"A nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo". |
Por Pr. Geremias do Couto
Tenho um privilégio do qual procuro desfrutar o máximo possível. São as belezas naturais da cidade onde moro com a família. Elas encantam turistas e atraem forasteiros que aqui chegam e não mais querem retornar. Das janelas de minha casa, no alto da colina, avisto ao longe as montanhas, entre as quais se destaca o dedo de Deus pelo qual Teresópolis é conhecida em todo o mundo. A magnífica visão enternece a minha alma de poeta e libera o espírito para voar nas asas líricas das palavras que constroem poemas e revestem de concretude a realidade materialmente intangível das coisas eternas.
Foi assim dia desses já há alguns anos. Após ficar horas a fio contemplando este quadro, meus olhos se elevaram um pouco mais e alcançaram a dimensão etérea descrita nos dois últimos capítulos do Apocalipse. O cenário das ruas de ouro, dos muros adornados de pedras preciosas, da glória de Deus que ilumina as mais distantes extremidades, povoou a minha mente. Ao mesmo tempo, fui tomado pelas questões existenciais que, vez ou outra, escapam dos precipícios do subconsciente e vêm digladiar-se na explosão dos raciocínios que percorrem o cérebro. “E se não existir céu?”, gritou lá do fundo um intruso existencialista.
Nessas horas, todavia, quando se mantém um relacionamento constante e proveitoso com a Palavra de Deus, um dos papéis do Espírito Santo é pôr ordem na casa e trazer à memória os argumentos que destroem a mais arguta dúvida existencial. Não foi diferente comigo. Ele usou a própria visão panorâmica que se espraiava diante de meus olhos para reafirmar a certeza da fé: “Tem de existir céu!”
Foi aí que pensei: “Não é possível que a criatividade de Deus se restrinja apenas a esses vales e montanhas, rios e mares, cachoeiras e maciços que vicejam na Terra”. Fui um pouco mais além: “É inadmissível acreditar que a imensidão criativa do Altíssimo se restrinja ao nosso sistema solar e aos astros que compõem a nossa Via Láctea, bem como às demais galáxias que preenchem o Universo. Deus seria pequeno”. O espaço em que vivemos e a dimensão sideral, onde se voa a anos-luz, testemunham à nossa consciência que em algum lugar acima das estrelas há lugares preparados para os que foram alcançados pela graça.
Veio também ao meu coração outra realidade. Somos acostumados a olhar o céu como escapismo para o duro dia a dia dos sofrimentos terrenos. É óbvio que a expectativa de deixar para trás as angústias que cercam a existência se inclui entre os fatores que constituem o ideal de todo o cristão. É bíblico que as lágrimas não mais existirão na cidade santa. Mas a esperança no amanhã com Deus deve ser, também, analisada sob outro ângulo. O da qualidade de vida desfrutada no planeta Terra e a que será vivida em toda a sua dimensão no céu.
Em que pesem as agruras provocadas pelo pecado, ainda assim não há como negar que é bom demais desfrutar das riquezas que a natureza oferece. Pelo menos, eu gosto. Quem não aprecia, por exemplo, passar horas e horas ao sol, sentindo escorrer pelo corpo as águas frias e cristalinas de uma cachoeira? Ou subir as montanhas e aguçar o olfato para sentir o aroma silvestre das matas? Quem não se sente bem em caminhar pelas praias e ouvir o bulício das ondas que batem nos pés? Mesmo Jesus, 100% humano, experimentou com certeza esta sensação nas areias do mar Mediterrâneo e do mar da Galiléia. E acredito que, por não ser apenas semelhante, mas como um de nós, tenha gostado muito. Eu gostei, quando ali estive com minha esposa, conduzindo grupos de peregrinos brasileiros algumas vezes. Quem não se contagia ao contemplar a infinidade de peixes de variados matizes colorindo o fundo dos oceanos, como no Observatório Submarino de Eilat, no mar Vermelho, no extremo sul de Israel? Ou acompanhar ao longe a alegre sinfonia dos pássaros nas florestas? E o que mais poderia eu acrescentar? A lista é infindável.
Pois bem. Tais possibilidades reais que, hoje, dão sentido a expectativa de cada um são apenas vislumbres esmaecidos da qualidade de vida que os redimidos desfrutarão na presença de Deus. Com uma vantagem: sem os sofrimentos que marcam a trajetória terrena, os quais podem ser vencidos por causa d'Aquele que os venceu na própria carne. Portanto, ao invés de ser olhado como escapismo, o céu é a plena realização dos propósitos divinos para o homem em seu estado original, no jardim do Éden. É a concretização última da esperança do cristão, que, enquanto na Terra, desfruta em escala ínfima das boas coisas que Deus preparou para o ser humano. Apesar do pecado.
Enquanto continuava a contemplar as montanhas que cercam a cidade, e as flores que adornam o jardim em frente à casa, o Espírito Santo trouxe à tona outros argumentos. Entre eles o da tendência inata ao ser humano de desejar a todo custo a imortalidade. A morte contraria, sob todos os aspectos, a lógica da vida. Aquela implica na cessação desta, segundo a visão equivocada existencialista. Todavia, esta tendência inata atua de tal modo que tudo se faz para adiar a morte. Que o digam os modernos equipamentos de diagnose, capazes de rastrear uma doença grave em seu início e criar todas as condições médicas para erradicá-la.
Passei por esta experiência em 2009, quando fui diagnosticado com câncer de próstata em fase inicial. Ao informar-me dos resultados, o médico disse que alguns pacientes preferiam "rezar" e simplesmente fazer o acompanhamento, enquanto outros preferiam a solução radical: cirurgia imediata. Respondi-lhe então que faria as duas coisas: "rezaria", e se houvesse a intervenção sobrenatural, esta teria vindo "de lá"; se fosse através de cirurgia, também, de igual modo, a recuperação viria "de lá". E se o resultado fosse diferente do desejado, sob o nosso ponto de vista, eu iria "para lá". Qualquer que fosse o desfecho, para mim não faria diferença. porque, vivendo ou morrendo, seria em razão daquele que "está lá". A verdade é que aqui estou, mais de um ano e três meses depois da cirurgia, plenamente recuperado, mas com a consciência ainda mais vívida e convicta de que algum dia o Senhor me chamará para, em definitivo, morar "com ele lá".
Passei por esta experiência em 2009, quando fui diagnosticado com câncer de próstata em fase inicial. Ao informar-me dos resultados, o médico disse que alguns pacientes preferiam "rezar" e simplesmente fazer o acompanhamento, enquanto outros preferiam a solução radical: cirurgia imediata. Respondi-lhe então que faria as duas coisas: "rezaria", e se houvesse a intervenção sobrenatural, esta teria vindo "de lá"; se fosse através de cirurgia, também, de igual modo, a recuperação viria "de lá". E se o resultado fosse diferente do desejado, sob o nosso ponto de vista, eu iria "para lá". Qualquer que fosse o desfecho, para mim não faria diferença. porque, vivendo ou morrendo, seria em razão daquele que "está lá". A verdade é que aqui estou, mais de um ano e três meses depois da cirurgia, plenamente recuperado, mas com a consciência ainda mais vívida e convicta de que algum dia o Senhor me chamará para, em definitivo, morar "com ele lá".
No entanto, esta característica inata de não "desejar" a morte, peculiar a cada mortal, é a confirmação, do lado humano, não só do que a Bíblia diz acerca da existência da vida após a morte, mas também da realidade do céu. E do inferno. Pois justos e injustos terão destinos diferentes. Assim sendo, mesmo como cristãos, quando lutamos para preservar a vida, empregando todos os recursos da medicina ao nosso dispor, há um testemunho implícito de que o homem foi criado para viver eternamente e desfrutar do plano original de Deus agora restaurado no céu. Para chegar lá, todavia, dependerá de sua atitude ante à obra redentora de Cristo - 100% humano - realizada no Calvário. É aqui onde se realiza a travessia entre a Terra e a cidade celestial.
Meu coração, naquele dia, não suportou o peso da convicção espiritual. Bastou para que as dúvidas existenciais evaporassem da minha mente. Elas desejarão dar o ar de sua graça outras vezes, mas, como agora, encontrarão o chão da minha confiança no Altíssimo irrigado pela Palavra. “Tem de existir céu!”, bradei no silêncio da tarde. Lágrimas começaram a rolar pela face. Enquanto contemplava ao longe o dedo de Deus apontando para cima, e apreciava o sol esconder-se atrás das montanhas, concluí, glorificando a Deus: “Se aqui já podemos experimentar por antecipação as glórias do céu, que diremos daquele dia, quando tomaremos posse de toda a sua concretude?” E listei os seguintes pontos:
1. Não pretendo ir para o céu como fuga da realidade presente, mas por ser o ápice do propósito de Deus para a realização do homem.
2. Enquanto vida física tiver, pretendo desfrutar ao máximo as coisas boas que Deus criou, pois elas revelam em menor instância o que me aguarda no porvir.
3. A esperança do céu não me torna alienado na Terra. Pelo contrário, exige pleno comprometimento com o evangelho, que garante as bênçãos futuras, mas tudo faz para minorar o sofrimento presente e antecipar, aqui e agora, uma excelente qualidade de vida em Cristo.
4. Enquanto este dia não chega, seja através da morte, seja através do encontro pessoal com Cristo em sua vinda, é meu dever preservar a vida, cuidando exemplarmente de minha saúde, pois este desejo inato que me proporciona viver aponta para a realidade futura do céu.
5. Devo viver todos os dias na expectativa de que minha entrada no céu pode estar tão perto quanto eu estou de minhas atividades diárias. Em razão disso, vivendo ou morrendo, procuro, agora, mais do que nunca, fazê-lo pelo Senhor.
PS. Artigo publicado originalmente na revista Seara e atualizado para o blog.
PS. Artigo publicado originalmente na revista Seara e atualizado para o blog.
Fonte: Geremias do Couto
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