Por John Owen (1616-1683)
Parece que estamos afirmando o óbvio, mas é preciso que se diga isso. Quando alguém comete qualquer tipo de pecado, pode ter a certeza que antes entrou em tentação. Todo pecado deriva da tentação. Não pode haver pecado sem que exista a tentação (Tiago 1:14,15; Gál. 6:1). Quando são vencidas pelo pecado, muitas pessoas se arrependem dele, no entanto não se apercebem de que sua causa foi a tentação. Se quisermos vencer qualquer tipo de pecado, é preciso que consideremos o que nos está tentando a esse pecado e procurarmos evitar essa tentação. A tentação é a raiz e o pecado é o fruto amargo da tentação. Embora cientes do seu pecado, há muitos que não se conscientizam de suas tentações. Essas pessoas se desagradam com o fruto amargo do pecado, porém não tomam precauções para evitar a raiz venenosa da tentação.
Ninguém cai em pecado subitamente, sem que primeiro tenha entrado em tentação.
A companhia de certas pessoas é capaz de levar quase com toda certeza a pensamentos, palavras e atos pecaminosos (1 Cor. 15:33), todavia é possível gostar dessa companhia e mais tarde lamentar sobre o pecado que resultou dela. Certos alvos ou ambições (1 Tim. 6:9) podem resultar no mesmo. As pessoas podem, porém, segui-los sem apreciarem as tristezas do pecado resultantes de segui-los.
A força da tentação
Como vimos no primeiro capítulo, as tentações têm vários graus. Quando a tentação é violenta, ou se repete constantemente, não dando descanso à alma, podemos ter a certeza de que entramos em tentação. Os desejos pecaminosos têm o poder de seduzir uma pessoa a pecar, até mesmo sem uma tentação externa (Tiago 1:14), entretanto isto não é o mesmo que entrar na tentação.
Os desejos pecaminosos são como um riacho correndo em seu curso para o mar, e a tentação como um vento poderoso que sopra nesse riacho. Pense nesse riacho e pense num barco vazio sendo colocado nele. Mais cedo ou mais tarde, segundo o curso e a velocidade da correnteza, esse barco será levado ao mar. Da mesma maneira, os desejos pecaminosos de uma pessoa irão mais cedo ou mais tarde (à parte da graça salvadora de Deus) levá-la ao mar da sua ruína eterna. Voltando à nossa ilustração, suponha que há ventos fortes ventando contra o barco. Então o barco será empurrado com violência contra as margens e as rochas, até que se parta em pedaços e seja tragado pelo mar.
Esta ilustração nos dá dois quadros de um homem pecaminoso. O primeiro é de um homem que, lentamente mas com certeza, está sendo levado para o mar da sua ruína eterna nas correntezas dos seus desejos pecaminosos. O segundo nos mostra o mesmo homem experimentando o vento forte da tentação. Este vento leva o homem a um pecado após outro até que - totalmente estraçalhado - chega à sua ruína eterna.
Esta ilustração pode ser exemplificada em muitos casos nas vidas dos santos que foram preservados da ruína eterna mas entraram em tentação e caíram lamentavelmente, para sua própria vergonha. Ezequias tinha nele, sempre, a raiz do orgulho (um desejo pecaminoso que o teria levado à perdição se não fora a graça de Deus). Todavia esse desejo não o compeliu a mostrar seus tesouros e suas riquezas até que entrou em tentação ao tempo em que chegaram os embaixadores da parte do rei da Babilônia (2 Reis 20:12-19; 2 Cron. 32:24-31). Essa mesma raiz de orgulho pode ser vista em Davi. Durante muitos anos ele resistiu ao desejo peca¬minoso de contar o número do povo, mas cedeu a esse desejo quando satanás se levantou e o provocou (2 Sam. 24:1-10; 1 Cron. 21:1-8). Ilustrações semelhantes podem ser encon¬tradas nas vidas de Abraão, de Jonas e de Pedro, para mencionar apenas alguns poucos. Judas Iscariotes nos dá um exemplo amedrontador de um homem que nunca foi um verdadeiro santo. Judas era cobiçoso desde o começo (João 12:6) mas não tentou satisfazer seu desejo pecaminoso, traindo o seu Mestre enquanto o diabo não entrou nele.
Todos nós temos desejos pecaminosos. As vezes, chegam a nós oportunidades que nos pressionam a satisfazê-los. Quando isso acontece, já entramos em tentação.
Nossa atitude em relação à tentação
Uma pessoa pode entrar em tentação sem estar ciente que um desejo pecaminoso está sendo provocado. Um exemplo disso é a situação em que o coração da pessoa começa a gostar da tentação, secretamente, e vai fazendo provisão para ela e lhe dá oportunidade, de diversas maneiras, para crescer - sem, contudo, cometer um pecado óbvio.Esta é uma forma muito sutil de tentação. Um exemplo nos ajudará a detectá-la. Certa pessoa começa a ser conhecida como piedosa, sábia, entendida, etc. (coisas boas em si mesmas). As pessoas a elogiam por isso, e ela começa a gostar de ser tratada dessa maneira. Tanto o seu orgulho como a sua ambição são afetados. Ela passa, então, a se esforçar para burilar os seus dons e as suas virtudes. Mas seus motivos são errados: ela está querendo que sua reputação aumente. Está entrando na tentação. Se não reconhecer e lidar com essa situação, essa sutil tentação logo a transformará numa escrava dos seus desejos pecaminosos de desejar uma boa reputação.
Jeú é um bom exemplo, do Velho Testamento, de um homem assim. Ele havia se conscientizado de que estava ganhando a reputação de ser uma pessoa zelosa. Jonadabe, um homem bom e santo, se encontra com Jeú. Jeú pensa: "eis uma boa oportunidade para eu aumentar minha reputação". Então ele chama Jonadabe para si e começa a trabalhar fervorosamente. As coisas que fez eram, em si mesmas, boas, entretanto seus motivos não eram bons. Estava seguindo os seus desejos. Havia entrado na tentação.
Aqueles que estão envolvidos na obra do ministério e da pregação do evangelho estão sujeitos a cair nesse tipo sutil de tentação. Muitas coisas desse trabalho podem ser um meio de ganhar reputação e apreço das pessoas corretas. A habilidade em geral de uma pessoa, sua capacidade, sua fidelidade, sua ousadia, seu sucesso, etc, podem, todos eles, se tornar num meio para aumentar sua reputação. Será que nós, secretamente, começamos a gostar dessa tentação? Acaso já começamos a fazer alguma coisa boa pela razão errada? Se assim procedermos estaremos entrando na tentação.
Sempre que os desejos pecaminosos de uma pessoa e as tentações se encontram.
Sempre que uma pessoa se encontra numa situação na qual os seus desejos pecaminosos estão conseguindo a oportunidade de serem satisfeitos, e ela se vê sendo encorajada a satisfazê-los, aproveitando ao máximo a oportunidade que se lhe oferece, ela está entrando em tentação. E quase impossível que alguém receba as oportunidades, as ocasiões ou as vantagens que melhor se adaptam aos seus desejos pecaminosos sem que venha a se enlaçar nelas. Quando os embaixadores vieram da parte do rei da Babilônia, o orgulho de Ezequias o fez cair em tentação. Quando Hazael se tornou rei da Síria (2 Reis 8:7-15; 13:3,22), sua crueldade e sua ambição fizeram com que se irasse selvagemente contra Israel. Quando os sacerdotes vieram com suas peças de prata, Judas, por causa de sua ambição, foi instantaneamente motivado a vender o seu Mestre (Luc. 22:3-6).
Material inflamável precisa ser conservado distante do fogo. Da mesma maneira, é importante que nossos desejos pecaminosos sejam mantidos à distância daquelas coisas que os incitarão. Há aqueles que pensam que podem brincar com serpentes sem serem picados, tocar em tinta fresca sem se mancharem, brincar com fogo sem se queimarem; mas estão enganados. Porventura seu trabalho, seu estilo de vida ou suas companhias lhe trazem constantemente oportunidades para satisfazer os seus desejos pecaminosos? Se for assim, você entrou em tentação. Só Deus sabe como você se sairá dessa!
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