Tome cuidado com comentaristas que desviam a atenção do sentido direto desses textos. Por exemplo, o que você acharia desse comentário comum sobre Lucas 14.13, 14: "A promessa de recompensa para esse tipo de vida consta aí como fato. Você não vive desse jeito pensando na recompensa. Se estiver, na verdade não está vivendo desse jeito mas do velho jeito egoísta".
Será isso verdade — que somos egoístas e sem amor se formos motivados pela recompensa prometida? Se é assim, por que Jesus nos estimulou mencionando a recompensa, até colocando-a como base da nossa ação? E o que esse comentarista diria sobre Lucas 12.33, em que não nos é dito que a recompensa resultará de darmos esmolas, mas que devemos buscar ativamente a recompensa —"fazei para vós outros bolsas!"?
E o que diria ele sobre a parábola do administrador desonesto (Lc 16.1-13), em que Jesus conclui: "Das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos" (Lc 16.9)? O objetivo dessa parábola é instruir os discípulos no uso correto e amoroso das posses terrenas. Jesus não diz que a conseqüência desse uso é receber habitações celestiais. Ele diz: que seja o seu objetivo garantir uma habitação eterna com o uso dos seus bens.
Portanto, é simplesmente errado dizer que Jesus não quer que busquemos a recompensa que ele promete. Ele ordena que a busquemos (Lc 12.33; 16.9). Mais de quarenta vezes no evangelho de Lucas temos promessas de recompensa e ameaças de castigo ligadas aos mandamentos de Jesus.
E claro que não devemos buscar a recompensa do louvor terreno ou do ganho material. Isso é evidente não apenas em Lucas 14.14, mas também em Lucas 6.35: "Amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo". Em outras palavras, não ligue para recompensas terrenas; olhe para a recompensa celestial, isto é, para as alegrias infinitas de ser filho de Deus!
Ou, como Jesus diz em Mateus 6.3, 4, não se importe com o louvor humano para seus atos de misericórdia. Se este é o seu propósito, isto é tudo o que você vai ganhar, e essa recompensa será lastimável comparada com a recompensa de Deus. "Ao dares esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita; para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará."
Atraindo outros para a recompensa, amando-a
A razão por que nossa generosidade em relação aos outros não é amor fingido quando somos motivados pelo anseio pela promessa de Deus, é que nosso objetivo é levar os outros conosco para essa recompensa. Sabemos que nossa alegria no céu será maior se as pessoas que tratamos com misericórdia forem convencidas do valor insuperável de Cristo e se juntarem a nós no louvor a ele.
Todavia, como lhes mostraremos o valor infinito de Cristo se nós mesmos não formos impelidos, em tudo o que fazemos, pelo anseio de ter mais dele? Seria apenas falta de amor buscar a própria alegria à custa de outros. Mas se nossa busca inclui a alegria deles, como isso pode ser egoísta? Como posso eu ser menos amoroso se meu anseio por Deus me move a entregar minhas posses terrenas de modo que minha alegria nele possa ser duplicada para sempre na parceria com o outro em louvor?
Fazendo para si mesmo um bom alicerce
O ensino de Paulo aos ricos em ITimóteo 6.19 continua e aplica esses ensinos de Jesus nos evangelhos. Eles diz que as pessoas ricas devem usar o dinheiro de uma maneira que coloque para eles um "sólido fundamento para o futuro, a fim de se apoderarem da verdadeira vida". Em outras palavras, há uma maneira de usar nosso dinheiro que nos faz perder a vida eterna.
Sabemos que Paulo tem a vida eterna em vista porque sete versículos antes ele usa o mesmo tipo de expressão referindo-se a ela: "Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas" (lTm 6.12).
A razão por que o uso do nosso dinheiro proporciona um bom fundamento para a vida eterna não é que a generosidade faz por merecer a vida eterna, mas que ela mostra onde está o nosso coração. A generosidade confirma que nossa esperança está em Deus e não em nós mesmos ou no nosso dinheiro. Nós não conquistamos a vida eterna. Ela é uma dádiva da graça (2Tm 1.9). Nós a recebemos ao descansar na promessa de Deus. Depois, como usamos nosso dinheiro confirma ou nega a realidade desse descanso.
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