sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Principados, Potestades e Pornografia


Por Rubem Martins Amorese

Efésios 6: 10-18

Inicio aqui uma reflexão em dois tempos, na carta de Paulo aos Efésios, sobre o que ele chamou de “mundo tenebroso”, ou seja, mundo das trevas. No primeiro tempo, considero seu entendimento da realidade de principados e potestades, e no segundo, tento explorar seu pensamento, no sentido de aplicar esse entendimento ao problema da pornografia globalizada dos dias de hoje. Trata-se, sem dúvida, de um assunto difícil, espinhoso; talvez politicamente incorreto, mas necessário, pois os tentáculos desse fenômeno estão, agora, dentro de nossas casas, muitas vezes, em nossos quartos, onde mantemos o computador, ligado à Internet. Os males que esse fenômeno tem trazido já preocupam as agências de saúde pública de muitos países. A pornografia começa a se transformar em epidemia, que não mina apenas as almas, mas também a saúde de suas vítimas.

Há coisas que a gente aprende na vida de crente, mas sobre as quais evita falar, porque acha que podem fazer mais mal do que bem, embora sejam verdades bíblicas. Uma delas é sobre principados e potestades. Para não falar sobre os kosmocratoras (dominadores do mundo), falamos sobre a armadura de Deus; para não falar sobre arche e exousiai (principados e potestades), ficamos na armadura de Deus. Faz sentido pois, se cuidarmos de vestir toda a armadura de Deus, teremos como resistir no dia mau. E isso, em geral, basta. Não precisamos de emoções mais fortes.

Mas chega o momento em que algumas informações, que pertencem a “todo o conselho de Deus”, precisam ser resgatadas, sob pena de sonegação à igreja; algumas circunstâncias da vida da igreja e da sociedade tornam-nas necessárias. Precisamos aprender, novamente, por que razão palavrões, revistas, filmes eróticos e sites pornográficos constituem sérias ameaças à espiritualidade cristã. Houve um tempo em que isso era pacífico. Na sociedade liberada e erotizada em que vivemos, no entanto, o jovem estranha essa postura, e a entende como “caretice” do pastor, desatualizado e fossilizado no tempo.

Talvez estejamos vivendo um desses momentos em que a coisa fica tão feia que somos obrigados a fazer como os autores bíblicos: abrir o jogo e mostrar uma face da vida espiritual que vai para além dos temas do amor, da graça e da misericórdia de Deus. Minha oração é que esta mensagem seja acolhida com bom-senso e responsabilidade. Não me importarei se alguém não concordar com alguns pontos e interpretações, mas oro a Deus para que não rejeitem a visão de que nosso tempo está a sucumbir sob as botas de exousiai e archai kosmokratoras.

Compreendendo o Texto

É importante introduzir meus pressupostos, com a seguinte questão: o que são “principados e potestades”?

Há dois pensamentos divergentes, entre os estudiosos modernos, no trato do assunto. Alguns afirmam que Paulo se referia a estruturas e sistemas iníquos de poderes temporais, referindo-se ao Estado (autoridades políticas, judiciais e eclesiásticas), à morte, à moral e à lei ritual, e também às estruturas econômicas. Para esses, principados e potestades são apenas jurisdição e autoridade: organizações nacionais e estrangeiras que corrompem, distorcem valores, fazem limpezas étnicas, perseguem minorias, oprimem os pobres, beneficiam banqueiros e agências internacionais, se locupletam de bens públicos etc.

Para outros, Paulo pode estar falando, sim, de estruturas e organizações sobrenaturais; no caso, a serviço do príncipe do mal. Esta posição abrange e engloba a primeira. Esta é minha posição, que explicito como pressuposto para o trato do assunto.

De fato, há alguns casos em que essas duas palavras, no Novo Testamento, aparecem como autoridades políticas e humanas. Os sacerdotes pretendiam entregar Jesus à “jurisdição e autoridade” (arche e exousia) do governador. Paulo manda que os crentes sejam sujeitos “às autoridades superiores” (exousiai e archai). Mas é só. Nos demais contextos, gerações e gerações de intérpretes dos primeiros séculos entendem a referência a seres sobrenaturais. Em Efésios 1:20-21; 3:10 e 6:11 (e 16), esses termos estão sempre associados a “lugares celestiais”, para não deixar dúvida sobre o tipo de entidades a que se referem.

Ciladas e Estratagemas

Meu argumento passa por uma compreensão global da carta aos Efésios, ligando 2:2 com 6:11. Não é difícil perceber que, na estruturação de sua carta, o autor lança um tema que desenvolverá, ao longo do texto e que lhe servirá para as aplicações práticas ao final. E é interessante notar que esse tema, esse fio condutor do pensamento do autor, nada mais é que a ação satânica na vida do ser humano. Inicialmente, descrevendo a condição em que nos encontrávamos, antes de sermos resgatados por Cristo; em seguida, exortando-nos sobre como lutar contra suas ciladas e estratagemas de dominação. Note que esse não é um tema lateral, indireto, da carta. Trata-se do assunto condutor da Carta.

Se resumirmos a mensagem dessa vigorosa epístola, diremos que Paulo nos descortina um projeto divino de redenção humana, a atrair forte oposição do inimigo: a implementação do projeto “família de Deus” (2:20-22). Contra esse propósito divino se oporão principados e potestades do mal. O desafio, então, nos é apresentado, a cada um de nós, em 4:1, na forma de exortação: a de vivermos em consonância com o conhecimento dessas realidades. Que andemos de modo digno da vocação a que fomos chamados, qual seja, a de atestadores de que, em Cristo, torna-se possível viver em família novamente, pela restauração do que foi perdido no Éden.

E que ciladas (6:11) utilizará o inimigo para solapar os intentos divinos? Precisamos, então compreender o significado de idolatria, no seu sentido mais amplo (lato sensu), na dimensão em que ela se contrapõe à adoração.

Paulo desenvolve o tema concisa e precisamente em Rm 1:21: “porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças...” Note que a seqüência dessa desconsideração de Deus é corrupção da vida. O famoso exegeta F.F. Bruce nos informa que o modo como Paulo articula esse pensamento revela que ele tinha em mente o texto de Sabedoria (Sab 14:12): “Porque a idéia de fazer ídolos foi o princípio da fornicação, e sua invenção foi a corrupção da vida”.

De fato, Paulo conhecia, como Estêvão (At 7:42), que o idólatra não subsiste num vazio de poder; ao contrário, sua vontade, seus sentimentos, sua consciência são rapidamente mentorados (para não dizer monitorados) “pelo espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2:2). Ele sabia que esses espíritos, além de terem como tarefa a destruição da família, enquanto propósito divino, são degenerados e conduzem suas vítimas à degeneração moral. E ainda lhes dão a certeza de que estão certíssimos. Seus alarmes são desligados. É caso típico de insanidade da alma: “e, inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos”, diz nosso apóstolo.

Veja como essa percepção da idolatria, relacionada a arche e exousiai (principados e potestades) está na mente de Pedro, em 2Pe 2 (avareza, no v.3). Também transparece de Paulo que, ao falar de culto de anjos e culto de si mesmo, diz que tudo desemboca em queda sexual, em Cl 2. Repare, em 1Co 10:20, a indicação paulina de que os sacrifícios idolátricos não ficam no ídolo inerte: “é a demônios que sacrificam, e não a Deus”.

Leia, finalmente, em 1 Co 11:10, a misteriosa exortação à submissão feminina, por causa dos anjos. Será coincidência que Paulo recomende o véu para a mulher e, justamente nesse momento, mencione anjos? Insubmissão, seja de mulher ou de homem, é uma forma de idolatria, pois exalta o ego contra a autoridade. Parece que “escapa”, na redação paulina, sem explicações, alusões a arche e exousiai (principados e potestades), quando ele diz, em 1 Co 6:3, que havemos de julgar os anjos com nosso exemplo.

Se parece que esgotei os textos bíblicos sobre o assunto, pergunto: qual foi o “erro” de Balaão, em Baal-Peor? (veja Judas 11 e 2 Pe 2: 15; associados a Num 25:1-3 e 31:16 cf. Rm 1:27). Reparou, leitor, que as relações com as mulheres moabitas começam com sexo e terminam com idolatria? A inversão é conveniente, e também vale!

Permita-me prosseguir só mais um pouco. Lembra-se do episódio em que Ló é visitado por anjos, em Sodoma? Então, estranhamente, alguns habitantes da cidade lhe pedem que lhes entregue os visitantes para abusar deles? É nesse sentido que verifico que todo o culto pagão (idólatra) de toda a história da humanidade, em sua esmagadora maioria, se baseia em sacerdotisas sagradas (prostitutas sagradas). Essa prática torna-se dramática quando atinge um servo de Deus, como é a história de Oséias e sua esposa Gômer.

Agora pensemos em nosso Brasil de hoje; dos carnavais, das mulatas de exportação, das novelas de televisão etc.: será coincidência a fixação idolátrica do brasileiro por sexo libertino, capitaneado por seus meios de comunicação mais poderosos? Será coincidência que nos meios de comunicação de massa, que têm terminais ligados em nossas casas, eles só pensem naquilo e nos obrigam ao voyerismo? Será que não tem nada a ver com arche e exousiai o fato de sermos o primeiro lugar do mundo em prostituição infantil? nossas meninas servindo de pasto para turismo sexual e gente vindo do mundo todo para apreciar e explorar essas “riquezas naturais”? Será uma grande coincidência o fato de nos termos transformado num dos maiores celeiros exportadores de escravas sexuais para a Europa? ou será que isso tudo não tem um denominador comum, tipicamente brasileiro: a idolatria reinante entre nós, tão desmedida e incontrolável, que já quase não deixa espaço para famílias saudáveis?

Concluindo, quero dizer que entendo que essa idolatria, em sentido amplo, tem relação estreita com arche e exousiai, mentores da ingratidão (não reconhecimento de Deus), da avareza (mamon), da cobiça, da soberba, do orgulho, da crueldade, da arrogância, da prepotência , da injustiça, da rebeldia (rebelião) e da insubmissão. Claro que esta relação não é completa, mas exemplificativa das formas sutis pelas quais somos tentados e subjugados (não fosse a proteção do Senhor) por arche e exousiai.

Reação

Vendo-me chegar ao final do texto, você pode estar preocupado, com a pergunta: estaremos à mercê de tais ciladas e estratagemas? Como se luta contra isso? Com ela, fechamos o ciclo da carta aos Efésios. Note que é com essa temática que Paulo termina a carta. Parece entender que, nessa escaramuça espiritual, o inimigo não “deixará barato” ao Senhor seus intentos de construir sobre a terra seu reino de amor. Então, Paulo vem em nosso socorro e nos adverte a vestirmos “toda a armadura de Deus”. Veja que ele não nos ensina a expulsar demônios, a exorcizar pessoas. Não que ele não soubesse fazer isso. Mas concentra-se no principal: sua consagração ao Senhor. Uma pessoa que deixa brechas idolátricas em sua armadura não está habilitado a esses embates. Por outro lado, se atentarmos no exemplo de Jesus, veremos que ele não procurava confrontos com principados e potestades. Se estes lhe interrompessem a caminhada, ele os enfrentava. Senão, com certeza tinha coisas mais importantes a fazer.

Tendo dito tudo isso, e apresentado minha cosmovisão bíblica, a respeito do tema, chamo sua atenção ao assunto que me preocupa. Proponho, no texto “Adoração, Pornografia e Escravidão”, uma conversa franca com o crente de nossos dias, sobre o poder escravizante de alguns vícios idolátricos modernos. Meu foco será sobre essa praga moderna, atualmente sendo instilada em nossos monitores, sem aviso prévio, pela Internet. Estratagema satânico, certamente. Ele quer fazer-se adorar, por meio da pornografia. Parece sórdido? Pois lembremo-nos de que somos parecidos com aquele a quem adoramos. Seja na direção da luz, seja para lançar nossas almas nas trevas.


Rubem Martins Amorese é Presbítero da Igreja Presbiteriana do Planalto - DF, consultor legislativo no Senado Federal e autor de vários livros, como 'Icabode - da Mente de Cristo à Consciência Moderna', e 'Meta-História'.
Fonte: amorese

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