sexta-feira, 9 de abril de 2010

Por que não sou pedobatista? - 5


Por Clóvis Gonçalves

Argumentos teológicos


Com exceção da igreja romana e a grega, além de uma parte dos anglicanos, os defensores do batismo infantil não afirmam que ele produz a regeneração ou assegura a salvação. Portanto, a discussão do batismo infantil passa ao largo da salvação em si, pois se entre os batizados na infância há os que jamais irão crer, também há entre os que se batizam mediante profissão de fé os que são meros professos. Portanto, a menos que se defenda a regeneração batismal, o batismo infantil não é, de forma alguma, necessário à salvação. Aliás, foi uma visão equivocada de batismo e salvação que deu origem à prática generalizada do batismo infantil.

Em minha avaliação pessoal, o mais persuasivo dos argumentos pedobatistas é o da aliança da graça, do qual o batismo seria o sinal visível. Uma fragilidade inicial desse argumento, contudo, é que o mesmo é relativamente novo, tendo sua origem em Lutero e Zwinglio e seu desenvolvimento em Calvino e Knox, não sendo encontrado antes deles, mesmo retrocedendo até os pais apostólicos. O ponto principal desse argumento é a continuidade das duas alianças, na verdade, a existência de uma única aliança da graça, com mudança apenas dos sinais exteriores. O pedobatismo se fundamenta no fato de que as crianças eram incluídas nas bênçãos da antiga aliança. Sendo a nova aliança a mesma e única aliança da graça, os filhos dos crentes também estão incluídos na mesma e portanto não há razões para não serem batizados.

Registre-se, porém, que rejeitar o pedobatismo baseado na doutrina da aliança não significa rejeitar a doutrina da aliança em si. Assim como nem todo pedobatista é aliancista, muitos credobatistas o são, inclusive este que vos escreve. Cremos em uma única aliança da graça, aceita pela fé tanto no Antigo como no Novo Testamento, mas discordamos do batismo infantil, por ser um passo além do que a teologia permite ou exige.

Aliança de Deus com Abraão tinha dois elementos distintos, a posse da terra numa unidade nacional ("À tua descendência darei esta terra" Gn 12:7) e uma descendência espiritual ("em ti serão benditas todas as famílias da terra" Gn 12:3). Vemos estes aspectos desdobrados nas fases da aliança abraâmica. Na primeira, Deus lhe diz "olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência" (Gn 15:5), apontando para os crentes de todas as nações. Neste aspecto, a aliança é unilateral e nada é exigido de Abraão, que apenas "creu ele no SENHOR, e imputou-lhe isto por justiça" (Gn 15:16). Já no aspecto nacional da aliança, é introduzida a exigência de obediência "anda em minha presença e sê perfeito" (Gn 17:1) seguida da promessa "te darei a ti e à tua descendência depois de ti, a terra de tuas peregrinações, toda a terra de Canaã em perpétua possessão" (Gn 17:8). Aqui a aliança não é unilateral, pois diz "esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti: Que todo o homem entre vós será circuncidado" (Gn 17:10) e a reação do patriarca foi "e circuncidou a carne do seu prepúcio, naquele mesmo dia, como Deus falara com ele" (Gn 17:23).

Portanto, a circuncisão não está associada à descendência espiritual de Abraão, mas à descendência física, a nação de Israel a quem foi dada a terra prometida. A circuncisão é o sinal da entrada na teocracia, e não na descendência espiritual. Para estes, não há sinal visível, senão a fé, pois Paulo diz "portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós" (Rm 4:16). Anteriormente Paulo já havia dito "Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão. E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que crêem, estando eles também na incircuncisão; a fim de que também a justiça lhes seja imputada" (Rm 4:10-11).

Vinculado à teologia da aliança está o argumento do batismo como sucedâneo da circuncisão. Baseiam-se no fato de que em ambos os Testamentos existem sinais que acompanham as respectivas alianças. Embora distintos, os sinais correspondem um ao outro, circuncisão e batismo. A base bíblica para o argumento do batismo como sucedâneo da circuncisão é Cl 2:11-13, que diz:
"No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, a circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos. E, quando vós estáveis mortos nos pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas". E como dois tipos de pessoas eram circuncidadas no Antigo Testamento, adultos convertidos à fé de Israel e meninos filhos de judeus, assim também adultos convertidos ao cristianismo e filhos de pais crentes devem ser batizados.

É inegável que a passagem menciona circuncisão e batismo. Porém, não é feita nenhuma relação entre eles, seja de contraste ou de similaridade. Tampouco o texto sugere que um é sucedâneo de outro. Paulo fala da circuncisão e fala do batismo, mas não estabelece nenhuma relação entre um e outro. A comparação não é feita entre a circuncisão e o batismo, e sim entre circuncisão da carne e circuncisão de Cristo e depois entre batismo e sepultamente e ressurreição de Jesus. Paulo está falando de duas circuncisões. A primeira é física, a segunda é espiritual, "não feita por mão". Uma era exterior, a outra interior. Uma limita-se a um pedaço do prepúcio, a outra tira fora a natureza pecaminosa, expressa na frase "corpo do pecado da carne". Uma é de Abraão ou Moisés, a outra é de Cristo. Pela comparação feita, fica claro que o correspondente neotestamentário da circuncisão não é o batismo, e sim a regeneração, o que aliás é previsto ainda no Antigo Testamento e confirmado no Novo Testamento.

Porque "todas as nações são incircuncisas, e toda a casa de Israel é incircuncisa de coração" (Jr 9:26), Moisés e os profetas já proclamavam "circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração" (Dt 10:16) e "circuncindai-vos ao Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração" (Jr 4.4). Como a conversão é demandada do homem, porém só possível pela operação divina, assim também a circuncisão espiritual foi prometida, nas palavras "o SENHOR teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para amares ao SENHOR teu Deus com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas" (Dt 30:6). O Novo Testamento entende a incircuncisão de coração como a natureza pecaminosa do homem, pois os "homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo" (At 7:51), assim a circuncisão espiritual é a regeneração "circuncisão é a do coração, no espírito, e não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus" (Rm 2:29). O correspondente neotestamentário da circuncisão não é o batismo, e sim o novo nascimento. "A circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne" (Fp 3:3).

É assim, por exemplo, que os judeus messiânicos entenderam a questão. O Jewish New Testament Commentary parafraseiam a passagem dizendo "vocês gentios foram circuncidados espiritualmente, uma vez que esta é uma circuncisão feita não por mãos humanas... mas pelo Messias" e interpretam "não significa que o batismo substituiu a circuncisão, que os judeus messiânicos podem batizar os seus filhos ao invés de circuncidá-los. Pelo contrário, é que, espiritualmente, os três requisitos para iniciação do gentio prosélito - circuncisão, batismo e sacrifício - agora são cumpridos quando se confia e se une ao Messias". Matthew Henry diz que "em Cristo nós somos circuncidados com a circuncisão feita sem mãos, pela obra da regeneração em nós, isto é, a circuncisão espiritual ou cristã... é a lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo". John Gill diz que a regeneração é a "circuncisão interna, o antítipo e a perfeição da circuncisão na carne". O Dicionário da Bíblia de Almeida declara que a circuncisão "significa a circuncisão espiritual, que resulta numa nova natureza, a qual é livre do poder das paixões carnais e obediente a Deus (Jr 4:4; Rm 2:29; Cl 2:11; Fp 3:3)", no que concorda com várias outras obras de referência consultadas. Até mesmo Calvino, em sua defesa do batismo infantil nas Institutas reconhece que "espiritualmente, já fostes circuncidados no tocante à alma e ao corpo. Tendes, pois, a manifestação da realidade que é muito superior à sombra" e explicando "qual é o verdadeiro sentido desta circuncisão carnal" diz que os os anabatistas afirmam que a "circuncisão foi uma figura da mortificação, não do batismo; o que, certamente, de muito bom grado admito". Em outra parte ele diz "a circuncisão, que denotava a regeneração...".

Mas e a referência a batismo no verso 12? Não implica que ele é o equivalente à circuncisão na dispensação da graça? Penso que não. Já vimos que Paulo não relaciona circuncisão e batismo na passagem, mas compara as duas coisas com outras. A "circuncisão de Cristo" não é uma referência à sua circuncisão aos oito dias de vida, mas à sua morte na cruz. Foi na cruz que Cristo fez o "despojo do corpo dos pecados da carne". Então Paulo relaciona a circuncisão com a morte de Cristo. Dando prosseguimento ao seu raciocínio, faz referência ao batismo, relacionando-o não à morte de Cristo, e sim ao sepultamento e ressurreição. O batismo não é uma representação da morte de Jesus, a Ceia o é mais apropriadamente. Então, para afirmar que os gentios já estavam completos (plenificados) pela morte, sepultamento e ressurreição de Jesus, Paulo refere-se tanto à circuncisão quanto ao batismo, sendo que a primeira aponta para a morte e o segundo ao sepultamento e ressurreição. Ele não coloca circuncisão e batismo relacionados entre si, nem como equivalentes ou sucedâneos.

Como eu disse acima, os argumentos da aliança e consequentemente do batismo como substituto da circuncisão são os mais sólidos na defesa do batismo de infantes. Porém, eles padecem de pouco apoio escriturísticos, uma teologia bíblica desautoriza o grosso de suas conclusões. Pois nem a teologia da aliança torna necessária o batismo infantil, nem a circuncisão é o antecedente bíblico do batismo, se o tema for desenvolvido a partir de uma teologia bíblica.

Além de depender de uma teologia desenvolvida com a finalidade de justificar o que a Bíblia não prescreve, nem a história prova ter sido a prática apostólica ou da igreja pós-apostólica, a teologia pedobatista acaba por trazer vários problemas, como veremos a seguir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário