Por John Stott
Vocês foram libertados do pecado e tornaram-se escravos da justiça... (Rm 6.18-22)
Lançado o princípio de que a rendição resulta em escravidão, Paulo o aplica aos leitores romanos, fazendo-os lembrar que a sua conversão implicou em uma troca de escravidão. Com efeito, tão completa é a mudança que se deu em suas vidas que ele irrompe em uma doxologia espontânea: Graças a Deus! E então resume a experiência deles em quatro estágios, que têm a ver com o que eles eram (escravos do pecado), o que eles fizeram (passaram a obedecer de coração), o que lhes aconteceu (foram libertados do pecado) e em que eles se transformaram (escravos da justiça).
Primeiro, eles eram escravos do pecado (17a). Paulo não mede as palavras. Todos os seres humanos são escravos, e só existem dois tipos de escravidão: ao pecado e a Deus. A conversão é uma transferência de um para o outro.
Em segundo lugar, eles passaram a obedecer de coração à forma de ensino que lhes foi transmitida (17b). Esta é uma forma totalmente incomum de se descrever uma conversão. Que eles tenham "obedecido", isso dá para entender, já que o que se espera é que o anúncio do evangelho resulte em "obediência por fé" (1.5, ARA). Mas aqui não é a Deus nem a Cristo que se diz que eles obedeceram, mas a uma certa forma de ensino. Deve ser uma alusão a um "modelo da sã doutrina", ou estrutura de instrução apostólica, que provavelmente incluía tanto a doutrina básica do evangelho143 como a ética pessoal elementar. É evidente que para Paulo a conversão não se limita a confiar em Cristo, mas implica em crer e reconhecer a verdade.
Além disso, o que Paulo escreve não é que esse ensino foi confiado a eles, mas que eles foram confiados ao ensino referido: ... viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues (17b, ARA). O verbo que ele usa éparadidõmi, que é a palavra normalmente usada para "passar adiante uma tradição". "O que se espera é que a doutrina seja entregue aos ouvintes", escreve C. K. Barrett, "não os ouvintes entregues à doutrina. Os cristãos, porém, não são (como os rabinos) mestres de uma tradição; eles são, eles mesmos, criados pela palavra de Deus, e permanecem em sujeição a ela."
Terceiro, os romanos foram libertados do pecado (18a), emancipados de sua escravidão. Não que eles já sejam perfeitos, pois ainda podem pecar (por exemplo, 12-13); o que acontece é que eles foram definitivamente resgatados do senhorio do pecado para o senhorio de Deus, arrancados do domínio da escuridão e levados para o reino de Cristo. Em consequência disso (quarto), tornaram-se escravos da justiça (18b). Tão decisiva é essa transferência que se dá, pela graça e poder de Deus, da escravidão do pecado para a escravidão da justiça, que Paulo não pode deixar de dar graças a Deus.
A analogia: os dois tipos de escravidão são progressivos (19) O versículo 19 começa com uma espécie de apologia para os termos humanos nos quais Paulo vem descrevendo a conversão. Afinal, "escravidão" não é uma metáfora totalmente acurada ou apropriada para a vida cristã. Apesar de refletir bem a exclusividade de nossa lealdade ao Senhor Cristo, não expressa, contudo, nem a leveza do seu jugo, nem a suavidade da mão que o coloca sobre nós, e muito menos a natureza libertadora de se estar a seu serviço. Mas então, por que o apóstolo usa essa imagem? Ele tem suas razões: por causa da fraqueza da vossa carne (sarx, "carne" - ARA), ou por causa das suas limitações humanas (NVI). A "fraqueza" ou "limitação" natural deles deve ser uma alusão à sua natureza caída e que se manifesta, quer em suas mentes, deixando-os insensíveis, ou em fraqueza de caráter, tornando-os vulneráveis à tentação e fazendo-os esquecer que se comprometeram com a obediência.
A despeito de sua explicação apologética, Paulo continua comparando e contrastando os dois tipos de escravidão. Desta vez, porém, ele faz uma analogia entre os dois (Assim como ...) na forma como se desenvolvem. Nenhuma das duas é estática. Ambas são dinâmicas: uma leva decididamente à degeneração e a outra vai melhorando a passos firmes. Assim como vocês ofereceram os membros dos seus corpos em escravidão à impureza e à maldade que leva à maldade (literalmente, "sem lei para a falta de lei", ou "para viver desregradamente", como na BJ), ofereçam-nos (isto é, façam aquilo que já fizeram, mas que seria prudente fazer de novo) agora em escravidão à justiça que leva à santidade (19b; hagiasmos, o processo de santificação, isto é, de ser transformado até assumir a semelhança de Cristo). Assim, apesar da antítese entre os dois tipos de escravidão, traça-se também uma analogia entre o vergonhoso processo de degeneração moral e o glorioso processo de transformação moral.
O paradoxo: escravidão é liberdade e liberdade é escravidão (20-22) Continua a comparação e o contraste entre uma escravidão e a outra. Desta vez o apóstolo salienta que cada um dos tipos de escravidão é também uma espécie de libertação, embora uma seja autêntica e a outra espúria. Semelhantemente, cada liberdade é um tipo de escravidão, embora uma seja degradante e a outra enobrecedora. Por um lado, escreve, quando vocês eram escravos do pecado, estavam livres da justiça (20) — se bem que liberdade assim, seria melhor chamá-la de licenciosidade. Por outro lado, diz ele: Mas agora ... vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus (22a) — e este tipo de escravidão seria melhor chamado de libertação. E como saber o que requer de nós cada uma delas? A melhor maneira é avaliando o seu "resultado" (ARA), ou melhor, o seu fruto (NVI). As consequências negativas de se ser escravo do pecado e livre da justiça são remorso no presente (um sentimento de culpa pelas coisas das quais agora vocês se envergonham) e, no final, a morte (21), que aqui certamente significa a morte eterna, a separação de Deus no inferno, que nos capítulos finais do Apocalipse é chamada de "a segunda morte". Mas agora, continua Paulo, os benefícios positivos de ser livre do pecado e escravo de Deus são santidade no presente e vida eterna no final (22b), o que certamente significa, aqui, comunhão com Deus no céu. Portanto, existe uma liberdade que se manifesta em morte e uma escravidão que se expressa em vida.
Vocês foram libertados do pecado e tornaram-se escravos da justiça.
Falo isso em termos humanos por causa das suas limitações humanas. Assim como vocês ofereceram os membros dos seus corpos em escravidão à impureza e à maldade que leva à maldade, ofereçam-nos agora em escravidão à justiça que leva à santidade.
Quando vocês eram escravos do pecado, estavam livres da justiça.
Que fruto colheram então das coisas das quais agora vocês se envergonham? O fim delas é a morte!
Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a vida eterna.
Romanos 6:18-22
Fonte: Josemar Bessa
Vocês foram libertados do pecado e tornaram-se escravos da justiça... (Rm 6.18-22)
Lançado o princípio de que a rendição resulta em escravidão, Paulo o aplica aos leitores romanos, fazendo-os lembrar que a sua conversão implicou em uma troca de escravidão. Com efeito, tão completa é a mudança que se deu em suas vidas que ele irrompe em uma doxologia espontânea: Graças a Deus! E então resume a experiência deles em quatro estágios, que têm a ver com o que eles eram (escravos do pecado), o que eles fizeram (passaram a obedecer de coração), o que lhes aconteceu (foram libertados do pecado) e em que eles se transformaram (escravos da justiça).
Primeiro, eles eram escravos do pecado (17a). Paulo não mede as palavras. Todos os seres humanos são escravos, e só existem dois tipos de escravidão: ao pecado e a Deus. A conversão é uma transferência de um para o outro.
Em segundo lugar, eles passaram a obedecer de coração à forma de ensino que lhes foi transmitida (17b). Esta é uma forma totalmente incomum de se descrever uma conversão. Que eles tenham "obedecido", isso dá para entender, já que o que se espera é que o anúncio do evangelho resulte em "obediência por fé" (1.5, ARA). Mas aqui não é a Deus nem a Cristo que se diz que eles obedeceram, mas a uma certa forma de ensino. Deve ser uma alusão a um "modelo da sã doutrina", ou estrutura de instrução apostólica, que provavelmente incluía tanto a doutrina básica do evangelho143 como a ética pessoal elementar. É evidente que para Paulo a conversão não se limita a confiar em Cristo, mas implica em crer e reconhecer a verdade.
Além disso, o que Paulo escreve não é que esse ensino foi confiado a eles, mas que eles foram confiados ao ensino referido: ... viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues (17b, ARA). O verbo que ele usa éparadidõmi, que é a palavra normalmente usada para "passar adiante uma tradição". "O que se espera é que a doutrina seja entregue aos ouvintes", escreve C. K. Barrett, "não os ouvintes entregues à doutrina. Os cristãos, porém, não são (como os rabinos) mestres de uma tradição; eles são, eles mesmos, criados pela palavra de Deus, e permanecem em sujeição a ela."
Terceiro, os romanos foram libertados do pecado (18a), emancipados de sua escravidão. Não que eles já sejam perfeitos, pois ainda podem pecar (por exemplo, 12-13); o que acontece é que eles foram definitivamente resgatados do senhorio do pecado para o senhorio de Deus, arrancados do domínio da escuridão e levados para o reino de Cristo. Em consequência disso (quarto), tornaram-se escravos da justiça (18b). Tão decisiva é essa transferência que se dá, pela graça e poder de Deus, da escravidão do pecado para a escravidão da justiça, que Paulo não pode deixar de dar graças a Deus.
A analogia: os dois tipos de escravidão são progressivos (19) O versículo 19 começa com uma espécie de apologia para os termos humanos nos quais Paulo vem descrevendo a conversão. Afinal, "escravidão" não é uma metáfora totalmente acurada ou apropriada para a vida cristã. Apesar de refletir bem a exclusividade de nossa lealdade ao Senhor Cristo, não expressa, contudo, nem a leveza do seu jugo, nem a suavidade da mão que o coloca sobre nós, e muito menos a natureza libertadora de se estar a seu serviço. Mas então, por que o apóstolo usa essa imagem? Ele tem suas razões: por causa da fraqueza da vossa carne (sarx, "carne" - ARA), ou por causa das suas limitações humanas (NVI). A "fraqueza" ou "limitação" natural deles deve ser uma alusão à sua natureza caída e que se manifesta, quer em suas mentes, deixando-os insensíveis, ou em fraqueza de caráter, tornando-os vulneráveis à tentação e fazendo-os esquecer que se comprometeram com a obediência.
A despeito de sua explicação apologética, Paulo continua comparando e contrastando os dois tipos de escravidão. Desta vez, porém, ele faz uma analogia entre os dois (Assim como ...) na forma como se desenvolvem. Nenhuma das duas é estática. Ambas são dinâmicas: uma leva decididamente à degeneração e a outra vai melhorando a passos firmes. Assim como vocês ofereceram os membros dos seus corpos em escravidão à impureza e à maldade que leva à maldade (literalmente, "sem lei para a falta de lei", ou "para viver desregradamente", como na BJ), ofereçam-nos (isto é, façam aquilo que já fizeram, mas que seria prudente fazer de novo) agora em escravidão à justiça que leva à santidade (19b; hagiasmos, o processo de santificação, isto é, de ser transformado até assumir a semelhança de Cristo). Assim, apesar da antítese entre os dois tipos de escravidão, traça-se também uma analogia entre o vergonhoso processo de degeneração moral e o glorioso processo de transformação moral.
O paradoxo: escravidão é liberdade e liberdade é escravidão (20-22) Continua a comparação e o contraste entre uma escravidão e a outra. Desta vez o apóstolo salienta que cada um dos tipos de escravidão é também uma espécie de libertação, embora uma seja autêntica e a outra espúria. Semelhantemente, cada liberdade é um tipo de escravidão, embora uma seja degradante e a outra enobrecedora. Por um lado, escreve, quando vocês eram escravos do pecado, estavam livres da justiça (20) — se bem que liberdade assim, seria melhor chamá-la de licenciosidade. Por outro lado, diz ele: Mas agora ... vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus (22a) — e este tipo de escravidão seria melhor chamado de libertação. E como saber o que requer de nós cada uma delas? A melhor maneira é avaliando o seu "resultado" (ARA), ou melhor, o seu fruto (NVI). As consequências negativas de se ser escravo do pecado e livre da justiça são remorso no presente (um sentimento de culpa pelas coisas das quais agora vocês se envergonham) e, no final, a morte (21), que aqui certamente significa a morte eterna, a separação de Deus no inferno, que nos capítulos finais do Apocalipse é chamada de "a segunda morte". Mas agora, continua Paulo, os benefícios positivos de ser livre do pecado e escravo de Deus são santidade no presente e vida eterna no final (22b), o que certamente significa, aqui, comunhão com Deus no céu. Portanto, existe uma liberdade que se manifesta em morte e uma escravidão que se expressa em vida.
Vocês foram libertados do pecado e tornaram-se escravos da justiça.
Falo isso em termos humanos por causa das suas limitações humanas. Assim como vocês ofereceram os membros dos seus corpos em escravidão à impureza e à maldade que leva à maldade, ofereçam-nos agora em escravidão à justiça que leva à santidade.
Quando vocês eram escravos do pecado, estavam livres da justiça.
Que fruto colheram então das coisas das quais agora vocês se envergonham? O fim delas é a morte!
Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a vida eterna.
Romanos 6:18-22
Fonte: Josemar Bessa
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