domingo, 3 de abril de 2011

MINISTÉRIO PASTORAL FEMININO: UMA PERSPECTIVA REFORMADA



Por Pr. Paulo César C. L. do Valle
*

A igreja ao longo dos séculos sempre esteve consciente de que as mulheres poderiam conhecer as Escrituras tão bem quanto os homens, algumas vezes até melhor do que eles, e que poderiam ser tão santas quanto eles, e algumas vezes bem mais do que eles. Mas a igreja sempre insistiu que a mulher, por mais erudita e santa, não deveria desempenhar uma função presbiteral na igreja, isto é, de acordo com o pressuposto da Teologia Bíblica, ela não poderia ser uma pastora. Este princípio foi posteriormente reafirmado pelos protestantes, especialmente na tradição reformada.

Contudo, em anos recentes, voltou-se a discutir o papel da mulher no âmbito da igreja e duas vertentes logo se estabeleceram como pressupostos do debate: a do condicionamento cultural, portanto variável e descritivo, e a teológica, portanto, supra-cultural e normativo.

Apesar de seu início tímido, o movimento engajado nessa discussão foi ganhando mais e mais força até que, a partir da década de 1970 e, especialmente na de 1990, as primeiras mulheres foram ordenadas ao ministério pastoral entre os metodistas, luteranos, anglicanos, presbiterianos unidos, presbiterianos independentes e batistas ligados à Convenção Batista Brasileira.

Aqueles que têm recorrido às mudanças nos padrões culturais como elemento regulador para que as mulheres ocupem a função de direção e pregação na igreja pressupõem que as mudanças sociais que elevaram as mulheres à posições jamais ocupadas seriam suficientes para legitimá-las em funções pastorais. Em 1987, o Conselho Mundial de Igrejas iniciou a Década Ecumênica de Solidariedade das Igrejas com as Mulheres. Com isso, ficou evidente que o movimento ecumênico estava consciente da importância do papel das mulheres no seio das comunidades cristãs.

Para o decênio 1988-1998, foram previstos os seguintes objetivos de uma nova caminhada:

1. Capacitar as mulheres para que se opusessem às estruturas opressoras que existiam na
comunidade mundial, em seus países e em suas igrejas;
2. Afirmar as contribuições decisivas das mulheres em suas igrejas e comunidades, compartilhando o trabalho de direção e a tomada de decisões, a reflexão teológica e a espiritualidade;
3. Tornar conhecidas as perspectivas e ações das mulheres em esforços e luta pela justiça, a paz e a integridade da criação;
4. Capacitar as igrejas para que se libertassem do racismo, do sexismo e do classismo e para que abandonassem as práticas discriminatórias para com as mulheres;
5. Estimular as igrejas para que empreendessem atividades de solidariedade com outras mulheres.

Aquilo que numa primeira leitura poderia parecer apenas mais um capítulo da luta feminista, adquiriu outro caráter, quando se sabe que esses objetivos deveriam ser alcançados ao reunir os conhecimentos e as experiências de mulheres e homens de origens e atividades diversas. O apelo mais forte, todavia, seria para as pessoas ligadas à igreja, sobretudo às mulheres. Para o grupo, devia-se considerar que Deus fez homem e mulher em iguais condições e ambos foram convidados a zelar eficazmente pela obra da criação. Dessa forma, não se poderia conceber a submissão da mulher ao homem, o que poderia ser explicado apenas por causa da influência grega a respeito do dualismo entre corpo e espírito, que tanto influenciou a cristandade primitiva.

Tal concepção privilegiava a alma, em detrimento do corpo e das atividades a ele relacionadas; assim, a mulher, que pertencia ao mundo físico, era inferior ao homem, que se ligava ao plano espiritual.

Mesmo hoje, com o passar dos anos, a fundamentação teórica para o ministério pastoral feminino continua sendo de caráter cultural, uma vez que as alegações são: “hoje, a mulher sai para trabalhar”; “hoje, a mulher obteve seu espaço”; “hoje, a mulher sustenta famílias inteiras”; “hoje, a mulher é CEO em multinacionais”.

Não podemos nos esquecer, entretanto, que o princípio regulador da igreja não é a cultura, mas as Escrituras. Devemos apelar para elas. Em 1 Timóteo 2.11-14, o apóstolo Paulo afirmou aquilo que vem sendo considerado um texto-chave para a compreensão do debate, tanto para os favoráveis quanto aos que se opõem ao ministério feminino:

A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.

Pelo contexto imediato da passagem, os falsos mestres semeavam dissensão e estavam preocupados com trivialidades (1 Tm 1.4-6), enfatizando um certo ceticismo como um meio de adquirir espiritualidade (1Tm 4.1-3). Consciente disso, Paulo aconselhou às jovens viúvas a que se “casem, criem filhos, sejam boas donas de casa” (1 Tm 5.14), funções estas que os falsos mestres tentavam dissuadi-las de praticar.[3]

Quando Paulo diz que “a mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão”, devemos considerar que o contexto era de ensino com a força e autoridade que vem da função presbiteral. O vocábulo grego para “silêncio” é o termo ησυχια, o mesmo que foi traduzido por “tranqüila” no versículo 2 deste mesmo capítulo. Assim, a preocupação de Paulo não era que elas devessem aprender, mas a maneira como deveriam aprender: “em silêncio” e “com toda a submissão”.

Entretanto, quando o apóstolo diz: “e não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio”, o contexto da proibição é aquele que se refere ao ensino público relacionado ao governo da igreja. De fato, “não permito” significa “é proibido”, e não “não é aconselhável”. Mas alguém poderia indagar: quem Paulo pensava que era para permitir ou não permitir alguma coisa na igreja de Deus? Entretanto, não podemos esquecer que o que Paulo disse à igreja, disse-o na presença de Deus, sob a inspiração do Espírito Santo, e usando um argumento doutrinal, como veremos a seguir. É notável que as duas coisas que fazem diferença entre um presbítero e um diácono é o papel de presidir e ensinar. Exatamente o que foi proibido à mulher em 1 Timóteo 2.12.

Havia espaço para o ensino feminino no cristianismo primitivo, e as Escrituras o demonstram:
(1) mulheres mais velhas ensinando mulheres recém-casadas (Tt 2.3-4);
(2) mulheres ensinando crianças (2Tm 3.14);
(3) mulher, junto ao seu marido, numa situação informal, ensinando a um outro homem (At 18.26); (4) profetizando, como as filhas de Felipe (At 21.9; 1Co 11.5), mas não no ofício presbiteral.

Notem, portanto, que as Escrituras não vetam a mulher de ocupar alguma função de ensino, desde que ocorra dentro desses enquadres.

Seguindo com os argumentos, nos versículos 13 e 14, Paulo disse: “Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”. Eis o fundamento teológico de Paulo: assim como o homem veio primeiro na ordem da criação, então deveria dar-se ao homem uma responsabilidade primária no seu relacionamento com a mulher. O seu argumento não veio do aspecto cultural – não dizia respeito apenas àquele contexto –, nem do pecado – que sofreria mudanças decorrentes da obra da redenção. Veio da ordem da criação em Gênesis:

Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? (...) Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu (Gn 3.1, 6).

No Éden, Satanás procurou inverter os papéis estabelecidos pelo Criador junto ao primeiro casal. Ele estava empurrando-a para o lugar de porta-voz do casal. Com isso, Paulo estava dizendo que se as mulheres em Éfeso (cidade onde Timóteo exercia seu ministério) proclamassem sua independência dos homens tanto na família quanto na igreja, recusando-se a aprender “em silêncio, com toda a submissão”, buscando papéis dados aos homens, cairiam no mesmo erro que Eva cometera e trariam desastre semelhante sobre si mesmas e sobre a igreja.

Outro texto que é relevante nesta discussão sobre o ministério feminino é 1 Timóteo 3.4-5: “E que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)”. Se o que Paulo escreveu a Timóteo era normativo no caso daquele que aspirasse ao episcopado, como relacionar essa norma com uma mulher no ministério já que ela não poderia satisfazer o requisito de governar a sua casa?

Se é, portanto, um teste para demonstrar a capacidade de liderar, como saber se uma mulher seria capaz de liderar a igreja de Deus se o texto não poderia ser aplicado a ela, uma vez que ela não é o cabeça do lar? Será que os valores familiares também deveriam ser alterados, isto é, o princípio da submissão requerida por Deus era também transitório, para aquela cultura? Certamente que não.

O problema não era, como querem alguns, cultural, mas a questão é teológica, portanto permanente, e não transitório. O apóstolo apelou para um princípio estabelecido na criação e violado na queda: o princípio da liderança masculina. Ele não estava dizendo que a mulher jamais pudesse ensinar qualquer coisa ou exercer qualquer tipo de autoridade. Antes, o apóstolo está argumentando que assumir o ofício presbiteral implicaria que a mulher poderia ensinar aos homens com a autoridade que o ofício empresta, e participar do governo da igreja, exercendo autoridade sobre os homens crentes, o que contraria o princípio aqui afirmado.

Algumas mulheres supõem que a manutenção do ministério pastoral masculino pretende demonstrar a superioridade masculina estabelecida pelos traços culturais. Mas isso nada tem a ver com superioridade existencial do homem. Por isso, a doutrina trinitariana pode nos oferecer grande contribuição para esta abordagem, pois podemos considerá-la sob duas óticas possíveis e perfeitamente aplicáveis à relação homem-mulher: a da ontologia divina e a da economia divina.

O termo Trindade ontológica refere-se ao ser de Deus na sua essência. Ela ensina que, nos termos de essência, natureza e ser, Deus, o Pai, não é superior a Deus, o Filho, que não é superior a Deus, o Espírito. São iguais em essência, natureza e ser. Ontologicamente, não há hierarquia entre as pessoas da Trindade (cf. Ef 1.6, 12, 14).

Por outro lado, há o conceito da Trindade econômica, que se refere aos ofícios de cada uma das pessoas da Trindade, por exemplo, na obra da salvação: Deus, o Pai, elegendo (Ef 1.3-6a); Deus, o Filho, redimindo os eleitos (Ef 1.3b-12); Deus, o Espírito, selando os eleitos redimidos (Ef 1.13-14). Assim, embora existencialmente o Filho não seja inferior ao Pai, ainda assim, voluntariamente, ele se submete ao Pai (Jo 6.38; 14.28, 31); da mesma maneira, embora o Espírito não seja inferior ao Filho, voluntariamente ele se submete ao Filho (Jo 14.26; 15.26; 16.14), para o cumprimento dos propósitos da Trindade.

Para o contexto do relacionamento entre um homem e uma mulher, estes conceitos são extremamente importantes, pois, à semelhança da Trindade, nesse relacionamento encontramos também questões ontológicas e econômicas. Paulo ressaltou os aspectos ontológicos e econômicos entre homem e mulher, afirmando: “Não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28). E, ainda: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo o homem, e o homem o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo” (1Co 11.3). Assim, pode-se afirmar que, ontologicamente, como Deus, o Pai, não é superior a Deus, o Filho, o homem não é, ontologicamente, superior à mulher; entretanto, como Deus, o Filho, submeteu-se voluntariamente a Deus, o Pai, “assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido” (Ef 5.24).

A Deus toda glória!

Notas:
[1] DEVER, Mark & ALEXANDER, Paul. Deliberadamente Igreja. São José dos Campos: Fiel,
2008. p. 112.
[2] O texto integralmente lido na cerimônia de colação que temos considerado foi publicado em: VALLE, Paulo César C. L. Uma Perspectiva Teológica do Ministério Pastoral, pp. 411-415, in: FERREIRA, Franklin (Ed.). A Glória da Graça de Deus: Ensaios em Honra a J. Richard Denham Jr. São José dos Campos: Fiel, 2010.
* Graduado em Teologia com especialização em Teologia Exegética pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil; graduado em Linguística pelo Centro Universitário Geraldo Di Biase; pósgraduando em Língua Portuguesa pelo Centro Universitário Geraldo Di Biase e em Filosofia e Sociologia pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras; pastor da Igreja Batista de Fé Reformada.
[3] Os versículos de 8 a 11 sugerem que os falsos mestres estavam incentivando as mulheres a se destacarem do que poderíamos chamar de tradicionais papéis femininos, em favor de uma abordagem mais igualitária – vestido ostensivo e cabeleira frisada, no mundo antigo, às vezes podia indicar uma mulher de moral fraca e independente do marido.

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