Percebemos agora o significado para o Filho de Deus de esvaziar-se e tornar-se pobre. Significa deixar de lado a glória (a kenôsis real); o retraimento voluntário do poder; a aceitação de dificuldades, isolamento, maus-tratos, malignidade, incompreensão; e finalmente a morte, envolvendo uma agonia tão grande — mais espiritual que física — que sua mente quase entrou em colapso ao prospectá-la (v. Lc 12:50 e a narrativa do Getsêmani). Isso significou o amor mais sublime já sentido pelos indignos seres humanos, que puderam tornar-se ricos por meio da pobreza dele.
A mensagem do Natal anuncia a esperança para a humanidade arruinada — esperança de perdão, de paz com Deus, de glória — porque, pela vontade do Pai, Jesus Cristo tornou-se pobre e nasceu em um estábulo, para que trinta anos depois pudesse ser levantado na cruz. Esta é a mais bela mensagem que o mundo já ouviu ou ouvirá.
Falamos muito sobre o “espírito do Natal”, mas raramente com um significado maior que contentamento em termos de relações familiares. Mas o que dissemos torna claro que essa expressão tem na realidade um significado muito mais rico. Devia significar a reprodução na vida humana da disposição daquele que por amor a nós tornou-se pobre no primeiro Natal. O próprio espírito natalino devia caracterizar o cristão o ano inteiro.
É para nós vergonha e desonra que muitos cristãos hoje — serei mais específico: tantos cristãos fundamentalistas e ortodoxos — vaguem por este mundo no espírito do sacerdote e do levita da parábola do Senhor, vendo a seu redor as necessidades dos homens, mas (depois de um desejo piedoso e talvez de uma oração, pedindo que Deus supra as necessidades dessas pessoas) desviam os olhos e passam, sem parar, para o outro lado. Este não é o espírito do Natal. Não é também o espírito dos cristãos — e há muitos assim — cuja ambição na vida parece limitada a construir um belo lar de classe média, fazendo agradáveis amizades com cristãos de sua classe, criando os filhos nos corretos moldes cristãos de seu grupo e deixando que indivíduos das subclasses da comunidade, cristãos ou não, avancem sozinhos na vida.
O espírito natalino não resplandece no cristão esnobe, pois é o espírito das pessoas que, como seu Mestre, vivem inteiramente dedicadas ao princípio de se tornar pobres — gastando e sendo gastos — para enriquecer o próximo, dedicando tempo, esforço, cuidados e interesses para fazer o bem aos outros — e não apenas para seus amigos — conforme a necessidade do momento.
São poucos os que demonstram esse espírito na essência. Se Deus, por misericórdia, nos avivar, uma das coisas que ele fará será trabalhar esse espírito em nosso coração e em nossa vida. Se quisermos um despertamento espiritual em nós mesmos, uma das primeiras providências seria procurar cultivar esse espírito. “Pois vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para que por meio de sua pobreza vocês se tornassem ricos” (2Co 8:9). “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus” (Fp 2:5). “Percorrerei o caminho dos teus mandamentos, quando dilatares o coração” (Sl 119:32; TB).
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