Por John Piper
A tarefa dos estudiosos cristãos é estudar a realidade como manifestação da glória de Deus, falar dessa realidade com exatidão e sentir a beleza de Deus presente nela. Creio que Edwards consideraria uma enorme abdicação da erudição o fato de tantas obras acadêmicas cristãs fazerem tão pouca referência a Deus. Se todo o universo e tudo que há nele existem em função do desígnio de um Deus infinito e pessoal, com o propósito de tornar a sua glória multiforme conhecida e amada, tratar de qualquer assunto sem se referir à glória de Deus não é erudição, mas sim rebelião.
Além disso, a exigência é ainda maior: a erudição cristã deve ser imbuída do sentimento espiritual pela glória de Deus em todas as coisas. A maioria dos estudiosos sabe que, sem o apoio da verdade, os sentimentos se transformam em emocionalismo infundado. Porém, não são muitos os estudiosos que reconhecem o oposto: sem despertar os verdadeiros sentimentos espirituais é impossível ver a verdade integral em todas as coisas.
Assim, Edwards diz: "Onde há um tipo de luz sem calor, uma mente repleta de conceitos e especulações, com um coração frio e intocado, não pode haver coisa alguma de caráter divino nessa luz, esse conhecimento não é o verdadeiro conhecimento espiritual das coisas divinas".
Há quem possa objetar, afirmando que a psicologia, a sociologia, a antropologia, a história, a física, a química, o idioma e as ciências da computação não são "coisas divinas", mas sim "coisas naturais". Essa idéia, porém, deixa de fora a primeira questão: a fim de vermos a realidade como ela é de fato, devemos vê-la em relação ao Deus que a criou, que a sustenta e lhe dá todas as propriedades que possui e todas as suas relações e propósitos. Ver todas essas coisas em cada disciplina é ver "as coisas divinas" - e, no final, são elas que importam. Portanto, Edwards afirma que não podemos divisar essas coisas e, por conseguinte, não podemos exercitar a erudição cristã, se não tivermos uma percepção espiritual ou um gosto por Deus - se não tivermos a capacidade de captar a beleza de Deus naquilo que ele criou.De acordo com Edwards, essa percepção é dada por Deus por meio do novo nascimento sobrenatural, realizado pela Palavra de Deus. "O primeiro efeito do poder de Deus sobre o coração na regeneração é dar ao mesmo uma percepção divina ou uma inclinação por Deus, levando o coração a se deleitar com a beleza e a doçura da excelência suprema da natureza divina."52 Portanto, a fim de exercitar a erudição cristã, a pessoa deve ser nascida de novo; ou seja, a pessoa não deve apenas observar os efeitos da obra de Deus, mas também se deleitar com a beleza encontrada na natureza de Deus.
Edwards afirma que o trabalho racional não é em vão, mesmo considerando-se que tudo depende do dom gratuito de Deus da vida e da visão espiritual. Isso porque "quanto mais a pessoa possuir conhecimento racional das coisas divinas, mais oportunidade terá, quando o Espírito for soprado no seu coração, de ver a excelência dessas coisas e sentir a sua doçura".
Fica claro que, ao falar de "conhecimento racional", Edwards não está se referindo ao racionalismo que exclui filosoficamente as "coisas divinas". Em se tratando da erudição cristã, é ainda mais relevante o fato de que, para Edwards, o "conhecimento racional" também exclui uma imitação metodológica, por parte dos cristãos, do racionalismo encontrado nas obras acadêmicas. Creio que Edwards consideraria uma parte da erudição cristã de hoje metodologicamente ininteligível em função da exclusão de fato de Deus e de sua Palavra dos processos de raciocínio. Ao que parece, esse tipo de erudição pode ser atribuído ao desejo de obter o reconhecimento e a aceitação dos meios acadêmicos em geral. No entanto, o preço a ser pago por esse respeito é extremamente alto. E acredito que Edwards questionaria se, a longo prazo, essa transigência não acabará por enfraquecer a influência cristã que visa à exaltação de Deus, uma vez que a concessão ao naturalismo fala mais alto do que o objetivo da supremacia de Deus em todas as coisas. Não apenas isso, mas também a própria natureza da realidade será distorcida por estudiosos que adotam uma metodologia que não prioriza o fundamento, a força e o objetivo da verdade, ou seja, Deus. Sempre que Deus é metodologicamente deixado de lado, torna-se impossível interpretar a realidade com precisão.
De que maneira, então, esse conceito de erudição cristã é resultante da verdade de que a demonstração da glória de Deus e a alegria mais profunda da alma humana são a mesma coisa? Deus demonstra a sua glória na realidade criada que está sendo investigada pelo estudioso (SI 19.1; 104.31; Cl 1.16,17). E, no entanto, o propósito de Deus ao fazer essa demonstração não é cumprido se o investigador não a observa e sente. Assim, a experiência, a satisfação e o prazer do estudioso com a beleza da glória de Deus são uma ocasião em que a demonstração dessa glória é consumada. Nesse momento, as duas coisas se tornam uma só: o engrandecimento da glória de Deus é concretizado na observação e na experiência que ocorre na mente e no coração do estudioso. Quando o eco da glória de Deus repercute nas afeições do estudioso consagrado a Deus e ressoa no que ele diz e escreve, o propósito de Deus para a erudição é cumprido.
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