Por Ruy Marinho
Há quem defenda que nos dias de hoje
Deus tem levantado uma geração apostólica, restaurando “ministérios
perdidos” durante séculos através de novos apóstolos, supostamente com
os mesmos poderes (e até maiores) que os escolhidos por Jesus na igreja
primitiva. Muitos deles chegam a declarar novas revelações
extrabíblicas, curas e milagres extraordinários, liberando palavras
proféticas e unções especiais, vindas diretamente do “trono de Deus”
para a Igreja. Seus seguidores constantemente ouvem o termo “decretos
apostólicos”, dos quais afirmam que uma vez proclamados por um apóstolo,
há de se cumprir fielmente a palavra profética, pois o apóstolo é a
autoridade máxima da igreja, constituído diretamente por Deus com uma
unção especial diferenciada dos demais membros.
No site de uma “conferência apostólica” ocorrida há alguns anos, narraram à seguinte declaração de um apóstolo contemporâneo:
“A segunda noite de mover apostólico invadiu os milhares de corações presentes nesta segunda noite de Conferência Apostólica 2006. Com a ministração especial do Apóstolo Cesar Augusto a respeito do “Ser Apostólico”, todos ficaram impactados com mais esta revelação vinda direto do altar do Senhor para seus corações. Ser Apostólico é valorizar a presença de Deus, é ser fiel, é crer que Deus pode transformar, é ter uma unção especial para conquistar o melhor da terra e, por fim, é crer que Deus age hoje em nossas vidas. [...] Todos saíram do Ginásio impactados por esta revelação, saíram todos apostólicos prontos para conquistar o Brasil e o mundo para Jesus.”[1]
Peter Wagner, um defensor do apostolado contemporâneo, define o dom de apóstolo nos dias de hoje da seguinte forma:
“O dom de apóstolo é uma habilidade especial que Deus concede a certos membros do corpo de Cristo, para assumirem e exercerem liderança sobre um certo número de igrejas com uma autoridade extraordinária em assuntos espirituais que é espontaneamente reconhecida e apreciada por estas igrejas. A palavra chave nesta definição é AUTORIDADE, pois isto nos ajuda a evitar um erro muito comum que as pessoas fazem ao confundirem o dom do apóstolo com o dom de missionário.” [2]
Com estas declarações, podemos deduzir
logicamente duas coisas: Ou o ministério apostólico contemporâneo é uma
realidade na Igreja nos últimos dias, ou estamos diante de uma grande
distorção bíblica, na qual precisa ser rejeitada e combatida
urgentemente. Se a primeira hipótese estiver correta, então obviamente
não devemos questioná-los, além de aceitar como verdade de Deus tudo o
que vier dos mesmos. Caso contrário, resta-nos rejeitar totalmente as
palavras e as reivindicações proféticas destes apóstolos contemporâneos
por serem antibíblicas.
Para ter plena certeza do que se trata,
não existe alternativa a não ser partir para a análise bíblica, pois a
Palavra de Deus é a nossa única regra de fé e conduta, base normativa
absoluta para toda e qualquer doutrina. Portanto, da mesma forma que os
bereianos de Atos 17:11 fizeram quando receberam as palavras do Apóstolo
Paulo, devemos também analisar esta questão sob a luz das escrituras.
A primeira pergunta que devemos fazer é:
existem apóstolos nos dias de hoje? Para chegar à resposta,
primeiramente precisamos entender quem foi os apóstolos na igreja
primitiva. Para tanto, é necessário verificar o fator etimológico da
palavra Apóstolo. Biblicamente, esta palavra significa “enviado, mensageiro, alguém enviado com ordens” (grego = apostolos),
é utilizada no Novo Testamento em dois sentidos: 1º – Majoritariamente
de forma técnica e restrita aos apóstolos escolhidos diretamente por
Cristo; 2ª – Em sentido amplo, para casos de pessoas que foram enviadas
para uma obra especial. Neste último, a palavra utilizada provém da
correlação verbal do substantivo “apóstolo” e o verbo em grego “enviar” (grego = apostello)[3]. Das 81 vezes que a palavra apóstolo
e suas derivações aparecem no texto grego do Novo Testamento, 73 vezes é
utilizada no sentido restrito ao grupo seleto dos 12 apóstolos de
Cristo, apenas 7 vezes no sentido amplo (Jo 13:16, 2Co 8:23, Gl 1:19, Fl
2:25, At 14:4 e 14, Rm 16:7) e uma vez para Jesus Cristo em Hb 3:1.[4]
Podemos perceber que, em tese qualquer
pessoa que é “enviada” para um trabalho missionário é um apóstolo.
Porém, os problemas aparecem quando alguém propõe para si a utilização
do termo no sentido restrito ao ofício de apóstolo.
Biblicamente, havia duas qualificações
específicas para o apostolado no sentido restrito: 1ª – Ser testemunha
ocular de Jesus ressurreto (Atos 1:2-3, 1:21-22, 4:33 e 9:1-6; 1Co 9:1 e
15:7-9); 2º – Ter recebido sua comissão apostólica diretamente de Jesus
(Mt 10:1-7, Mc. 3:14, Lc 6:13-16, At 1:21-26, Gl 1:1 e 1:11-12 ). Este
fato leva-nos a questionar: quem comissionou os apóstolos
contemporâneos?
Depois da ressurreição, Jesus apareceu
para os apóstolos comissionados por ele próprio e também para várias
pessoas, sendo Paulo o último a vê-lo: “Depois foi visto por Tiago,
mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto
também por mim, como por um nascido fora de tempo. Porque eu sou o
menor dos apóstolos…” (1Co 15:7-9). No grego, as palavras “depois de todos” é eschaton de pantwn, que significa literalmente “por último de todos”.[5]
Paulo foi o último apóstolo comissionado
por Jesus (At 9:1-6). Posteriormente, não encontramos base bíblica para
afirmar que exista uma sucessão ou restauração ministerial de
apóstolos. Todas as tentativas para justificar uma suposta restauração
do ofício apostólico nos dias de hoje, partiram de interpretações
alegóricas, isoladas e equivocadas de textos bíblicos. Na história da
igreja, não temos nenhum grande líder utilizando para si o título de
apóstolo. Papias e Policarpo, que eram discípulos dos apóstolos e
viveram logo após o ministério apostólico, não utilizaram esse título.
Nem mesmo grandes teólogos e pregadores da história como Agostinho,
Calvino, Lutero, Wesley, Whitefield, Spurgeon – entre tantos outros,
utilizaram para si o título de apóstolo.
Os apóstolos tiveram um papel
fundamental para o estabelecimento da Igreja. Nesta construção, Jesus
foi a pedra angular e o fundamento foi posto pelos apóstolos e profetas,
conforme descrito em Efésios 2:19-20: “Assim, já não sois
estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família
de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo
ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. Esta passagem é o contexto direto de Efésios 4:11“E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres”.
Ora, se já temos o alicerce pronto, qual a necessidade de construí-lo
novamente? Na verdade não há possibilidade, pois tudo o que vier
posteriormente deverá ser estabelecido sobre esta base, conforme
alertado pelo apóstolo Paulo: “Segundo a graça de Deus que me foi
dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica
sobre ele. Porém cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar
outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.” (1Co 3:10-11)
Como fundamento da Igreja, os apóstolos
possuíam plena autoridade dada pelo próprio Jesus Cristo para designar
suas palavras como Palavra de Deus para a igreja em matéria de fé e
prática. Através desta “autoridade apostólica” mediante o Espírito Santo
é que temos hoje o que conhecemos como cânon do Novo Testamento,
escritos pelos apóstolos ou por pessoas sob supervisão direta. Além
disso, faziam parte das credenciais dos apóstolos: operar milagres e
sinais extraordinários como curas de surdos, aleijados, cegos,
paralíticos, deformidades físicas, ressurreições de mortos etc. (2Co
12:12). Eu creio que Deus opera curas em resposta à orações conforme a
vontade soberana d’Ele, porém não creio que as mesmas aconteçam através
do comando verbal de novos apóstolos, da mesma forma que era feito pelos
apóstolos na igreja primitiva de forma extraordinária.
Outro grande problema que encontramos no
título de apóstolo nos dias de hoje é que, automaticamente as pessoas
associam o termo aos 12 apóstolos de Jesus. Quem lê o Novo Testamento,
identifica a grande autoridade atribuída ao ofício de apóstolo e
consequentemente esta autoridade será ligada aos contemporâneos. Quem
reivindica o título de apóstolo, biblicamente está tomando para si os
mesmos ofícios dos apóstolos comissionados por Jesus, colocando as
próprias palavras proferidas ou escritas em pé de igualdade e autoridade
dos autores do Novo Testamento. Afinal, os apóstolos tinham autoridade
para receber revelações diretas de Deus e escrevê-las para o uso da
Igreja. Se admitirmos que existam “novos apóstolos”, devemos assumir que
a Bíblia é insuficiente e que as palavras dos contemporâneos são
canônicas, o que é absolutamente impossível e antibíblico!
Não podemos deixar de citar o festival
de misticismo antibíblico praticado por muitos apóstolos contemporâneos,
tais como: atos proféticos, novas unções, revelações extrabíblicas,
maniqueísmo, manipulação e coronelização da fé através do conceito “não
toqueis nos ungidos”, judaização do evangelho etc. Além disso, o próprio
modo de vida deles mostra o oposto dos originais, os apóstolos de
Cristo tiveram vida humilde, foram presos, açoitados, humilhados e todos
(com exceção de Judas Iscariotes que suicidou-se e João que teve morte
natural) morreram martirizados por pregarem o evangelho. Ao contrário
disso, os contemporâneos vivem uma vida com patrimônios milionários,
conforto e prosperidade financeira. Quando sofrem algum tipo de
“perseguição”, as mesmas são decorrentes à contravenções penais com a
justiça.
Após esta breve análise, concluo que não
há apóstolos hoje! O apostolado contemporâneo é uma distorção bíblica
gravíssima que reivindica autoridade extrabíblica, da mesma forma que a
sucessão apostólica da Igreja católica romana e os Mórmons. Por isso,
devemos rejeitar a “restauração” do ofício apostólico, pois os apóstolos
contemporâneos não se encaixam nos padrões bíblicos que validam o
apostolado, bem como não existe base bíblica que autorize tal
restauração.
Sola Scriptura!
NOTAS
[2] Citado no ítem reforma apostólica do site Lagoinha.com
[3] Dicionário Bíblico Strong – Léxico Hebr., Aram. e Grego – SBB – 2002, pág. 1214, nº649/652.
[4] Concordância Fiel do Novo Testamento Grego – Português, Editora Fiel, Vol. I, pág. 84
[5] Citado no artigo: Carta ao Apóstolo Juvenal, por Rev. Augustos Nicodemus Lopes.
Fonte: Napec
Caro pr. Silas Figueira,
ResponderExcluirA paz amado!
Estou impressionado com a sua atitude e misercórdia aos... argh... Tosss... Toss. "apostolos" dos dias de hoje.
Creio absolutamente, na possibildade de alguns, futuros candidatos ao cargo, declinarem de seus maléficos pensamentos enrustídos, com seus desejos, alimentados pela vaidade, por esta matéria tão bem definida.
O Senhor seja contigo, nobre pastor,
O menor.
Graça e paz Pr. Newton.
ResponderExcluirMuitas vezes temos que repetir o mesmo assunto para ver se conseguimos salvar alguém das garras desses falsos líderes. Esses, como Judas bem definiu, são nuvens sem água, rochas submersas...
Que o Senhor abra os olhos das pessoas que os seguem.
Fique na Paz!
Pr. Silas Figueira