sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Soberania de Deus: Logicidade x Biblicidade


Por Yago Martins

Uma das mais famosas objeções à Soberania de Deus é a suposta incoerência lógica em aceitar que O Senhor preordena cada detalhe do universo e, mesmo assim, os homens continuam agentes responsáveis. É interessante notarmos, primeiramente, que essa não é uma critica teológica, mas filosófica. Ou seja, ela apresenta uma falta de comprometimento com os textos bíblicos que defendem a Soberania Absoluta de Deus sobre tudo e atem-se às considerações decorrentes da análise teológica. Logo, essa questão não é o centro da discussão (que são os textos bíblicos), mas um ponto secundário.

É triste ver que algumas pessoas rejeitam algum ensino ou por não gostarem dele ou por o acharem intelectualmente confuso, quando, na verdade, o único ponto que deveria influir na aceitação de uma doutrina deveria ser sua coerência com as Escrituras. Quando vejo alguém rejeitar a Soberania de nosso Deus porque isso soa paradoxal, só posso acreditar que tal homem não crê verdadeiramente na Sola Scriptura.

Deixe-me citar um exemplo. Se considerarmos as “Testemunhas de Jeová”, veremos que elas submetem as Escrituras à sua lógica, e não o contrário. Elas alegam que é logicamente incoerente um Deus amoroso mandar pessoas para sofrerem eternamente no inferno. Essa é a base para a interpretação delas. Assim sendo, ao invés das Escrituras ditarem o que é lógico ou não, essa análise fraca delas é quem guia a leitura bíblica. Logo, todo verso que fala do inferno de fogo é deturpado, retalhado e ignorado. É certo que a maioria das pessoas age assim. Os conceitos pré-formados é que ditam o entendimento das Sagradas Letras. No lugar de submeter o que cremos ser lógico à Luz das Escrituras, queremos que a Bíblia siga nossos pobres e inferiores padrões de raciocínio. Com isso, não só minimizamos Deus, mas também deturpamos Sua Palavra.

Voltando a questão inicial, precisamos responder a alegação de que é contraditório Deus preordenar cada detalhe do universo, até mesmo os desígnios dos homens, e os seres humanos continuarem sendo responsáveis pelas suas atitudes. Para isso, precisamos definir o que é um pa-radoxo, uma contradição e um mistério.

Resumidamente, paradoxo é uma aparente contradição que, com uma análise mais profunda, poderá ser descoberta como uma contradição ou não. Por exemplo, quando Jesus disse que quem perdesse a vida por causa d'Ele a acharia (Mt 10:39), isso é um verdadeiro paradoxo. Como eu acho a minha vida perdendo-a? Com um estudo mais cuidadoso, vemos que o que Jesus estava dizendo era que quem perde sua vida nesta terra, encontrará vida novamente nos céus. Logo, esse paradoxo revelou-se como coerente e não como uma contradição.

Sobre o que significa uma contradição, R. C. Sproul o define muito bem em seu livro Essential Truths of the Christian Faith:

O termo paradoxo é freqüentemente mal-interpretado como sendo sinônimo de contradição; agora, inclusive, aparece em alguns dicionários como um significado secundário desse termo. Uma contradição é uma afirmação que viola a lei clássica da não-contradição. A lei da não-contradição declara que A não pode ser A e não-A ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Quer dizer, algo não pode ser o que é e não ser o que é ao mesmo tempo e no mesmo contexto. Essa é a mais fundamental de todas as leis da lógica. Ninguém pode entender uma contradição, porque uma contradição é inerentemente incompreensível. Nem mesmo Deus pode entender contradições; entretanto, certamente Ele pode reconhecê-las pelo que são - falsidades.

Já o termo mistério refere-se a algo que ainda não nos foi revelado pelas Escrituras. Algo que nós não conseguimos compreender nesta terra, mas que entenderemos quando Cristo nos revelar nos céus.

Então, depois que consideramos esses termos, o que dizer sobre a Soberania de Deus e a responsabilidade do homem? Primeiro, precisamos analisar o que as Escrituras dizem sobre isso. E neste ponto, podemos ver claramente o Senhor mostrando-se Soberano sobre o homem enquanto este é responsável por suas escolhas:

1. Deus engana o profeta e o pune por ter sido enganado;

"E se o profeta for enganado, e falar alguma coisa, eu, o SENHOR, terei enganado esse profeta; e estenderei a minha mão contra ele, e destruí-lo-ei do meio do meu povo Israel. E levarão sobre si o castigo da sua iniqüidade; o castigo do profeta será como o castigo de quem o consultar" (Ezequiel 14:9,10).

2. O Faraó endurece o próprio coração, sendo Deus o responsável por tal atitude;

“Vendo Faraó que cessou a chuva, e a saraiva, e os trovões, pecou ainda mais; e endu-receu o seu coração, ele e os seus servos. Assim o coração de Faraó se endureceu, e não deixou ir os filhos de Israel, como o SENHOR tinha dito por Moisés. Depois disse o SENHOR a Moisés: Vai a Faraó, porque tenho endurecido o seu coração, e o coração de seus servos, para fazer estes meus sinais no meio deles, e para que contes aos ouvidos de teus filhos, e dos filhos de teus filhos, as coisas que fiz no Egito, e os meus sinais, que tenho feito entre eles; para que saibais que eu sou o SENHOR” (Êxodo 9:34 – 10:2).

3. Os homens mataram Jesus, porém Deus havia pré-determinado tal ato;

"A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendes-tes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos" (Atos 2:23).
"Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer" (Atos 4:27,28).

4. Satanás incitou Davi a fazer um censo, sendo isso uma punição do próprio Deus.

"Tornou a ira do SENHOR a acender-se contra os israelitas, e ele incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, levanta o censo de Israel e de Judá” (II Sm 24:1).
“Então, Satanás se levantou contra Israel e incitou a Davi a levantar o censo de Israel” (1 Cr 21:1)

Como negar tais textos? O próprio Deus, cuja vontade ninguém pode resistir, engana o pro-feta para profetizar e condena-o por ter profetizado. O Faraó endurece o próprio coração – sendo condenado por isso – ao mesmo tempo em que Deus é quem endurece o coração dele. Os homens cometeram o pecado de matar Jesus, mas Deus havia predeterminado tal ato desde antes da fundação do mundo. Foi Satanás quem incitou Davi ou foi Deus quem o fez? Existem várias considerações que precisariam acompanhar esses textos, mas, por ora, a resposta suficiente é: Deus é Soberano sobre tudo de um modo tal que, incompreensivelmente, os seres continuam agentes livres e responsáveis.

Muitos poderão levantar-se e retrucar: “Isso é contraditório!”. Na verdade, isso é paradoxal. Não encontramos a regra da não-contradição sendo quebrada em parte alguma. Ou seja, precisamos de uma análise mais profunda para descobrir se esse paradoxo é coerente ou não.

Embora isso não seja unânime, acredito que esse paradoxo, na verdade, é um mistério. As Escrituras não revelam como Deus opera para que o homem seja responsável por suas atitudes ao mesmo tempo em que Ele preordena cada atitude dos homens. Outros podem questionar que, por ser algo que não nos foi revelado, não pode ser ensinado ou crido. Mas será que isso é realmente coerente? Para muitos, os elétrons se comportarem como ondas e partículas simultaneamente é paradoxal, mas isso não deixa de ser ensinado nas escolas, pois eles acreditam que, no futuro, quando homens com mentes mais elevadas surgirem, os estudos avançarão e conseguiremos compreender esse mistério.

A questão real é: o que define uma doutrina como ilógica? Creio que sua incoerência com as Escrituras, e não sua facilidade de ser entendida. Sei que teremos uma resposta lógica de Deus nos céus, quando nossa mente for restaurada e elevada, mas, hoje, só posso esperar que os homens contentem-se com a informação que temos: “A Bíblia assim ensina”. Desta maneira, confiaremos mais no que Deus revela através de Sua Palavra, e não em nossa pobre ignorância. Obedeceremos, assim, o mandamento de Deuteronômio: “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR...” (29:29).

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