Por Maurício Zágari
"Tem misericórdia de mim, ó Deus, por teu amor; por tua grande compaixão apaga as minhas transgressões. Lava-me de toda a minha culpa e purifica-me do meu pecado"? (Sl 51.1,2)
Li
recentemente em um blog a reprodução de um velho texto de um antigo
líder religioso cristão. O artigo atesta, em resumo, que "o sentimento
de culpa do pecador se opõe à graça de Deus". Que seriam conceitos
excludentes, opostos. Li o referido texto, de 2003, e cheguei a uma
conclusão: esse argumento está errado. Bem errado, na verdade. Segundo o
artigo, "é sem culpa que nós temos que tratar dos nossos pecados.
Pois com culpa apenas os aumentaremos e os fixaremos mais profundamente
em nós...como 'pecados próprios'". O autor propõe uma graça que
desmaterializa a culpa previamente. Já eu entendo que a graça vem em
sequência à culpa, como a borracha que apaga o erro. Em suma: entendo
biblicamente que a graça de Deus não exclui a culpa do pecador, mas vem
como o bálsamo que irá curar as dores dessa culpa e transformá-la em
vida e paz.
Acredito
que o pastor que escreveu o texto o fez com a melhor das boas
intenções. O artigo foi escrito na tentativa de aliviar do coração dos
pecadores o peso da culpa de pecados cometidos. Seria uma atitude amável
e louvável, se não usasse de um argumento antibíblico. O conceito de culpa
é tão execrado pelas pessoas por uma razão bem clara: ele se contrapõe
frontalmente ao desejo de ser feliz. Pois culpa gera tristeza. E
tristeza é o contrário de felicidade.
E
a verdade é que vivemos na era do pseudoevangelho da felicidade, que
afirma que o cristão tem que viver "feliz da vida". Logo, a ideia de que
o cristão sentir culpa pode ser algo benéfico como resultado da ação
graciosa de Deus (e não em oposição à graça) é ofensiva ao cristão do
século 21. Pois eu e você queremos seguir Jesus para sermos felizes,
para fugir da tristeza, para nos livrarmos de toda a culpa e assim
alcançar o máximo de felicidade que a vida com Cristo poderia nos
proporcionar.
Só
que há um porém. Se deixarmos de lado a poesia que existe no discurso
da "graça anticulpa" e formos olhar para onde realmente importa, a
Bíblia, veremos que a proposta de Cristo é que, se a tristeza for
necessária, que venha! Jesus jamais, em nenhum lugar de todos os quatro
Evangelhos, propõe fora do porvir uma vida de felicidade livre de culpa e
de tristeza.
Culpa que funciona como canal da graça
Como funciona então - biblicamente - essa relação entre culpa e graça? A sequência é até bastante lógica:
1. O cristão peca.
2. O Espírito Santo o convence do pecado, da justiça e do juízo.
3. Esse convencimento faz brotar no coração do pecador, adivinhe você, culpa.
4. A percepção dessa culpa o leva ao arrependimento mediante a ação graciosa do Espírito Santo.
5. A confissão do pecado, motivada pela dor da culpa, aciona a ação intercessória de Cristo junto ao Pai e o pecado é lançado no mar do esquecimento.
2. O Espírito Santo o convence do pecado, da justiça e do juízo.
3. Esse convencimento faz brotar no coração do pecador, adivinhe você, culpa.
4. A percepção dessa culpa o leva ao arrependimento mediante a ação graciosa do Espírito Santo.
5. A confissão do pecado, motivada pela dor da culpa, aciona a ação intercessória de Cristo junto ao Pai e o pecado é lançado no mar do esquecimento.
Porém,
pela proposta do texto em questão, automaticamente a graça vem e nos
leva a lidar com aquele pecado com uma certa leveza. Afinal, propõe ele,
a salvação já nos teria libertado da culpa de ter pecado.
Mas,
se assim fosse, como entender as palavras do rei Davi no Salmo 51,
rasgado pela culpa após ter adulterado com Bate-Seba e causado a morte
de Urias, "tem misericórdia de mim, ó Deus, por teu amor; por tua grande compaixão apaga as minhas transgressões. Lava-me de toda a minha culpa e purifica-me do meu pecado"?
Fato
é que a nossa sociedade pós-freudiana pintou a culpa como sendo um mal
terrível. Um dos grandes vilões dos nossos dias, geradora de neuroses e
infelicidade. Mas a verdade é que, na Bíblia, longe dos consultórios dos
psicólogos, a culpa é um mal necessário. Aliás, fundamental. Sem que o
pecador seja incomodado pela culpa gerada pelo toque do Espírito (que
nos convence do nosso pecado) ele não alcançará arrependimento.
Mostre-me um cristão sem sentimento de culpa e lhe mostrarei um cristão
que não se arrepende de seus pecados.
Quando o profeta Natã é usado pelo Espírito Santo para mostrar a Davi que ele é réu de pecado, o rei, assolado por seu sentimento de culpa, escreve nos versículos 11 a 14 do mesmo Salmo: "Não me expulses da tua presença, nem tires de mim o teu Santo Espírito. Devolve-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito pronto a obedecer. Então ensinarei os teus caminhos aos transgressores, para que os pecadores se voltem para ti. Livra-me da culpa dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação! E a minha língua aclamará a tua justiça".
Será
que, ao ler essas comoventes palavras de um pecador que busca
desesperadamente o perdão, motivado pelo sentimento gracioso de culpa
que o levou ao arrependimento, você concordaria com o que o prezado
pastor escreveu em seu texto, que "é sem culpa que nós temos que tratar dos nossos pecados"? Lamento, eu não. A culpa redentora da Davi soa mais forte ao meu coração, visto que foi usada como canal da graça de Deus.
A tristeza que alegra Deus
O apóstolo Paulo, ao escrever aos cristãos de Corinto em 2 Co 7.8-11, deixa claro: "Mesmo
que a minha carta lhes tenha causado tristeza, não me arrependo. É
verdade que a princípio me arrependi, pois percebi que a minha carta os
entristeceu, ainda que por pouco tempo. Agora, porém, me alegro, não
porque vocês foram entristecidos, mas porque a tristeza os levou ao
arrependimento. Pois vocês se entristeceram como Deus desejava, e de forma alguma foram prejudicados por nossa causa. A tristeza segundo Deus não produz remorso, mas sim um arrependimento que leva à salvação, e a tristeza segundo o mundo produz morte. Vejam o que esta tristeza segundo Deus
produziu em vocês: que dedicação, que desculpas, que indignação, que
temor, que saudade, que preocupação, que desejo de ver a justiça feita!
Em tudo vocês se mostraram inocentes a esse respeito".
Paulo
está dizendo que a tristeza levou os cristãos que estavam em pecado ao
arrependimento. E diz claramente: "vocês se entristeceram como Deus desejava",
ou seja, a tristeza daqueles cristãos que estavam em pecado, que foram
alcançados pela graça, que se viram imersos em culpa... era desejo de
Deus! Paulo afirma que o Deus de toda a graça queria que os cristãos de
Corinto ficassem tristes por estarem pecando, isto é, que sentissem
culpa pelo pecado e mudassem de atitude para que esse sentimento fosse
deletado. E o apóstolo usa uma expressão absolutamente fora de moda nos
nossos dias e que destoa totalmente do texto que motivou este post: "tristeza segundo Deus".
Ou seja, uma tristeza que vem da graça de Deus e que nos leva a sentir
culpa pelo pecado e, logo, tristeza - que por sua vez leva ao
arrependimento.
Fato
é que o Deus da graça pode usar a culpa como um grande elemento
transformador. Ver-se culpado de uma transgressão, como Davi se viu,
revela em nós a ação da graça e nos desperta para as consequências do
pecado, da justiça e do juízo. E não o contrário. E é essa percepção que
gera a vida - mediante nosso arrependimento, nossa posterior confissão
de pecados e por fim nossa reconciliação com o Pai.
Freud X Bíblia
Nós,
cristãos, temos que abandonar o conceito fredudiano de culpa como
elemento destruidor e passarmos a abraçar o conceito bíblico e cristão
de culpa como elemento transformador. Para Freud, culpa gera neuroses.
Para o Deus da graça, culpa gera tristeza que leva ao arrependimento dos
pecados. E, com isso, vida.
Por isso, perdoem-me se discordo da afirmação do pastor que escreveu que "é
sem culpa que nós temos que tratar dos nossos pecados. Pois com culpa
apenas os aumentaremos e os fixaremos mais profundamente em nós...como
'pecados próprios'". Respeito a opinião dele, mas acredito
exatamente o contrário: que é com culpa que temos de tratar dos nossos
pecados - pois ela é um santo remédio. A culpa age como um combustível
para buscarmos com a mesma contrição de Davi o Deus Todo-Poderoso que
nos livra da culpa e somente mediante esse contato deixaremos de ser
escravos dela - por meio da ação perdoadora, reconciliadora e
justificadora do Jesus ressurreto.
Assim, por mais curioso que seja, é justamente a culpa que nos livrará da culpa, pela ação de Deus.
E, querido irmão, querida irmã, isso sim é graça: ser culpado mas ser
absolvido da culpa sem nenhum merecimento. Pois tudo é mérito da Cruz.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Fonte: Apenas
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