É curioso observar como algumas igrejas
evangélicas tem facilidade em aceitar novidades. E é triste verificar a
falta de empenho dos cristãos em observar as Escrituras e analisá-las
com sensatez e cuidado. Triste também é saber que poucas são as igrejas
que motivam seus membros ao estudo sistemático da Bíblia, ao
aprofundamento teológico, a formação de grupos de estudo e discussão
sobre as doutrinas cristãs e que verifiquem na Bíblia se as coisas
realmente são como é pregado. Aliás, não é pecado analisar se os ensinos
e a pregação estão em conformidade com as Sagradas Escrituras (Atos
17.10-11).
Dentro desta miscelânea de revelações
e novidades que temos observado, é importante expressar-se sobre o
caráter das revelações: 1) as revelações nunca deverão ser colocadas
acima da Bíblia. A Bíblia é a palavra final e autoridade máxima, já que
se trata da inerrante Palavra de Deus; 2) Se a revelação está em
desconformidade com a Bíblia, descarte imediatamente tal revelação. Deus
não é Deus de confusão (1 Coríntios 14.33) As experiências pessoais não
podem ser colocadas acima das Escrituras Sagradas, pois estas já contêm
a revelação do propósito de Deus ao homem.
Nestes tempos de tantas novidades, algo
chama atenção de maneira muito preocupante na história recente da
igreja: trata-se do Apostolado Contemporâneo, ou Restauração Apostólica.
Muitos têm se levantado como apóstolos nestes dias. Apóstolos ungindo
apóstolos e criando uma hierarquia apostólica. Alguns pastores que,
talvez por se sentirem menores que seus colegas de ministério que foram
ungidos como apóstolos, ungem-se a si mesmos e se auto-proclamam
apóstolos. Não há fundamento para o chamado ministério apostólico
contemporâneo pelo simples fato do mesmo não possuir respaldo bíblico.
O termo
Segundo o Dicionário Bíblico Universal, o termo apóstolo “significa
mais do que um ‘mensageiro’: a sua significação literal é a de
‘enviado’, dando a idéia de ser representada a pessoa que manda. O
apóstolo é um enviado, um delegado, um embaixador” (Buckland & Willians, p. 35) . A Bíblia de Estudo de Genebra também aplica esta descrição, dizendo que apóstolo “significa ‘emissário’, ‘representante’, alguém enviado com a autoridade daquele que o enviou” (Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1272).
A frágil sustentação
Aqueles que defendem esta frágil
posição, têm se sustentado principalmente na má interpretação do texto
de Efésios 4.11 para o uso do ministério apostólico para nossos dias. O
texto de Efésios 4.11 diz: “E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres”.
A refutação
As regras mais simples de hermenêutica
nos ensinam que os textos sagrados nunca devem ser tirados de seu
contexto. E no contexto da epístola de Paulo aos Efésios, temos no
capitulo 2 o texto que prova que este ministério não mais existe. Antes
de citar o texto, é importante refletir: quando um prédio é construído, o
que é feito primeiro? As paredes ou a fundação da obra? É obvio que
todo alicerce, toda fundação é feita em primeiro lugar. Não é possível
construir as paredes e no meio das paredes fazer a fundação. Efésios
2.19-20 diz: “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas
concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a
pedra angular”.
Cristo é a pedra angular e os
fundamentos foram postos pelos apóstolos e profetas. Os evangelistas,
pastores e mestres são os responsáveis pela construção das paredes desta
obra. Como bem explica Norman Geisler “De acordo com Efésios 2.20,
os membros que formam a igreja estão ‘edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e dos profetas’. Uma vez que o alicerce está pronto, ele não é
jamais construído novamente. Constrói-se sobre ele. As Escrituras
descrevem o trabalho dos apóstolos e dos profetas, quanto à sua
natureza, como um trabalho de base” (Geisler, p. 375).
A Bíblia registra o uso do termo apóstolo a outros personagens. Russel N. Champlin explica que “há
também um sentido não técnico, secundário, da palavra ´apóstolo´.
Trata-se de uma significação mais lata, em que o termo foi aplicado à
muitas outras pessoas, nas páginas do NT. Esse sentido secundário dá a
entender essencialmente ´missionários´, enviados dotados de poder e
autoridade especiais” (Champlin, p. 288, v. 3). Nesse sentido o Ap. Paulo chamou a alguns irmãos por apóstolos seguindo este termo não técnico:
Personagem | Texto |
Tiago, irmão do Senhor | Gálatas 1.19 |
Epafrodito | Filipenses 2.25 |
Apolo | 1 Coríntios 4.9 |
Andrônico e Junias | Romanos 16.7 |
No contexto de Efésios 4.1, Paulo
não estava se referindo a estes homens, mas sim aos 12, Matias (que
substituiu Judas Iscariotes), e a si mesmo. Estes compunham, juntamente
com os profetas, o fundamento da igreja (Efésios 2.19-20).
Existiam duas exigências fundamentais para que um apóstolo fosse reconhecido para tal função:
1) Ser testemunha ocular da ressurreição de Jesus Cristo (Atos 1:21-22; Atos 1.2-3 cf. 4.33; 1 Coríntios 9.1; 15.7-8);
2) Ser comissionado por Cristo a pregar o Evangelho e estabelecer a igreja (Mateus 10.1-2; Atos 1.26).
Assim como Matias, que passou a integrar
o corpo apostólico por ser uma testemunha, Paulo, que se considerava o
menor, por ser o último dos apóstolos, contemplou a Cristo no caminho de
Damasco (Atos 9.1-9; 26.15-18), onde ocorreu o início de sua conversão.
Ou seja, ambos preenchem os pré-requisitos para tal função. No entanto,
os que se intitulam apóstolos em nossos dias não se encaixam nos
padrões bíblicos que validam o apostolado.
É interessante que, enquanto o Ap. Paulo refere-se a si mesmo como “o menor dos apóstolos”
(1 Coríntios 15.9), os atuais apóstolos tem por característica a fama e
a ostentação do título. Tudo é apostólico! A unção é apostólica! Os
eventos são apostólicos! As músicas são apostólicas! Nem de longe se
assemelham com a humildade dos apóstolos bíblicos. Eventos, cultos e
seminários se tornam mais interessantes quando a presença do Apóstolo Fulano é confirmada. É um chamariz: “venha e receba a unção apostólica diretamente do Apóstolo Beltrano”. Tais
apóstolos têm se colocado como super-crentes, uma nova e especial
classe da igreja, a elite cristã dos tempos modernos. Hoje existe de
tudo um pouco neste balcão mercantil da fé: Apóstolo do Brasil, Apóstolo
da Santidade, Apóstolo do Avivamento e até mesmo o mais popular
apóstolo brasileiro, chamado por muitos por “Paipóstolo”.
Existem hoje ministérios com características apostólicas,
no sentido das missões (envio) e no estabelecimento de igrejas. No
entanto, isso não faz de ninguém um apóstolo nos padrões bíblicos. A
forma como Wayne Grudem explica esse fato é muito esclarecedora: “Embora
alguns hoje usem a palavra apóstolo para referir-se a fundadores de
igrejas e evangelistas, isso não parece apropriado e proveitoso, porque
simplesmente confunde que lê o Novo Testamento e vê a grande autoridade
ali atribuída ao ofício de ‘apóstolo’. É digno de nota que nenhum dos
grandes nomes na história da igreja – Atanásio, Agostinho, Lutero,
Calvino, Wesley e Whitefield – assumiu o título de ‘apóstolo’ ou
permitiu que o chamassem apóstolo. Se alguns, nos tempos modernos,
querem atribuir a si o título ‘apóstolo’, logo levantam a suspeita de
que são motivados por um orgulho impróprio e por desejos de
auto-exaltação, além de excessiva ambição e desejo de ter na igreja mais
autoridade do que qualquer outra pessoa deve corretamente ter”. (Grudem, p. 764).
É equivocado aplicar o termo “apóstolo” para ministros contemporâneos. A Bíblia de Estudo de Genebra concluí que “Não
há apóstolos hoje, ainda que alguns cristãos realizem ministérios que,
de modo particular, são apostólicos em estilo. Nenhuma nova revelação
canônica está sendo dada; a autoridade do ensino apostólico reside nas
escrituras canônicas” (Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1272).
Tamanho o fascínio que os crentes
possuem por essa Restauração Apostólica, gera preocupação nas lideranças
mais sóbrias. Vale citar as sábias palavras de Augusto Nicodemus Lopes:
“Há um gosto na alma brasileira por bispos, catedrais, pompas,
rituais. Só assim consigo entender a aceitação generalizada por parte
dos próprios evangélicos de bispos e apóstolos auto-nomeados, mesmo após
Lutero ter rasgado a bula papal que o excomungava e queimá-la na
fogueira.” (Lopes, cf. blog do autor).
Conclusão
Os ofícios que o Novo Testamento expõem
para a igreja, para aqueles que compõem sua liderança, são: Apóstolos,
Pastores (ou Presbíteros, ou Bispos – já que todos os termos representam
a mesma função/ofício – Tito 1.5-7; Atos 20.17,28) e Diáconos. Esta
Restauração Apostólica não encontra subsídio bíblico ou histórico,
portanto, levando em conta este contexto, e considerando principalmente
que Paulo foi o último apóstolo, conclui-se que não existem apóstolos em
nossos dias. Cabe a igreja de nossos dias, exercer suas funções sem
invencionices e modismos, seguindo o puro e verdadeiro Evangelho.
Referências:
Buckland, AR. e Willians, L. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: 2001. Editora Vida
Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo: 1999. Editora Cultura Cristã
Geisler, N. e Rhodes, R. Resposta às Seitas. Rio de Janeiro: 2004. CPAD.
Champlin, RN. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, v. 3 e 4. São Paulo: 2002. Hagnos
Grudem, W. Teologia Sistemática. São Paulo: 1999. Edições Vida Nova.
AGIR – Agência de Informações Religiosas – www.agirbrasil.com
Augusto Nicodemus Lopes – http://tempora-mores.blogspot.com
Fonte: Napec
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