A filosofia das luzes preconizou a idéia de que só há legitimidade na autoridade da razão considerada apta para legislar para si, sem a tutela de qualquer heteronomia. Para Max Weber, a legitimidade do poder legal funda-se na crença da legalidade das normas de um regime, estabelecida propositalmente e de modo racional. De forma diferente, a autoridade tradicional busca fundamentar sua legitimidade no respeito às instituições consagradas pela tradição e à pessoa que detém o poder, cujo direito de comando é conferido pela tradição.
O século 18 legou à sua posteridade o preconceito, no sentido negativo, em relação à tradição, compreendendo que esta sempre esteve atrelada ao complexo da religião. Como os postulados desta última foram enfraquecidos pelo uso instrumental da razão iluminista (quando esta critica o caráter indemonstrável de realidades prescritas nas crenças teológicas), a autoridade da tradição religiosa foi vilipendiada pela afirmação preconizada no aforismo kantiano: “O Iluminismo é a saída do homem de sua minoridade”.
A autonomização do eu, reivindicada na sugestiva filosofia da existência do niilismo nietzschiano, reforçou a tese iluminista da decadência da religião no Ocidente pós-cristão. E com seu declínio, houve desdobramentos axiológicos que acabaram sendo exportados para o âmbito social das interações intraeclesiásticas.
A pluralização do fenômeno religioso, uma consequência do processo da secularização, também contribuiu para o inflacionamento da crise de legitimidade da autoridade religiosa. Considerando que por trás desta crise de natureza política da autoridade traditivo-religiosa existe uma pergunta com intenção de desconstruir a plausibilidade da autoridade dos dogmas cristãos, a consequência desta crise acabou afetando a dimensão subjetiva da psicologia humana no contexto da sociedade moderna. A relativização da verdade teológica, na era da ciência moderna, descapitalizou a submissão cognitiva irrestrita mesmo das pessoas que transitam no reino da religião que se insere no contexto da modernidade, produzindo a atitude irreverente destas frente a quaisquer representantes oficiais da religião que fala em nome da fé.
Quando se pergunta sobre a crise de legitimidade autoridade pastoral no mundo contemporâneo, deve-se ter em mente o contexto histórico-cultural em que esta se encontra envolta. No caso dos pastores evangélicos brasileiros, há ainda outros agravantes.
O mau uso do princípio hermenêutico do “livre exame” acabou fomentando a construção de um “ethos” pastoral em que se prescinde da necessidade de uma boa formação cognitivo-moral por parte dos pastores, como se quisesse comunicar com isso que o compromisso da fé com a verdade e a justiça não é uma “conditio sine qua non” para o legítimo exercício da atividade poimênica.
Como na modernidade “radical” se percebe o desenvolvimento do fenômeno sociocultural da destradicionalização (que se traduz em perda de plausibilidade da tradição em sentido amplo), a autoridade religiosa como um todo, e a pastoral em específico, também sofre o efeito colateral deste fenômeno macrocultural no Ocidente.
O caráter pragmático que parece ter incorporado a espiritualidade evangélica brasileira acaba sugerindo uma forma de reflexividade presente em seu arcabouço moral. Os riscos presentes na sociedade do medo, prenhe de infindáveis ameaças sociais (dentre elas a desempregabilidade estrutural que pode ser desencadeada com a crise do capitalismo global), produzem um senso de vulnerabilidade cada vez maior, mesmo na psicologia das pessoas religiosas.
O caráter pragmático que parece ter incorporado a espiritualidade evangélica brasileira acaba sugerindo uma forma de reflexividade presente em seu arcabouço moral. Os riscos presentes na sociedade do medo, prenhe de infindáveis ameaças sociais (dentre elas a desempregabilidade estrutural que pode ser desencadeada com a crise do capitalismo global), produzem um senso de vulnerabilidade cada vez maior, mesmo na psicologia das pessoas religiosas.
Neste sentido, o caráter funcional da espiritualidade das religiões de prosperidade acaba acentuando o descompromisso cognitivo com a verdade como forma de ser e pensar o mundo a partir da fé. O senso pragmático que se insinua aí torna o compromisso da fé com a verdade cada vez menos relevante: a verdade de quem é moralmente o pastor; a verdade dos valores que este preserva na forma de viver eticamente seu ministério; a verdade de suas pretensões vocacionais no exercício de sua atividade poimênica. O carisma se torna critério suficiente de legitimação do exercício poimênico que se exerce neste contexto religioso.
A consequência que surge deste cenário desencantador não pode ser outra senão o descrédito endêmico dado ao pastor, seja ele sério e comprometido com valores éticos da fé, seja ele um picareta que se esconde por trás da demagogia de um discurso persuasivo e arrebatador, representando um tipo de espiritualidade funcional no mercado da fé. No escopo desta crise de legitimidade da autoridade pastoral, “o destino de um, infelizmente, acaba sendo compartilhado por todos”.
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