Como líder do movimento “Jovens Reformadores” [Jungreformatorische Bewegung] e fundador da “Igreja Confessional” (Die bekennende Kirche) na Alemanha, o pastor luterano Martin Niemöller via o poder da Palavra de Deus como a única arma que a igreja dispunha contra o mal. Além do mais, a sua defesa das crenças históricas reformadas não era mero exercício de preservação de antigüidades, mas alicerçava-se na sua confiança de que estas verdades eram importantes em todas as épocas. Numa de suas cartas da prisão escreveu: “Não luto pelo argumento teológico luterano, mas pela igreja do nosso Senhor Jesus Cristo, pois os ataques de hoje não são apenas contra Lutero; e se Calvino é hoje desacreditado, não é ele, mas o Senhor Jesus Cristo”.
Foi preso pela Gestapo [a polícia secreta do Estado] em 1937 e posto na prisão de Berlin-Moabit, até que o seu caso fosse julgado oito meses depois. Mas, após ter cumprido a sua sentença, Adolf Hitler declarou, irado, que ele era um dos seus “prisioneiros pessoais” e o enviou para os campos de concentração de Sachsenhausen e Dachau onde foi libertado pelos aliados no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Após a guerra ficou conhecido ao redor do mundo como o “pastor Niemöller”, por advertir sobre as lições do holocausto e a necessidade de comprometimento da igreja. Segue um excerto de um dos mais famosos sermões deste pastor, pregado para a igreja em Berlin-Dahlem, na Alemanha, em meados de 1936, pouco antes de sua prisão:
[...] “Vós sois o sal da terra; [...] vós sois a luz do mundo” [Mateus 5.13-14].
Quando hoje li estas palavras, elas se tornaram, para mim, verdadeira novidade. Tornei atrás e as reli, e senti um refrigério interior quando encontrei, no quinto capítulo de Mateus, as palavras que as antecediam, as quais conhecia tão teoricamente: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus”, e o texto vai adiante como se não houvesse interrupção entre a perseguição da comunidade de Jesus Cristo e o “vós sois o sal da terra; [...] vós sois a luz do mundo”, mas como se estivessem diretamente relacionadas.
Devo dizer dessa passagem da Bíblia – que conheço desde criança – e que só hoje é que, pela primeira vez, compreendi esta seqüência de idéias, que o que o Senhor Jesus Cristo está falando aos Seus discípulos é: “Vós sereis injuriados e perseguidos, sereis acusados falsamente”, para logo imediatamente acrescentar, “vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo”.
Entretanto, irmãos e irmãs, há algo nelas que parece não se ajustar às nossas tribulações. “Vós sois o sal da terra”. O Senhor Jesus não quer dizer, entretanto, que devamos cuidar em distribuir o sal entre as pessoas, mas chama a nossa atenção para uma outra responsabilidade: “E se o sal for insípido, com que se há de salgar?” A nossa responsabilidade não é como passaremos o sal, mas, como veremos, como é que o sal é e deve continuar a ser sal para que o nosso Senhor Jesus Cristo – que é, por assim dizer, o cozinheiro responsável por este grande cozimento – possa utilizá-lo conforme Seus propósitos.
Irmãos e irmãs, em resposta à questão em que se é, ou não, possível ao Senhor Jesus Cristo prestar assistência prática ao nosso povo hoje, sou obrigado a dizer que não vejo hoje a menor possibilidade de se prestar assistência, entre o povo, ou em que o sal pode ser usado no meio do povo. Mas, irmãos e irmãs, isso não é da nossa alçada, mas do Senhor Jesus. Devemos tão-somente cuidar para que o sal não perca seu sabor, isto é, que não perca a sua capacidade de salgar. Que quer dizer isto?
O problema com o qual devemos nos preocupar é como salvar, neste momento, a comunidade cristã, do perigo de ser lançada no mesmo caldeirão do mundo; quer dizer: ela deve guardar-se distintamente do resto do mundo através da virtude de sua “salinidade”. Como a comunidade de Cristo é diferente do mundo?
Temos passado por dias de perigo – que não acabaram ainda – quando nos é dito: “Tudo será bem diferente quando, como Igreja, deixarem de pregar aquilo que é contrário a tudo quanto todo mundo em torno de vocês está pregando. Devem adequar a sua mensagem ao mundo; devem realmente ter o credo de vocês em harmonia com o presente, e então tornar-se-ão novamente influentes e poderosos”.
Caros irmãos, é isso que significa o sal perder o seu sabor. Não cabe a nós preocuparmo-nos como o sal é utilizado, mas certificarmo-nos de que ele não perca o seu sabor. Aplicando uma antiga divisa de quatro anos atrás: “O Evangelho deve continuar a ser o Evangelho; a Igreja deve continuar a ser a Igreja; o Credo deve continuar a ser o Credo; os cristãos evangélicos devem continuar a ser os cristãos evangélicos”. E – pelos céus – não devemos produzir um evangelho alemão tomado do Evangelho; não devemos – pelos céus – construir uma igreja alemã tomada da Igreja de Cristo; e – por amor a Deus – não devemos fazer cristãos alemães tirados dos cristãos evangélicos!
A nossa responsabilidade é esta: “Vós sois o sal da terra”. É precisamente quando fazemos o sal estar de acordo e em harmonia com o mundo que tornamos impossível ao Senhor Jesus Cristo, através da Sua Igreja, fazer qualquer coisa em nossa nação. Mas se o sal continuar a ser sal, confiemo-lo a Ele que o usará de maneira que se tornará uma bênção. [...]
Caros amigos, é nosso trabalho a obrigação de não cessar nossos esforços em favor da pregação da Palavra, para que a Palavra do nosso Senhor Jesus Cristo seja cumprida em nós. Somos a cidade sobre o monte à qual foi prometido que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. [...]
Irmãos e irmãs, a cidade de Deus não será aniquilada pela tempestade. Jamais será conquistada, mesmo que seus inimigos tomem seus muros exteriores. A cidade de Deus permanecerá, porque a sua fortaleza vem do alto, por que o Cordeiro está com ela, portanto permanecerá firmemente estabelecida. [...]
E que Deus nos ajude a aprender essa verdade!
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Artigo publicado originalmente na revista Modern Reformation volume 5, issue 4 (July/August 1996), e traduzido e publicado na revista Os Puritanos ano 5, no 3 (Maio/Junho 1997), p. 22. O sermão completo se encontra em: www.abcog.org/niemoll.htm.
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