Por Magno Paganelli
“E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela”. (Gênesis 3.6, ênfases minhas)
Todos conhecemos o relato da tentação.
Nele lemos ter o diabo sugerido a Eva que o fruto proibido daria um
conhecimento tal que não se tinha domínio. Deus, ainda segundo o diabo,
omitiu conhecimento, poder e domínio que agora tinham o seu desvelamento
tornados possíveis seguindo os rastros indicados pela serpente. Eva,
então, viu, desejou e tomou para si o fruto, e o deu a seu marido. O
conhecimento veio, mas não do modo como desejaram.
Quando era
pastor em uma igreja aqui em São Paulo, durante a reunião com o grupo de
jovens, um deles perguntou: “Pastor, por que a Bíblia não fala nada
sobre grandes temas da humanidade?”. Perguntei “Quais temas?”. O jovem
disse: “A construção das pirâmides, o advento de Hitler…”.
A Bíblia, o texto sagrado dos cristãos,
deveria ser usada somente para anunciar a salvação da alma. A mim parece
ser este o eixo natural, o tema central já em Gênesis que segue até ao
Apocalipse. O assunto da Bíblia é a salvação por causa da Queda descrita
acima, e esta salvação é realizada em Jesus, que é amplamente anunciado
em suas páginas.
Assim, o texto da Bíblia tem sua maior
concentração nos assuntos pertinentes a salvação. Para o autor divino
(Yahweh) e os autores humanos (sacerdotes, apóstolos, profetas e
outros), a “humanidade” a quem a Bíblia se dirige, é a humanidade toda. A
Bíblia registra grandes temas relativos à humanidade. Em outras
palavras, todas as coisas necessárias ao conhecimento humano (eventos,
histórias, pessoas, testemunhos etc.) e inerentemente relevantes ao
universo religioso judaico-cristão, estabelecido e permanente há pelo
menos seis mil anos, estão contidos na Bíblia.
No entanto, do Iluminismo para cá, a
Bíblia tem sido atacada de todas as formas, usada indevidamente, acusada
de todos os crimes, recusada por todas as declarações que faz. Mas ela
está aí, aumentando a sua presença, sendo traduzida para novos idiomas e
dialetos e sendo exportada para culturas que antes a rejeitavam.
Os ataques contra ela parecem não
ameaçá-la: ninguém há que ofereça substituto ao modelo de salvação da
alma humana como a Bíblia. Acusá-la de imprecisão científica? A Bíblia
não é um livro de ciências; é um livro que trata da salvação, como
disse. Ela tem erros nas informações geográficas? Seu assunto é a
salvação. Há imprecisão historiográfica? Ela se ocupa da alma humana.
Essas acusações não dizem respeito ao seu “negócio principal” e ela não
faz concessões: seu foco é a salvação do pecador perdido.
Se o empenho do Iluminismo e da
modernidade não afetaram a credibilidade da Bíblia, a outras correntes
mais modernas ela parece ter envelhecido; sua proposta precisava de uma
repaginada.
Com lentes inadequadas para enxergar as
propostas anunciadas por seus autores supracitados, novas abordagens
foram aplicadas na leitura do texto bíblico para “readequá-la” a mente
moderna. Resumidamente, num continente impregnado pelo racionalismo
cientificista, o programa de demitologização dos teólogos liberais não
sobreviveu até aos nossos dias. Ela não abriu mão de suas histórias,
ainda que parecessem míticas.
Já nos Estados Unidos, o próprio berço
de ouro deu ocasião a aplicação de uma abordagem capitalista e
consumista, para que ela falasse a linguagem do mercado; e foi criada a
pobre Teologia da Prosperidade (e da saúde do corpo).[1]
Na América Latina, quando a massa pobre
era a regra no continente, uma leitura libertária da Biblia (ou ao menos
de alguns textos específicos), deu ocasião, primeiramente no seio da
Igreja Católica e mais recentemente no meio evangélico, a Teologia da
Libertação. Quiseram que a Bíblia declarasse sua opção pelos pobres, já
que eram muitos. Quando conjunturas econômicas mais favoráveis
avançaram, os evangélicos importaram dos Estados Unidos o que havia
sobrado da Teologia da Prosperidade, seduzindo-a a prometer vida mansa,
tal qual um gênio da lâmpada.
E assim a Bíblia tem sido sequestrada e
usada para fins outros. No cativeiro da cultura onde é feita refém, quem
se aproxima dela com concepções ou conveniências próprias usam-na para
fazê-la falar o que querem ouvir, o que é agradável aos olhos e o que é
desejável entender. Tal qual o diabo fez, toda tentativa de fazer ou
usar a Bíblia para uma finalidade estranha ao seu sentido particular, é
uma tentativa diabólica. Esses não terão parte na árvore da vida (Ap
22.19), a qual é destinada a quem perseverar.
Em todos os casos, a Bíblia sobreviverá a
cada um de nós preservando em suas páginas a mensagem para a qual foi
planejada e escrita. E que bom que tem sido assim, que ela viva por si,
até mesmo sem essa minha defesa.
NOTAS
[1] Health and Wealth Gospel (Evangelho da Saúde e Prosperidade), Faith Movement (Movimento de Fé), Faith Prosperity Doctrines (Doutrinas da Fé e Prosperidade) ou Positive Confession (Confissão Positiva).
Fonte: Napec
Nenhum comentário:
Postar um comentário