Por Maurício Zágari
Nos anos mais recentes surgiu no seio da Igreja de Jesus Cristo um movimento de prática de fé que se tornou conhecido como igreja emergente. Num resumo bem resumido e simplista, trata-se de uma forma de se fazer igreja sem que o fiel precise se separar das expressões culturais da sociedade secular. Assim, o cristão emergente, por exemplo, escuta músicas seculares; pode usar brincos, piercings e tatuagens; até mesmo fala palavrões sem o menor drama de consciência (atéd renega os pudores de praguejar no púlpito, como já vi). Atitudes como essas são vistas nesse contexto apenas como meras manifestações da cultura e, como tal, não constituiriam pecado, escândalo ou equívocos teológicos.
Cada vez mais a Igreja Emergente conquista novos adeptos, em especial entre os jovens, que ficam felizes por poder manter antigos hábitos e gostos pré-conversão e não ser ridicularizados pelos colegas não-cristãos por parecerem astronautas de uma subcultura evangélica. Para atender aos anseios desse nicho do universo cristão, têm surgido no Brasil e no exterior líderes extremamente carismáticos que, ao adotar linguagem, gostos, práticas e, principalmente, uma estética visual charmosa e sedutora (seja na linha da elegância ou do despojamento), conseguem arrebanhar um grande número de seguidores. Assim, esses líderes emergentes assumem uma aparência up-to-date, muitas vezes à base de um vestuário modernoso e cortes de cabelo e óculos moderninhos, ou barbas Los Hermanos – dependendo do estilo. Também elaboram um discurso que exerce magnetismo sobre as novas gerações. Por fim, investem pesado em tecnologia e redes sociais – para, por exemplo, produzir podcasts bem elaborados e fazer sua mensagem correr solta pelos Youtubes e Twitters da vida.
Historicamente, é facílimo explicar esse fenômeno. Quem se interessa um pouquinho que seja por História da Igreja sabe que o Corpo de Cristo sempre viveu num movimento pendular. Depois de nascer e crescer vendo as antigas gerações viver seguindo um modo de ser, pensar e agir, as gerações seguintes buscam vivenciar a fé de um modo oposto ao de seus pais. É como um pêndulo, que depois de se inclinar completamente para a esquerda se lança com toda a força para a direita… para tempos depois voltar com tudo para a esquerda. E depois a direita. E a esquerda. E assim por diante.
É fácil constatar isso ao longo dos vinte séculos de Igreja cristã: em contraposicao à opulência da igreja imperial romana ganharam espaço os movimentos monásticos. Depois, em reação à estagnação intelectual da Idade das Trevas surge o escolasticismo. Em resposta aos abusos do catolicismo romano do século XVI, vem Lutero com suas propostas de reforma. Depois, com o iluminismo do século das luzes, a Igreja busca fugir do transcendentarismo e se inclina tanto para o racionalismo e o pragmatismo que mergulha nas águas do liberalismo teológico – que, por sua vez, viria tempos depois a ser confrontado por pensadores neo-ortodoxos como Karl Barth. E quando a Igreja Protestante cai no formalismo, surgem os pietistas, os puritanos, os morávios, os metodistas: grupos sedentos por uma espiritualidade mais impoluta e menos enrijecida e engessada. Assim foi a caminhada da Igreja ao longo dos séculos: agindo e reagindo, em movimentos pendulares de repulsa ao que vinha antes. Sempre, é claro, com motivações nobres e sinceras, é importante ressaltar.
É quando chegamos ao final do século XX. A Igreja brasileira vivia então momentos de extremos e abusos. De um lado, havia uma igreja extremamente ascética, que repudiava como satânicas práticas como ouvir música secular (“do mundo”), usar adereços exagerados (brincos, piercings e tatuagens, principalmente), frequentar certos ambientes de lazer e usar vocabulários considerados mundanos (como palavrões, gírias e similares), entre outras coisas. Também havia uma igreja muito formalista, com cultos friamente litúrgicos, comportamentos sóbrios e respeito a uma hierarquia eclesiástica bem definida. Por fim, os neopentecostais tomavam conta da mídia e do imaginário popular, com suas práticas barulhentas, teologia de prosperidade e propostas quase espíritas. Em comum, todas essas facetas do movimento evangélico adotavam uma postura exclusivista, um vocabulário próprio (quase um dialeto), uma estética musical característica e visuais na maioria das vezes caricatos. Foi nesse contexto que brotou um grupo descontente, que reagiu a tudo isso e arremessou o pêndulo para o outro lado, fugindo de todos esses modelos. Nascia assim a Igreja emergente – primeiro nos Estados Unidos e, como é moda na colônia americana que somos, em breve esse modelo foi importado ao Brasil, que diante desse quadro todo recebeu a mensagem emergente com imensa alegria.
Os méritos
Essa forma de se fazer igreja tem seus méritos. Jesus vivia inserido na cultura de sua época e almoçava com publicanos, convivia com prostitutas, ia até aqueles que eram os proscritos da sociedade. Esse argumento é fiel ao relato da Bíblia e, por isso, justifica a imersão social dos cristãos na vida secular que o cerca. A criação de uma subcultura gospel também isola e caricaturiza os cristãos. As tintas emergentes embelezam então a igreja, na medida em que busca apresentar o cristão como um ser humano normal e não uma aberração social.
A aproximação da igreja emergente de aspectos belos da cultura popular também é louvável, afinal, a graça comum de Deus concede ao homem natural talentos que lhes permitem exaltar sentimentos profundos, realidades da alma, a obra das mãos do Criador. Sim, é possível se encantar com músicas do Teatro Mágico, óperas de Bizet, poesias de Vinícius de Moraes, vozes com a de Charles Aznavour – sem necessariamente estar pecando.
O maior triunfo da igreja emergente é, assim, aproximar o cristão do universo secular de modo que possa usufruir aquilo de bom que este lhe oferece ao mesmo tempo em que está próximo o suficiente para compartilhar com ele as boas-novas da salvação de uma maneira tal que não assuste o perdido com uma estética visual ou vocabular alienígena. Mas o movimento emergente oferece sérios riscos.
Os riscos
O grande perigo da igreja emergente é se tornar mais emergente do que igreja. Ou seja: estar tão próxima da sociedade secular que venha a flertar mais com o mundo do que com Cristo. Recentemente, um fato me levou a uma profunda reflexão sobre isso: o roqueiro Ozzy Osbourne veio ao Brasil. Para minha surpresa, vi um pastor, líder de jovens e consequentemente bastante influente em seus arraiais, comentar no twitter que tinha ficado triste por não poder ir ao show dele. Quero deixar claro que não entendo como pecado gostar de rock, até porque há bandas muito boas que usam esse estilo musical para pregar mensagens positivas, como Bloodgood, Tourniquet, White Cross e outras. No Brasil, a representante mais evidente do rock gospel é a excelente Oficina G3, que já me levou às lágrimas muitas vezes com suas letras pungentes. Esse não é o ponto. Como diz um irmão que é músico, não existe “dó maior endemoniado” ou “ré sustenido ungido”. Música é música e estilo é estilo. Mas temos que discernir os limites.
Eu ouvi muito rock ao longo de minha vida. Antes de minha conversão frequentei muito esse universo e tinha inclusive uma banda, a falecida A Corja. Fui a shows de grupos como Iron Maiden, Rolling Stones, Guns and Roses, AC/DC, Ratos de Porão e similares. Estive no primeiro Rock in Rio, em 1985, com 13 anos de idade, saltando, gritando e levantando a mão com os dedos indicador e mínimo em riste – sinal característico conhecido por devil´s horn, o chifre do diabo. E, por isso mesmo, conheço muito bem o que é isso e que tipo de filosofia cada banda transmite em suas letras e atitudes. Então ver um pastor, um sacerdote cristão, dizer que ficou triste por não ir ao show de Ozzy acendeu a luz vermelha.
Para quem não conhece, Ozzy Osbourne (essa simpática figura da foto acima) é o intérprete, por exemplo, de músicas como “Mr. Crowley”, uma ode a Alister Crowley – o fundador da Church of Satan, a Igreja de Satanás. Ou ainda “I like death”, em que o músico faz uma alusão explícita a ser um “anticristo”. E mais: “No place for angels”, em que Ozzy assume o personagem de um anjo caído e chama Jesus de “mentiroso”. Sem falar de “Rock´n Roll Rebel”, cuja letra é uma crítica ferrenha a ministros cristãos. E por aí vai. Dá para imaginar um pastor, um sacerdote, vibrando e cantando ao som de músicas que transmitem mensagens como essas? Isso, então, é sintomático.
Na ânsia por não serem ETs na sociedade, os emergentes correm o risco de brincar com fogo e se queimar. Suas críticas ferrenhas a hierarquias e liturgias apenas condenam formas e não acrescentam nada ao Corpo de Cristo além de desavenças. Há até os emergentes para quem a expressão “igreja” virou um palavrão. Suas igrejas são chamadas “comunidades”, embora… sejam igrejas, semântica à parte. O discurso inclusivista dos emergentes corre o risco de acabar apenas virando preconceito ao avesso: inclui-se o excluido, mas exclui-se o incluido que age de modo tradicional. Exaltam-se as expressões artísticas seculares ao mesmo tempo em que satanizam-se hierarquias e autoridades eclesiásticas. Defende-se a cultura e a estética populares atrás de um escudo de graça mas voltam-se todas as armas em direção a modelos de igreja que diferem do emergente – e, com isso, torna-se bem comum ver agressões verbais, ironias, sarcasmo e desprezo desses irmãos a outros legítimos irmãos em Cristo que não coadunam de suas visões. Assisti a algumas twitcams de emergentes e confesso que fiquei bastante chocado com a agressividade dirigida por eles a outros cristãos que não seguem seus modelos. E, com, isso, ferem o amor phileo proposto por Cristo. Desliguei essas transmissões no meio, entristecido que fiquei com uma prática tão distante da teoria.
Em defesa de uma não-segregação do mundo, muitos emergentes acabam segregando partes do Corpo. Eu mesmo pude perceber como companheiros fiéis do twitter deixaram de interagir comigo quando expressei pensamentos mais ortodoxos (em breve falarei mais sobre isso em novo post aqui no APENAS). Em defesa de uma aculturação dos cristãos, adota-se com normalidade palavrões até de púlpito, mas satanizam-se os jargões evangélicos. A coerência disso? Nenhuma. Na ânsia por se afastar pendularmente o mais distante possível dos modelos de vida cristã das décadas anteriores (a famigerada “tradição”), a igreja emergente corre o sério e grave risco de lançar-se para um extremo que pode causar muitos estragos. E que, convenhamos, não traz nenhum avanço para a causa de Cristo. Na gana por ser diferente da “antiga igreja tradicionalista”, o movimento emergente periga tornar-se apenas uma “nova igreja antitradicionalista”.
Que fique claro que há excelentes propostas dentro da igreja emergente. Muita gente vem conduzindo suas propostas dentro desse modelo com decoro bíblico. Porque, no final do dia, o modelo emergente é exatamente isso: apenas mais do mesmo. Apenas mais uma casca diferente dentro da qual corre a mesma seiva. Não melhor, não pior. Nas igrejas (perdoem-me, “comunidades”, não quis ofender) emergentes, pessoas são salvas, curadas, libertas e vivem vidas de fé genuínas, ajudando o próximo. Exatamente da mesma forma que acontece na mais ascética igrejinha pentecostal do interior ou na mais tradicionalista e litúrgica denominação reformada. A ação de Deus é a mesma.
Porém, o orgulho de ser diferente pode constituir pecado. O exagero ao ser diferente pode conduzir ao pecado. A aproximação do ambiente secular pode valorizar o pecado. A linha é tênue. E o pecado, nunca é demais lembrar, habita em qualquer modelo de igreja em que haja seres humanos.
Que os emergentes não caiam nas tentações iminentes que caminhar sobre a fronteira oferece. Só assim os historiadores do futuro poderão olhar para esse movimento dos nossos dias e avaliar que ele foi uma boa oscilação do pêndulo. Pois há uma grande chance de a igreja emergente entrar para a História como uma bela tentativa mas um retumbante fracasso.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Ola irmão do Ministério de Bereia , queria elogia-los pelo belo blog e fazer um convite a parceria e ser um seguidor do Ministério Chamados de Deus e deixa uma comentário lá .
ResponderExcluirEspero pela tua visita .
Graça e paz
www.chamadosdedeus.com/blog
Graça e paz Filipe.
ResponderExcluirEstarei visitando o seu blog e fazendo comentários.
Fique na Paz!
Pr. Silas Figueira
Caro Pr Silas, me mandaram o link do seu blog e eu achei interessante a abordagem do tema. Vim de uma igreja tradicional e conheço bem o movimento dito "emergente", mas eu acho que a prática cristã não depende de ser emergente ou não, usar twitter ou não, ouvir Ozzy ou não.Eu acho que tem haver mais com o próximo do que com práticas culturais. Alguns anos atrás, li numa revista um filosofo falando que viveríamos na sociedade do egoísmo, e que o Ipod seria o símbolo desse movimento, já que as pessoas ouvem sozinhas em seus fones. Eu vejo isso diariamente, pessoas isoladas no mundo dos seus cels e pods. E o que mais me preocupa é ver isso acontecer nas igrejas ditas moderninhas e nas tradicionais. Pessoas isoladas cuidando dos seus pequenos mundinhos, de pode e não pode. Para mim, a igreja verdadeira é a que ama a Deus acima de tudo e tem o OUTRO como sua causa principal (Mt 22:36 -40)
ResponderExcluirNa minha opinião emergente ou tradicional se não seguem esse principio bíblico estão mais para club de motoqueiros e club de golf respectivamente. Abs e fique na Graça e na Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo Sil
Graça e paz Sil.
ResponderExcluirAssino em baixo em relação ao seu comentário. Muitas vezes alguns líderes querem falar a linguagem do povo, mas não falam a linguagem de Jesus e nem segue os seus ensinamentos.
Fique na Paz!
Pr. Silas Figueira