O processo começa com uma sensação de
perda. Uma impressão de que o quê ficou para trás era muito mais valioso
do que aquilo que está a sua frente. Uma sensação de que talvez, no
último cruzamento o caminho a ser tomado era o outro. Ou então que você
não devia ter saído do asfalto e se aventurado por esta estrada de chão.
O medo
também tem seu lugar neste processo. A sensação é de que se você não
olhar para trás alguma coisa vai te apanhar de surpresa. Te apanhar
desprevenido. Nada mais justo do que se proteger. Conhecer o seu
perseguidor, dar ritmo a mudança. Será que o meu passo está adequado?
Será que não preciso me apressar um pouco mais? Ilusão. Pura ilusão.
Tudo parece trabalhar de forma orquestrada para que você olhe para trás.
Os sinais deixam de fazer sentido. Mesmo
com sua cidade em vias de ser destruída, ainda que os avisos e sinais
apontem para o final breve, apesar de tudo e de todos. Só uma olhadinha.
Não vai fazer mal. Você já viveu lá por tanto tempo. Uma olhada apenas
para se despedir. Depois você promete que não olha mais.
Então, como se por espasmo, você começa a olhar para os lados. Parece que seu pescoço precisa dar uma giradinha, quase uma espreguiçada, um relax diria eu. Efeitos físicos da tentação. Uma espiada de canto de olho. Você não se contenta. Não dá para enxergar direito assim. É preciso parar, girar o corpo e fixamente olhar para o que ficou lá.
Pronto. Você olha. Era só isso que você precisava. Não doeu nada. Agora você pode se virar novamente e seguir em frente.
Mas aquela visão te hipnotiza. Aquela
vista familiar e saudosista te prende a atenção. Você fixa o olhar e aos
poucos não consegue mais se mexer. Subitamente um gosto salgado te
enche a boca e o calor da salvação dá lugar ao frio costumeiro da sua
antiga casa, sua antiga cidade.
Olhar para trás não é mais uma opção, é
um castigo. Seus olhos permanecerão eternamente abertos para ver o que
você deveria ter deixado para trás.
E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal. Gênesis 19:26
Fonte: Napec
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