“Todos se encheram do Espírito Santo e começaram a falar...” (Atos 2.1-11)
Por Derval Dasilio
A
pluralidade do mundo atual reflete-se nas cidades gigantescas de nossos
dias. Complexidade é a palavra identificadora. Um grande problema
urbano. Transporte, trabalho, saneamento, esgotos, hospitais, escolas,
logradouros, lazer, etc.. Pluralidade de ideias, de estilos de vida, de
culturas, de etnias e línguas. Incompreensão e intolerância marcam o
comportamento urbano. A maioria apresenta um cenário desfocado, que
nenhuma ditadura, subordinação, ordenação regulamentar, lei, consegue
controlar. Construir uma nova ordem a partir da cidade, com políticas
públicas razoáveis, igualitárias, é o sonho do administrador eleito. As
responsabilidades sobre o governo, porém, estão com os habitantes,
levando-se em conta as complexas relações sociais, uma rede
desprotegida, desamparada, desarmada e exposta à violência em toda
parte. Consagração completa da ruptura humana.
Instalam-se
na periferia ou nos bairros mais pobres, as regras caóticas que dominam
os centros urbanos. É impossível resistir à lógica da cidade, onde
dominam critérios e racionalidades inspiradas em negócios, competição,
disputa e dominação. A cidade não é o lugar onde prevalece o desejo
claro de se receber o sustento e alcançar qualidade de vida coletiva. É
só observar as diferenças entre os núcleos habitacionais populares, a
elitização da moradia dentro da geografia urbana, e os lugares
preferidos, shopping centers e “thematical parks”.
Carências,
provações, também são temas que acompanham esta cultura. Nas periferias
das cidades e metrópoles milhões conhecem os mesmos sofrimentos, as
mesmas doenças, as mesmas desigualdades. Cooptados pela propaganda que
incita à ganância, ao consumo, as classes bem-postas fecham os olhos
para os desgraçados, financiadas pelo sistema bancário, na “indústria da
felicidade aparente”, e seus inúmeros postos de venda. Não importa se o
dinheiro é imundo, o sistema financeiro manipula-o para seus fins.
A
rede de atendimento aos “famintos de felicidade” tornou-se um negócio
rendoso, e os usuários, para mantê-la, exigem mais exploração dos que já
são super-explorados. Os jovens são mantidos em excitação permanente.
Ecstasy, Viagra e “fast-food” são sinalizações orientadoras. Alguma
coisa semelhante a uma imensa jaula onde se prende e se controla a fé
através da ganância, templos gigantescos propõem as possibilidades de um
grande mercado, uma grande produção de fieis à mercê de personalidades
midiáticas também disponíveis no melhor lugar das salas evangélicas e
católicas.
Os valores da vida são fluidos e
dispersivos. A luta, a competição, o esforço pela supremacia, porém, são
sólidos e constantes, citando Sigmunt Baumann. Cada dia é um verdadeiro
calvário, na busca de altos níveis e qualidades aceitáveis para os que
habitam nossas cidades, incluindo moradias, locais “próximos de tudo”.
Que tudo é esse? O problema maior, no entanto, são os valores veiculados
em substituição aos tradicionais, sobre amor, solidariedade, compaixão e
cuidado com o outro.
Ideias voyeuristas expõem o
ser humano como mercadoria barata, afirmando isoladamente a falta de
importância do mesmo. Vive-se uma cultura sitiada pelo dinheiro, segundo
Jurandyr Freire. Todos ficam felizes em falar de moral, ciência,
religião, política, esportes, amor, filhos, saúde, alimentação saudável,
esteira rolante, eletrocardiograma, mamografia, ultrassom, próstata,
colonoscopia, e mesmo assim, nas palavras de Woody Allen, chega o dia
inevitável.
Um fantasma assombra quem vive na
cidade calcada na confiança nas tecnologias que a “salvarão”.
Repercussões do racionalismo instrumental. De um lado os gordos e bem
alimentados, “joging” e academias de ginástica; os que procuram espaços
públicos como formigas, gozando da escassa natureza; aqueles que
absorvem doses cavalares de solidão, carentes de comunhão diante de
“palm-tops” e “tablets”. Comem de tudo e em qualquer lugar, barris de
pipocas, hambúrgueres de três andares. Nos aeroportos, nas ruas, no
teatro e no cinema, nos templos...
Entram nas
farmácias procurando calmantes, medicamentos contra a tensão cotidiana,
drogas que serão consumidas em pilhas de caixas. De outro lado o imenso
contingente de pobres e carentes. Os famintos, alvos do nojo da cidade,
os que comem lixo e sobras, pivetes, crackeiros, viciados, moradores de
rua. Na periferia e favelas um contingente monumental, nem ousamos falar
de suas carências.
Paradigma perfeito da torre de
Babel, “portal dos deuses”, na tradução mais próxima da verdade
linguística. Ultimamente, a religião gananciosa, pentecostal “soft”,
carismática, pretende ocupar o lugar da torre símbolo da cidade. A
cidade pentecostal é símbolo da desordem na linguagem; da ganância, do
desespero da própria humanidade, que quer uma torre para projetos
egoístas e individualistas, aos privilegiados que nela poderão subir,
utilizando como escada ou elevadores os ombros e as costas dos outros.
O
ser humano quer a divinização de si mesmo, nas maiores alturas,
galgando os céus. Há uma premência de invadir a área do divino, um
projeto de controle e dominação do mundo. Ter, acumular, consumir.
Enquanto a Divindade é bajulada, é também pressionada para atender
desejos egoístas e gananciosos. Por isso, para reintroduzir a linguagem
do reinado de Deus, que é a da solidariedade, do amor, da dignidade, do
cuidado, da misericórdia, e da compaixão (Gn 11.1-9: “E era toda a terra
de uma mesma língua e de uma mesma fala”; At 2. 1-11: “... e numa só
linguagem, ouvirmos falar das grandezas de Deus”), a cidade caótica e
desordenada precisa de Pentecostes. E não do oportunismo midiático
“pentecostal”. Mais que isso, precisa do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, juntos, de uma só vez, como anuncia o Evangelho.
Fonte: Ultimato
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