Por Mauricio Zágari
Considero-me um cristão desimportante. Não tenho cargo eclesiástico, nunca fui ordenado a nada, não tenho coluna em revista, não sou famoso, apenas meia dúzia de pessoas na face da terra me conhecem, nunca fui convidado a palestrar em grandes conferências. Em suma, sou um cristão bastante irrelevante dentro do cenário evangélico brasileiro. Não sou referência para nada, não tenho fãs nem discípulos, não sou uma celebridade gospel. Não sou “dom”, não sou nem diácono e, embora tenha feito dois seminários teológicos, aquilo que eu falo ou escrevo na prática não muda a vida de quase ninguém (talvez de minha filha). Sou apenas mais um na nuvem de cristãos anônimos espalhados por esse brasilzão, tentando acertar um pouco, errando muito, sem poder de afetar quem quer que seja. Ou seja, em termos de influência no cenário evangélico brasileiro sou um zero à esquerda.
Ao mesmo tempo, vejo homens que são verdadeiras referências teológicas entre os protestantes brasileiros. Pastores, teólogos, sacerdotes e acadêmicos com títulos elegantes que escrevem colunas e artigos em revistas, que dão dezenas de conferências teológicas por ano, que aparecem na televisão, que escrevem livros e fazem parte de uma espécie de elite do pensamento cristão nacional. Esses homens escrevem em blogs, revistas, dão palestras em seminários, vivem com seus nomes e fotos em anúncios de workshops em revistas evangélicas, são convidados para palestrar em zilhões de lugares. Gente grande, gente parruda.
Enquanto os meus pensamentos teológicos são irrelevantes no cenário nacional, o que esses homens de renome falam influencia, gera debates, muda mentalidades, provoca o surgimento de organizações, é uma coisa de louco. Basta um desses medalhões abrir a boca e dizer algo que no dia seguinte centenas ou até milhares de cristãos evangélicos por todo o país estarão comentando, expressando suas opiniões, debatendo e até se ofendendo, dependendo da postura de cada um. As redes sociais vão fervilhar.
A grande questão é que todas essas grandes figuras do cenário evangélico brasileiro têm suas crenças e ideologias. Uns acreditam que a Igreja deve influenciar a sociedade pela via política. Outros creem que a Igreja deve ajudar a reinventar a sociedade secular. Tem gente que acredita que a Igreja tem que ser fonte de insumos para a ética da nação. Há os que investem na ideia de que a Igreja deve ajudar a redefinir a ordem do poder econômico e político no mundo. Nessa Arca de Noé que é a “inteligentzia” evangélica brasileira tem todo tipo de passageiro, cada um com uma pelagem distinta.
É extremamente comum vermos ainda a guetificação dos setores da Igreja, alicerçada em termos como “fundamentalismo” e “liberalismo”, em evidentes e paradoxais ações de afastamento em nome de uma suposta união. A estratificação da Igreja está na pauta do dia. Caudilhos religiosos escrevem artigos em websites em que criticam aqueles que discordam deles com uma postura tão arrogante e deselegante que envergonha qualquer cristão anônimo. Leio alguns artigos escritos por esses homens cheios de dons em que vejo a utilização de termos vergonhosos para classificar aqueles que deles discordam. E sinto vergonha alheia.
A Igreja do Brasil está mal e vai piorar. E os culpados, escreva isso, não são o povo, os desconhecidos, os zero à esquerda como eu. São aqueles que, tendo renome para dar o exemplo ao povo, aos desconhecidos, aos zero à esquerda como eu, usam termos depreciativos e argumentos ofensivos e nada cristãos para criticar outros líderes que discordam de suas visões intocáveis. Somos obrigados a ler artigos em que se fala de graça, humildade e união por meio de palavras que carecem de graça, são recheadas de soberba e desunem mais do que qualquer outra coisa. E, em meio a uma igreja incoerente como essa, criticam quem critica a incoerência.
O papel dos zés-ninguéns como nós
Ao mesmo tempo, leio em Tiago 5.16 que “A oração de um justo é poderosa e eficaz” – justo não por justiça própria, mas por ter sido justificado por Cristo, naturalmente. O que, de certo modo, confere um poder de influência ao cristão zé-ninguém como eu. Por quê? Porque a Palavra de Deus mostra que por meio da fé e da devoção pessoal o zé-ninguém pode influenciar o Estado, a sociedade, o mundo. Pois Deus ouve a voz dos pequeninos. Se isso não fosse assim, se não surtisse efeito, se a busca das soluções imanentes não viesse por via transcendente, por que Paulo diria em 1 Tm 2.1,2: “Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranqüila e pacífica, com toda a piedade e dignidade”?
Nós, que somos os menores, abrigamos setores sérios, éticos e sadios do protestantismo brasileiro. Enquanto em muitas cúpulas vemos uns querendo devorar o fígado de quem deles discorda, os pequeninos estão promovendo a verdadeira revolução social: de joelhos, com o rosto no pó. Como a Bíblia manda.
Leio na internet e nos artigos as discussões de alguns dos grandes nomes no cenário evangélico nacional, que acreditam realmente que vão mudar a realidade do país pelo caminho da mobilização, da mistura com o Estado, da influência sobre a sociedade, e os comparo com as legiões de irmãzinhas e irmãozinhos que passam noites em vigília, que choram pelo país, que clamam pelo fim da violência nas favelas, que impõem as mãos sobre o mapa do Brasil e clamam a Deus por misericórdia e mudança. E aí me pergunto: qual é o caminho mais bíblico? Qual surtirá mais efeito?
Ouço as palavras do Rei em 2 Cr 7.14 dizendo “se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus maus caminhos, dos céus o ouvirei, perdoarei o seu pecado e curarei a sua terra” e ao mesmo tempo leio os artigos e os livros daqueles que acham que elegendo políticos evangélicos e formando comitês gospel para subir a rampa do Planalto vamos mudar algo neste país e me pergunto: qual é o caminho? A face do Senhor ou a face da presidenta da República? Quem tem o poder de promover a revolução social, o fim da miséria, a implantação da ética do Reino entre nós? Deputados? Comitês? Alianças? Governadores? Presidentes? Ou um tal de Deus?
Ouvindo muitos, a sensação que tenho é que parece que Deus não tem muita força para isso não.
“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. A quem Jesus nos ensinou a pedir isso? À Associação de Moradores? Ao Ministério Público? À mídia? Aos jornais? À TV Globo? É impressionante como há grandes líderes evangélicos de renome no país que não acreditam no poder da oração. Ou, se acreditam, demonstram por suas palavras e atitudes que a oração pode até vir a ser feita, mas se um comitezinho não for organizado e uma declaração emitida à imprensa ela não vai adiantar nada. Enquanto isso vejo o cristão anônimo clamando a Deus como ensina Mateus 6.6. Que alento…
Enquanto vejo lideranças evangélicas esbravejando sobre questões político-partidárias e querendo usar o sagrado Evangelho de Cristo para defender agendas antimiséria e contra a fome, escuto o senhorzinho sentado ao meu lado no banco da igreja lendo a Bíblia em voz alta passagens como “Portanto, não se preocupem, dizendo: ‘Que vamos comer?’ ou ‘Que vamos beber?’ ou ‘Que vamos vestir?’. Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6.31-33).
Sou um cristão desimportante. Não tenho cargo eclesiástico, nunca fui ordenado a nada, não tenho coluna em revista, não sou famoso, apenas meia dúzia de pessoas na face da terra me conhecem, nunca fui convidado a palestrar em grandes conferências. Em termos de influência no cenário evangélico brasileiro sou um zero à esquerda. Mas uma coisa eu sei: enquanto gente parruda da teologia promove cruzadas ideológicas a favor de suas agendas (e, faço questão de frisar aqui: acreditando de todo o coração que aquele é realmente o caminho certo, não desqualifico sua sinceridade), ouço Jesus sussurrar das páginas da minha Bíblia: “Peçam, e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e àquele que bate, a porta será aberta. Qual de vocês, se seu filho pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir peixe, lhe dará uma cobra? Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!”.
Lendo certos artigos na internet parece que Jesus não estava tão certo assim quando disse essas coisas.
Resta orar: Pai, eu peço. Não vou participar de comitês, não vou à mídia, não escreverei artigos em websites ofendendo quem discorda de mim. Mas vou pedir-te, Pai, crendo na eficácia da oração deste pequeno desconhecido que vos fala. E, quando eu pedir, que seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus. Amém.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
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