Por Maurício Zágari
Tenho
pensado muito sobre fotografias. Já reparou como ninguém fotografa
momentos tristes? Você já viu alguém ficar tirando fotos em velórios,
registrando o instante em que recebeu zero na prova, compartilhando no
Instagram a imagem do pai em coma no hospital ou fazendo álbum de fotos
dos piores momentos da festa de aniversário? Se eu pego uma câmera e
aponto para você, qual é sua reação imediata? Deixe ver se acertei: dar
um sorriso. O dia pode estar um inferno, mas se alguém vira uma lente em
sua direção… você mostra logo os dentes. Depois do clique, seu rosto
volta ao normal e aquela cara de felicidade obrigatória desmonta em um
segundo. Curioso isso. Alguma vez já parou para refletir por que temos
essa obrigação inconsciente de mostrar para o mundo como somos
inevitavelmente felizes e irremediavelmente sorridentes?
Pegue por exemplo um álbum de fotos
(ainda existe isso fora do computador?) da vida de alguém. Se você
folhear da primeira à última página vai jurar que a existência daquela
pessoa foi um desfile interminável de bons momentos. Sempre sorrindo.
Quando a foto é em grupo, todos juntam as cabeças e… sorrisos
transbordam. Pelo menos até o fotógrafo falar “pronto”. Aí aqueles
rostos perenemente sorridentes vão se lembrar da conta a
pagar, do desemprego, do casamento infeliz, da dor de cabeça que não
passa, do namorado que te trocou por outra, da rotina, do tédio, da
depressão, da crise do petróleo, do aquecimento global, do apocalipse
maia! Em outras palavras; sorrisos em fotos muitas e muitas vezes não
significam nada. Não representam uma felicidade real. São um mero
hábito, uma formalidade. São fachadas pintadas com o único objetivo de
deixar para a posteridade a impressão de que você é e sempre foi feliz.
Mas… por quê? Por que temos a obrigação
de ser felizes 24 horas por dia, sete dias por semana? Curiosamente, a
infelicidade é vista como uma derrota pessoal. Demonstrar para os outros
que a felicidade foi ali e já volta parece uma falha de caráter. E
somos tão despreparados para lidar com nossas próprias infelicidades que
também não sabemos como lidar com a infelicidade dos outros – por isso
há tantos infelizes sem consolo nas igrejas. O despreparo é
generalizado. Se você está triste, repare que a maioria das pessoas não
vai te abraçar em silêncio ou chorar com você, mas dizer frases feitas
que tentam impor felicidade: “Que isso, levanta esse astral!”, “Tá
triste por que, a vitória é tua!”, “Não reclama de barriga cheia, pensa
nas criancinhas da Etiópia que estão morrendo de fome”, “Fica assim não,
rapaz, bola pra frente, ânimo!”. Palavras, palavras e palavras… que de
fato nessas horas não servem de nada – ninguém fica feliz de repente só
porque alguém chegou e disse “Não fica triste não”.
Repare
que Jesus não gastava muitas palavras para consolar: ele agia para
gerar consolo. O Mestre, “movendo-se de íntima compaixão”, empatizava
com os infelizes, chorava com eles e não fazia nenhuma questão de dizer
“chora não, vai passar”. Pois Ele era “um homem de tristeza e
familiarizado com o sofrimento. Como alguém de quem os homens escondem o
rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima” (Is 53.3). Jesus
não forjava uma falsa felicidade. Em Mateus 26, vemos o Mestre, em um
momento de extrema infelicidade, dizer no Getsêmani a Pedro e aos dois
filhos de Zebedeu, entristecido e angustiado: “A minha alma está
profundamente triste até à morte”. Meu Deus… que declaração! De uma
honestidade e transparência que em nossos dias seria considerada vinda
de um derrotado, um fracassado, um ser de segunda classe: jamais de um
servo de Deus, pois, afinal, somos mais do que vencedores! Sorria, você é
filho do Rei! Sim, mas… o unigênito Filho do Rei chorou de compaixão da
infelicidade dos que estavam junto ao sepulcro de Lázaro e viveu sua
própria infelicidade na agonia do cálice que beberia em sua plenitude:
seu sorriso de agonia era banhado pelo suor de sangue que emoldurava
aquele rosto de amor.
“A minha alma está profundamente triste até à morte”. Uau. Que tapa na cara da nossa obrigação de parecer sempre feliz.
Podemos
considerar que a Bíblia é o álbum de fotografias de Jesus de Nazaré.
Nela estão registrados os principais momentos da vida do Cordeiro de
Deus. Mas, ao contrário dos nossos álbuns humanos, Ele não tentou nunca
simular uma felicidade inextinguível, uma vida de alegria todo dia. No
álbum de fotos de Jesus vemos sim momentos felizes, como a festa de
casamento em Caná, seus muitos encontros com seus amigos, sua entrada
triunfal em Jerusalém. Mas esse álbum é também o registro de sua
humilhação. O vemos cuspido. O vemos apanhando com chibatas. O vemos
sendo esbofeteado. O vemos sendo ofendido e caluniado. O vemos nu. Com
sua pele sangrenta totalmente exposta numa cruz, os genitais à mostra,
sem ter como cobrir sua vergonha porque suas mãos estavam cravadas na
madeira. Não, o álbum de fotos do Pão da Vida não teve nunca a intenção
de simular uma felicidade interminável e onipresente, mas sim a intenção
de desnudar a verdade da Verdade, para que nós mesmos possamos desnudar
a nossa verdade. Ante os homens e ante o Pai. Seja ela de felicidade ou
infelicidade. Que lição para seres que sentem-se na obrigação de estar
sempre aparentando felicidade!
Não simule uma existência paradisíaca e
extraordinariamente feliz, meu irmão, minha irmã. Celebre sim e muito os
momentos bons e alegres, isso é importante. Diria até que é vital. Mas
nunca perca a honestidade de reconhecer seus períodos de infelicidade,
pois eles são lamentavelmente muito preciosos. Eles moldam nosso
caráter, nos fazem refletir, nos levam a mudar de rumo, nos dão a
humildade de chegar em oração a Deus e confessar que só nele temos
felicidade acima de qualquer circunstância.
Meu desejo sincero é que no álbum de
fotografias da sua vida haja mais fotos de sorrisos do que de lágrimas.
Desde que os sorrisos sejam sinceros – a mera contração de músculos do
rosto não atesta um coração sorridente. Mas, se as lágrimas vierem, não
as esconda por trás de um sorriso forçado e obrigado. Fotografe-as na
sua lembrança para nunca se esquecer delas. Quem só quer se lembrar dos
momentos felizes está abrindo mão da sua verdade enquanto homem. Assuma
seus momentos infelizes. Deixe-os desempenhar seu papel em sua vida. E
jamais se esqueça deles – pelo contrário, ponha-os na melhor moldura que
puder.
No
Jardim das Oliveiras, o coração de Jesus se encheu de infelicidade. No
caminho do Calvário, o coração de Jesus se encheu de infelicidade.
Suspenso na cruz, o coração de Jesus se encheu de infelicidade. Só que,
mais à frente, depois do calvário e da crucificação, houve uma sepultura
vazia. Lembre-se que o pão e o vinho são uma foto dessa sepultura. São a
lembrança honestamente sorridente da vitória eterna. E é a foto desse
sepulcro que nos garante uma felicidade que durará para sempre, a partir
do momento em que dermos nosso primeiro passo na eternidade. E é por
isso que, creio eu, no Céu não haverá fotografias: pois lá não
precisaremos simular uma felicidade aparente. Lá, a felicidade não
dependerá de a demonstrarmos. Na eternidade, a felicidade simplesmente
é. A presença de Deus descartará no Céu o que será inútil, como
revela Apocalipse 21: não haverá templo algum, pois o Senhor Deus
todo-poderoso e o Cordeiro são o seu templo. Tampouco haverá sol nem
lua, pois a glória de Deus será a luz do Céu – e o Cordeiro, a sua
candeia. Suas portas jamais se fecharão de dia, pois ali não haverá
noite.
Sim, creio que no Céu não haverá fotos,
pois serão desnecessárias num lugar em que as melhores lembranças que
pudermos ter da vida terrena não deixarão saudades e onde caminharemos
ao lado de um Deus que enxugará dos nossos olhos toda lágrima. E lá não haverá mais morte. Nem tristeza. Nem choro. Nem dor.
Só felicidade.
Paz a todos vocês que estão em Cristo
Maurício
Fonte: Apenas
Parece que tudo e todos nos obriga à felicidade eterna no aqui e agora.
ResponderExcluirExcelente texto. Sou sempre enriquecido por seus escritos.
Se der visite rubclerm.blogspot.com.br
Deus continue o abençoando
Rubcler
Graça e paz Rubcler.
ExcluirObrigado pela visita e comentário, estarei lhe fazendo uma visita também.
Fique na Paz!
Pr. Silas Figueira