésios 1:3-14, com ênfase nos versículos 9 a 12. A outra, apresentada no primeiro post, é a de que Deus não restringe o uso de Seus atributos, mas que Ele os expressa a todos.

Há, portanto, duas necessidades lógicas aqui:
- A predestinação é necessária para a glorificação máxima de Deus;
- A exibição de todos os atributos é necessária para a glorificação máxima de Deus.

E Deus é amor, mas também é justiça. Nas palavras de Paulo, bondade e severidade:
Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a bondade de Deus, se nela permaneceres; doutra sorte, também tu serás cortado. (Romanos 11:21)
Alguns passos que precisamos dar:

1) Deus considerou que reconciliar todas as coisas traria mais glória a Ele do que criar algo que nunca precisasse de reconciliação;
2) Por isso, determinou que o alvo máximo da História, o mistério da vontade de Deus era o de que tudo convergiria para Cristo e que em Cristo todas as coisas seriam reconciliadas;
3) Todos os atributos de Deus devem ser exibidos, e Deus é bom e justo;
4) Se todos forem salvos, a bondade e o amor de Deus são mostrados, mas não a Sua justiça e ira;
5) Se todos forem condenados, a ira e justiça divinas são mostradas, mas não o Seu amor e bondade.

A solução: Cristo não poderia salvar a todos. Alguns homens seriam salvos e outros, condenados. Deus precisava criar dois tipos de homens: os eleitos para a salvação e os eleitos para a perdição. Os vasos de ira e os de misericórdia:
Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (Romanos 9:22-24)
Repare que aqui Paulo dá as razões pelas quais uns são "vasos de misericórdia" e outros "vasos de ira":

1) Deus queria mostrar a Sua ira;
2) Deus queria mostrar o Seu poder;
3) Deus queria mostrar as riquezas de Sua glória em vasos de misericórdia.

Para atingir esses objetivos, é preciso que haja tanto salvos como condenados. Logo, não é possível afirmar que a predestinação é somente dos salvos, e que os eleitos são simplesmente preteridos ou deixados de lado.Veja também que cada vaso é preparado por Deus. Mais do que isso, esse preparo tem finalidades específicas: os de misericórdia são preparados de antemão para a glória e os de ira são preparados especialmente para a perdição. Em relação a este ultimo ponto, diz Salomão:
O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso para o dia da calamidade. (Provérbios 16:4)
E Pedro concorda:
Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade; mas, para os descrentes,
A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular
e:
Pedra de tropeço e rocha de ofensa.
São estes os que tropeçam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos. (1 Pedro 2:7-8)
Desta maneira, o ensino bíblico claro é o de que há predestinação, tanto para a salvação como para a condenação.

Quando foi feita a predestinação?
Todos os passos dados neste post: a decisão de atingir a glória máxima, de que isso aconteceria com a glorificação de Cristo, a necessidade de fazer dois tipos de pessoa e de predestinar, todas essas decisões foram tomadas por Deus antes do início do tempo. De fato, Cristo foi morto antes da fundação do mundo:
mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós... (1 Pedro 1:19-20)
e adorá-lo-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. (Apocalipse 13:8)
Da mesma forma, a predestinação também foi feita antes da criação:
assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado... (Efésios 1:4-6)
Assim, antes da fundação do mundo, os salvos já foram escolhidos e predestinados para serem adotados como filhos de Deus por meio de Jesus Cristo.

E a conseqüência é óbvia. Toda a História da Salvação, desde a queda de Adão até o meio pelo qual os homens seriam salvos, incluindo-se aí a condenação e a vida eternas e as pessoas que seriam salvas ou não, tudo já estava definido antes do mundo começar. O tempo apenas concretiza o que já foi planejado e predeterminado por Deus nos mínimos detalhes, para que Ele possa atingir os Seus objetivos e propósitos.

Essa determinação não é cronológica, é lógica. Cristo não morre por causa da Queda, a predestinação não é decretada por causa da Queda, como normalmente pensamos. Ao contrário, a Queda acontece porque a predestinação é necessária, e a predestinação acontece para que Cristo seja glorificado.

Essa posição é conhecida como supralapsarianismo. Por ela, a ordem lógica dos decretos de Deus é a seguinte:

1) Glorificar a Deus por meio da exaltação de Cristo (objetivo supremo);
2) Eleger alguns para receberem a graça e outros para serem reprovados (eleição);
3) Criar o mundo e os seres humanos;
4) O homem cairia e pecaria;
5) Cristo viria para sofrer no lugar de Seus eleitos;
6) Os salvos seriam chamados à salvação.
Na posição conhecida como infralapsarianismo, a ordem seria cronológica:

1) Glorificar a Deus por meio da exaltação de Cristo (objetivo supremo);
2) Criar o mundo e os seres humanos;
3) O homem cairia e pecaria;
4) Eleger alguns para receberem a graça e outros para serem reprovados (eleição);
5) Cristo viria para sofrer no lugar de Seus eleitos;
6) Os salvos seriam chamados à salvação.
Já dei acima toda a minha fundamentação bíblica para defender o supralapsarianismo. Gostaria de encerrar o post fazendo uma citação de um ótimo artigo sobre o assunto escrito por Rafael Gabas, a quem muito agradeço e a quem devo muito de minha argumentação:
Essa ordem, à primeira vista, pode parecer ilógica, pois coloca o decreto da queda vindo antes do decreto da criação. Contudo, partindo do primeiro ponto, fica fácil enxergar que os outros são conseqüências do propósito original de Deus, para exibir Seu amor libertador e Sua ira vindicativa em (e através de) Cristo, como o Salvador ressuscitado. Porém, não havia mundo para Ele se encarnar, e nenhum indivíduo que pudesse ser amado ou odiado, razão pela qual Deus imaginou a humanidade que formaria e selecionou alguns de seus membros para serem atingidos pela obra de Cristo, destinando o restante à destruição; isso deixa claro que a eleição e a reprovação foram incondicionais, sem observar nenhuma condição preenchida pelos homens, pois nenhuma pessoa possuía qualquer característica, boa ou má, nem Adão havia quebrado a aliança, nem o Universo havia sido criado; ao contrário: tudo isso foi projetado para cumprir a eleição e a reprovação. A Bíblia ensina que a criação e a queda foram decretadas para que Deus enviasse Seu Filho como Salvador do mundo, demonstrando Seu amor eterno (que não começou com a queda) sobre os eleitos, e demonstrar o poder de Sua ira sobre os reprovados. Após eleger Seus filhos e odiar os outros, Deus deveria torná-los, todos, em seres culpáveis, dignos da condenação eterna, a fim de que houvesse um estado de miséria do qual os eleitos fossem removidos, e os reprovados fossem castigados. (Rafael Gabas, em "A Ordem dos Decretos Divinos")
A História está dentro do controle divino e segue um padrão preestabelecido para satisfazer, da melhor maneira possível, a glória de Deus. E a predestinação faz parte deste plano.

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