Por John MacArhtur
O egocentrismo não tem lugar na igreja. Nem devíamos dizer isso, mas,
desde o alvorecer da era apostólica até hoje, o amor próprio em todas as
suas formas tem prejudicado incessantemente a comunhão dos santos. Um
exemplo clássico e antigo de egocentrismo fora de controle é visto no
caso de Diótrefes. Ele é mencionado em 3 João 9-10, onde o apóstolo diz:
"Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes, que gosta de exercer a
primazia entre eles, não nos dá acolhida. Por isso, se eu for aí,
far-lhe-ei lembradas as obras que ele pratica, proferindo contra nós
palavras maliciosas. E, não satisfeito com estas coisas, nem ele mesmo
acolhe os irmãos, como impede os que querem recebê-los e os expulsa da
igreja".
Diótrefes anelava ser o preeminente em sua congregação
(talvez até mais do que isso). Portanto, ele via qualquer outra pessoa
que tinha autoridade de ensino – incluindo o apóstolo amado – como uma
ameaça ao seu poder. João havia escrito uma carta de instrução e
encorajamento à igreja, mas, por causa do desejo de Diótrefes por glória
pessoal, ele rejeitou o que o apóstolo tinha a dizer. Evidentemente,
ele reteve da igreja a carta de João. Parece que ele manteve em segredo a
própria existência da carta. Talvez ele a destruiu. Por isso, João
escreveu sua terceira epístola inspirada para, em parte, falar a Gaio
sobre a existência da carta anterior.
Na verdade, o egoísmo de
Diótrefes o tornou culpado do mais pernicioso tipo de heresia: ele
rejeitou ativamente e se opôs à doutrina apostólica. Por isso, João
condenou Diótrefes em quatro atitudes: ele rejeitou o ensino apostólico;
fez acusações injustas contra um apóstolo; foi inóspito para com os
irmãos e excluiu aqueles que não concordavam com seu desafio a
autoridade de João. Em todo sentido imaginável, Diótrefes era culpado da
mais obscura heresia, e todos os seus erros eram frutos de
egocentrismo.
Em nosso estado caído, estado de carnalidade, somos
todos assediados por uma tendência para o egocentrismo. Isto não é uma
ofensa insignificante, nem um pequeno defeito de caráter, nem uma ameaça
irrelevante à saúde de nossa fé. Diótrefes ilustra a verdade de que o
amor próprio é a mãe de todas as heresias. Todo falso ensino e toda
rebelião contra a autoridade de Deus estão, em última análise,
arraigados em um desejo carnal de ter a preeminência – de fato, um
desejo de reivindicar para si mesmo aquela glória que pertence
legitimamente a Cristo. Toda igreja herética que já vimos tem procurado
suplantar a verdade e a autoridade de Deus com seu próprio ego
pretensioso.
De fato, o egocentrismo é herético porque é a própria
antítese de tudo que Jesus ensinou ou exemplificou. E produz sementes
que dão origem a todas as outras heresias imagináveis.
Portanto,
não há lugar para egocentrismo na igreja. Tudo no evangelho, tudo que
igreja tem de ser e tudo que aprendemos do exemplo de Cristo golpeia a
raiz do orgulho e do egocentrismo humano.
Koinonia
As descrições bíblicas de comunhão na igreja do Novo Testamento usam a palavra grega koinonia.
O espírito gracioso que essa palavra descreve é o extremo oposto do
egocentrismo. Traduzida diferentemente por "comunhão",
"compartilhamento", "cooperação" e "contribuição", esta palavra é
derivada de koinos, a palavra grega que significa "comum". Ela
denota as ideias de compartilhamento, comunidade, participação conjunta,
sacrifício em favor de outros e dar de si para o bem comum.
Koinonia
era uma das quatro atividades essenciais que mantinha os primeiros
cristãos juntos: "E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão
[koinonia], no partir do pão e nas orações" (At 2.42). O âmago
da "comunhão" na igreja do Novo Testamento era culto e sacrifício uns
pelos outros, e não festividade ou funções sociais. A palavra em si
mesma deixava isso claro nas culturas de fala grega. Ela foi usada em
Romanos 15.26 para falar de "uma coleta em benefício dos pobres" (ver
também 2 Co 9.3). Em 2 Coríntios 8.4, Paulo elogiou as igrejas da
Macedônia por "participarem [koinonia] da assistência aos santos". Hebreus 13.16 diz: "Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação [koinonia]". Claramente, o egocentrismo é hostil à noção bíblica de comunhão cristã.
Uns aos outros
Esse
fato é ressaltado também pelos muitos "uns aos outros" que lemos no
Novo Testamento. Somos ordenados: a amar "uns aos outros" (Jo 13.34-35;
15.12, 17); a não julgar "uns aos outros" e ter o propósito de não por
tropeço ou escândalo ao irmão (Rm 14.13); a seguir "as coisas da paz e
também as da edificação de uns para com os outros" (Rm 14.19); a ter "o
mesmo sentir de uns para com os outros" e acolher "uns aos outros, como
também Cristo nos acolheu para a glória de Deus" (Rm 15.5, 7). Somos
instruídos a levar "as cargas uns dos outros" (Gl 6.2); a sermos
benignos uns para com os outros, "perdoando... uns aos outros" (Ef
4.32); e a sujeitar-nos "uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5.21).
Em resumo, "Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por
humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo" (Fp
2.3).
No Novo Testamento, há muitos mandamentos semelhantes que
governam nossos relacionamentos mútuos na igreja. Todos eles exigem
altruísmo, sacrifício e serviço aos outros. Combinados, eles excluem
definitivamente toda expressão de egocentrismo na comunhão de crentes.
Cristo como cabeça de seu corpo, a igreja
No
entanto, isso não é tudo. O apóstolo Paulo comparou a igreja com um
corpo que tem muitas partes, mas uma só cabeça: Cristo. Logo depois de
afirmar, enfaticamente, a deidade, a eternidade e a proeminência
absoluta de Cristo, Paulo escreveu: "Ele é a cabeça do corpo, da igreja"
(Cl 1.18). Deus "pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o
cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo" (Cl
1.22-23). Cristãos individuais são como partes do corpo, existem não
para si mesmos, mas para o bem de todo o corpo: "Todo o corpo, bem
ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa
cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação
de si mesmo em amor" (Ef 4.16).
Além disso, cada parte é
dependente de todas as outras, e todas estão sujeitas à Cabeça. Somente a
Cabeça é preeminente, e, além disso, "se um membro sofre, todos sofrem
com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam" (1 Co
12.26).
Até aquelas partes do corpo aparentemente insignificantes
são importantes (vv. 12-20). "Deus dispôs os membros, colocando cada um
deles no corpo, como lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um só membro,
onde estaria o corpo?" (vv. 18-19).
Qualquer evidência de egoísmo é
uma traição de não somente o resto do corpo, mas também da Cabeça. Essa
figura torna o altruísmo humilde em virtude elevada na igreja – e
exclui completamente qualquer tipo de egocentrismo.
Escravos de Cristo
A
linguagem de escravo do Novo Testamento enfatiza, igualmente, esta
verdade. Os cristãos não são apenas membros de um corpo, sujeitos uns
aos outros e chamados à comunhão de sacrifício. Somos também escravos de
Cristo, comprados com seu sangue, propriedade dele e, por isso,
sujeitos ao seu senhorio.
Escrevi um livro inteiro sobre este
assunto. Há uma tendência, eu receio, de tentarmos abrandar a
terminologia que a Escritura usa porque – sejamos honestos – a figura de
escravo é ofensiva. Ela não era menos inquietante na época do Novo
Testamento. Ninguém queria ser escravo, e a instituição da escravidão
romana era notoriamente abusiva.
No entanto, em todo o Novo
Testamento, o relacionamento do crente com Cristo é retratado como uma
relação de senhor e escravo. Isso envolve total submissão ao senhorio
dele, é claro. Também exclui toda sugestão de orgulho, egoísmo,
independência ou egocentrismo. Está é simplesmente mais uma razão por
que nenhum tipo de egocentrismo tem lugar na vida da igreja.
O
próprio senhor Jesus ensinou claramente este princípio. Seu convite a
possíveis discípulos foi uma chamada à total autorrenúncia: "Se alguém
quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e
siga-me" (Lc 9.23).
Os doze não foram rápidos para aprender essa
lição, e a interação deles uns com os outros foi apimentada com disputas
a respeito de quem era o maior, quem poderia ocupar os principais
assentos no reino e expressões semelhantes de disputas egocêntricas. Por
isso, na noite de sua traição, Jesus tomou uma toalha e uma bacia e
lavou os pés dos discípulos. Sua admoestação para eles, na ocasião, é um
poderoso argumento contra qualquer sussurro de egocentrismo no coração
de qualquer discípulo: "Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei
os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos
dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também" (Jo
13.14-15).
Foi um argumento do maior para o menor. Se o eterno
Senhor da glória se mostrou disposto a tomar uma toalha e lavar os pés
sujos de seus discípulos, então, aqueles que se chamam discípulos de
Cristo não devem, de maneira alguma, buscar preeminência para si mesmos.
Cristo é nosso modelo, e não Diótrefes.
Não posso terminar sem
ressaltar que este princípio tem uma aplicação específica para aqueles
que estão em posições de liderança na igreja. É um lembrete
especialmente vital nesta era de líderes religiosos que são
superestrelas e pastores jovens que agem como estrelas de rock. Se Deus
chamou você para ser um presbítero ou mestre na igreja, ele o chamou não
para sua própria celebridade ou engrandecimento. Deus o chamou a fazer
isso para a glória dele mesmo. Nossa comissão é pregar não "a nós
mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos
[escravos], por amor de Jesus" (2 Co 4.5).
Fonte: Editora Fiel
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