quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

QUAL A INFLUÊNCIA DE SATANÁS NA TENTAÇÃO?


Por Solano Portela

1. A Bíblia explica pouco sobre a mecânica da tentação, no que diz respeito ao papel de Satanás. Ela fala da realidade da tentação e sobre a influência maligna de Satanás, mas não entra em detalhes do processo, especialmente no que diz respeito ao crente. Os textos de Tiago (1.13-27), que são os que mais detalhadamente apresentam o modus operandi da tentação, parecem ter sido destinados a reafirmar categoricamente (1) que a origem do Mal não pode ser atribuída a Deus, (2) que existe pecaminosidade e concupiscência nata e latente em cada pessoa e (3) que não existe desculpa às pessoas quando elas caem em tentações, pois, seguindo a própria inclinação da carne, permitem a transformação da tentação em pecado. Quer me parecer que se a intenção da doutrina fosse estabelecer o papel de Satanás e sua penetração no íntimo do pensamento humano, este seria o local para detalhar a sua atuação — mas ela silencia e não deixa nem o próprio Satanás ser mencionado e responsabilizado pela transformação da tentação em pecado, lançando um chamado à nossa responsabilidade individual.

2. Na realidade, a Bíblia, fala pouquíssimo sobre a origem de Satanás. Ela nem tenta prová-la. Sua existência e personalidade é presumida e apresentada ao longo de toda a narrativa e dos textos tanto históricos como doutrinários. Essas são as coisas que nos foram reveladas. Obviamente muitas permanecem ocultas e, nesse sentido, no âmbito do conhecimento divino, não o nosso.

3. Podemos procurar escritos de reformadores e de teólogos de maior expressão e importância em nossa doutrina reformada, que escreveram no transcurso da história da Igreja, algum posicionamento sobre a questão, mas vamos encontrar quase nada desenvolvido ou apresentado. Esse fato, em paralelo aos pontos 1 e 2, acima, deveria nos levar ao caminho da prudência, no que diz respeito a afirmações mais ousadas e diretas sobre os poderes de Satanás, que é anjo caído.

4. Um dos tratamentos mais extensos que encontraremos, é o do grande teólogo Charles Hodge. Uma das suas colocações é: “… no que diz respeito ao conhecimento dos anjos, ao modo como operam, ou quanto aos objetos desse conhecimento, nada em especial é revelado …” (Systhematic Theology, pg. 638 do Vol. I). Ele continua indicando que “…. o seu poder tem grande extensão sobre mentes e matéria. Eles se comunicam uns com os outros e com outras mentes”. Note, porém, que ele não vai além da admissão de comunicação. Continua, em outro ponto: eles “… possuem as limitações de criaturas. Não podem mudar substâncias, alterar leis da natureza, realizar milagres, agir sem os devidos meios, pesquisar os corações – todas essas prerrogativas de Deus”. De acordo com Hodge, os poderes dos anjos são, portanto:

a. Dependentes e derivados.
b. Exercidos de conformidade com as leis do mundo material e espiritual.
c. Não de intervenção aleatória, mas permitida ou coordenada por Deus.

Os Anjos não mediam e não devemos atribuir efeitos a eles que a Bíblia atribui à agência e à providência de Deus. Em um ponto, Hodge diz que “… eles possuem acesso às nossas mentes e podem influenciá-las para o bem de acordo com a lei de suas naturezas, pelo uso de meios apropriados. Podem sugerir verdades e direcionar nossos pensamentos e sentimentos. Se os anjos se comunicam entre si, não existe razão porque não podem, de forma semelhante, se comunicar com outros espíritos. Um anjo fortaleceu o nosso Senhor Jesus Cristo, no jardim… Sl 91.11, 12; 34.7; Mt 18.10; Lc 16.22”. Mas ele alerta para o fato de que “… grandes problemas e males tem surgido pelo exagero dos poderes e agências dos espíritos malignos. Criou-se a noção de que eles podem estabelecer pactos e concertos com pessoas – esse entendimento resultou nas perseguições por feitiçaria e encantamento que escreveram páginas negras nos anais das nações e da igreja”. Hodge conclui alertando que é suficiente se aderir ao ensino claro das Escrituras e chama atenção para a visão mística de Lutero, que possuía o ensinamento errôneo de que todos os males físicos observáveis, procedem da agência do Diabo, como por exemplo, um incêndio em uma residência, atribuindo poderes a Satanás muito superiores aos que a Bíblia considera, e confundindo até a providência divina em paridade com os atos do maligno (quando, na realidade, até o maligno está englobado no governo soberano de Deus – sem que Deus seja o autor do pecado).

5. Devemos reconhecer que existe a necessidade real das pessoas se conscientizarem de que Satanás não é uma proposição acadêmica, mas um personagem real que ameaça a todos e que se compraz em nos derrubar, mas deveríamos caminhar até onde a Palavra nos leva.

6. As afirmações categóricas da Fé Reformada são encontradas exatamente na riqueza de detalhes do trabalho de Cristo e na declaração de sua vitória sobre Satanás, que abriga todos os salvos sob essa gloriosa liberdade da escravidão. Veja, por exemplo, o Catecismo de Heildeberg, em sua pergunta — “Qual o seu único conforto na vida e na morte?” e trecho de sua respectiva resposta: “… Ele plenamente pagou por todos os meus pecados com o Seu precioso sangue e me libertou de todo o poder do Diabo”. Nesse sentido, Satanás não tem poder sobre os que foram lavados pelo sangue do Nosso Senhor Jesus Cristo (1 Jo 3.8; 4.4; 5.18). Os crentes fazem parte de um povo vencedor, escolhidos por Cristo para a vitória — nossos irmãos devem ser relembrados disso, ao mesmo tempo em que se conscientizem da realidade de Satanás e de sua permanente luta contra Cristo e contra os Seus.

7. Alguns pontos que são afirmados por muitos irmãos carecem de um embasamento maior. Por exemplo:

a. A divisão da psyche humana em “consciente”, “subconsciente” e “inconsciente” – fórmula em que muitos se baseiam para desenvolver uma explicação da mecânica da tentação – não é uma verdade tão universalmente aceita, assim. Isso pode até parecer um esquema didaticamente interessante, mas não é derivado de nenhuma passagem bíblica (e ela disseca bem o homem interior, em Romanos 1 e 2) e tal divisão tem sido habilmente contestada por muitos.

b. Muito indicam que o diabo pode exercer “irresistível influência em nós”, mas a Palavra afirma exatamente o contrário – mandando-nos resistir (Tg 4.7) e indicando que não existe provação acima de nossas forças (1 Co 10.13). Além disso, temos muitos trechos das Escrituras que nos falam da vitória de Cristo e dos Seus sobre Satanás.

c. Outros afirmam que o Diabo pode “habitar nos seres humanos, desde que lhe dê espaço”. Essa afirmação genérica deixa margem para inclusão até dos escolhidos, o que seria uma contradição bíblica com passagens que afirmam o trabalho completo de redenção da Igreja de Cristo. A expressão “desde que lhe dê espaço” não se harmoniza, tão pouco com os relatos de possessão demoníaca de descrentes encontrados na Bíblia, pois, nos casos registrados não há qualquer indicação de que “foi dado espaço”, ou seja, de que a possessão era voluntária e optativa pelo possuído.

d. Às vezes faz-se objeção à utilização da palavra “onisciência”, como exclusiva da divindade, dizendo-se que esse termo não ocorre na Bíblia. Entretanto, da mesma forma, “trindade” também não aparece. A ausência de ocorrência não torna a doutrina da onisciência menos bíblica do que a da trindade, sendo que ela é sempre apresentada como prerrogativa de Deus.

e. Às vezes crentes colocam considerável poder na pessoa de Satanás, mas procuram limitar e diferenciar esse poder do poder divino dizendo que o poder de conhecimento de Satanás se limita Satanás à ciência do presente. Entretanto, todos esses reconhecem que estão a serviço do Diabo agoureiros, cartomantes e outros que se propõem exatamente a ler e revelar o futuro.

f. Muitos acreditam que o Diabo pode exercer influência em nossas pessoas “por habitação”. Essa afirmação, realmente, entra em terreno bem perigoso e confuso, abrindo a porta para o ensinamento não bíblico de possessão demoníaca na vida dos crentes.

g. Algumas pessoas falam da influência de Satanás “por habitação”. Uma exposição desse ponto chegou a a utilizar, como prova, Lc 4.13. Acontece que este verso fala da tentação de Cristo e diz “e, acabando o DIABO toda a tentação, ausentou-se dele por algum tempo”. A Palavra de Deus descreve a tentação de Cristo como sendo uma intensa interação de comunicação na forma de diálogo e, presença real dos dois no deserto. Fisicamente Cristo é trasladado de um ponto para outro e assim por diante. Não existe qualquer indicação que o Diabo estivesse tentando a Cristo “por habitação”. O retirar-se de Satanás foi da presença de Cristo, não do INTERIOR de sua pessoa, como infere o desenrolar dessa argumentação.

8. A Palavra de Deus contém o registro de vários casos de possessão demoníaca sofridas por descrentes, mas não detalham (exceto o texto já referido de Tg 1.13) a mecânica da tentação. Outros (como no caso de Paulo) falam da realidade e da presença do pecado até na vida do crente – ensinamento contra o qual não temos qualquer objeção e que é assim entendido por nossos símbolos de Fé. Por fim, neste ponto, uma exegese correta de Ap. 2.13, mostrará que a expressão “trono de Satanás” tem um significado histórico bem palpável e real e não se refere a Satanás fazer morada no meio daqueles que constituem a igreja resgatada por Cristo — prerrogativa essa do próprio Espírito Santo.

9. Algumas vezes, na tentativa de esclarecer os fiéis, muitos irmãos geram, na realidade, confusão com um som de trombeta dissonante. Será difícil achar um cristão que não afirme que o Diabo não tem poder sobre Jesus. Muitos também concordarão que ele não tem poder sobre os amados do Senhor (ótimo!). Mas um grande segmento afirma – “…nas horas que estamos fracos, isso pode acontecer”. Afinal, pensa o nosso irmãozinho que ouve o ensinamento, “tem poder ou não tem?”

Com freqüência somos atraídos por pontos especulativos e às vezes passamos à frente idéias não solidificadas, do ponto de vista teológico. Encontramos controvérsia e dificuldades e enfrentamos problemas. É bem possível que Deus queira nos levar a verificar a importância de nos limitarmos ao claro ensinamento das escrituras ou à simples pregação expositiva. Afinal, temos tanto que caminhar, e as coisas óbvias são tão desrespeitadas em nosso meio, porque especular no ensino?

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