quinta-feira, 1 de março de 2012

Três fatos a respeito do Problema do Mal


Por Samuel Falcão

Embora todos não possam concordar em tudo quanto se refere a este problema intrincado, há pelo menos três fatos que todos os teístas admitirão neste particular: 1. A existência do mal, 2. O fato de Deus não poder ser o autor do mal, e 3. O fato de Deus permitir que o mal exista.

a) O primeiro fato que todos temos de reconhecer é a existência do mal ou pecado no mundo. Os sofrimentos a que todos estamos sujeitos; o egoísmo que caracteriza todos os ho­mens; os inúmeros atos maus que têm sido cometidos por todos os membros da raça humana através das eras; a existência de pecados como o orgulho, o ódio, a cobiça, os ciúmes, as menti­ras, a lascívia e um sem número de pecados semelhantes a es­tes, pecados que nós mesmos experimentamos, e pecados que vemos ao nosso redor, em nosso próximo. Todos estes fatos conspiram em provar o triste, mas incontestável fato de que o mal existe no mundo. Quereis uma prova do numa só palavra? A guerra. Já se disse que a história da humanidade tem sido escrita com sangue, porque é a história de suas guer­ras. E a guerra, a maior loucura e a maior crueldade que o homem é capaz, revela a dolorosa condição do gênero humano sob o domínio do pecado.

A realidade do mal é tão evidente que os pagãos foram levados a pensar que existem no mundo duas forças eternas e opostas entre si, as quais têm estado e estarão em luta constan­te para todo o sempre. Nós, que cremos num Deus eterno e onipotente, não podemos concordar com essa teoria. Não cre­mos nesse dualismo. Mas não podemos negar a realidade do mal, não só porque sabemos de sua existência por nossa pró­pria experiência, mas especialmente porque a revelação de Deus afirma essa existência e anuncia sua final derrocada, no fim desta luta terrível. Sabemos que o bem é eterno, porque tem sua fonte em Deus, que não teve princípio nem terá ja­mais fim; mas o mal é transitório, porque começou no tempo, com os seres criados, e acabará (no sentido de ser vencido) no tempo marcado por Deus, depois de ter realizado seu propósito. E assim, na eternidade, para onde marchamos, o bem reinará supremo, sem oposição, (ver Rom. 16:20).

b) O segundo fato que todos temos de admitir é que Deus não é o autor do mal. O Deus em quem cremos é infinita­mente bom e perfeito. Não podia ser o originador do mal. Todas as Escrituras ensinam que Deus é infinitamente santo e por isso, não podia ser o autor de algo que é exatamente o oposto de sua natureza. O verdadeiro conceito do mal por si mesmo nega a possibilidade de se atribuir sua origem a Deus. O mal em sua essência opõe-se, é contrário a Deus e suas perfeições, em su­ma, viola suas leis. A Bíblia ensina que até certas coisas que em si mesmas não são pecaminosas, podem tornar-se tais, se as praticarmos contra nossa consciência, isto é, contra aquilo que supomos ser a vontade de Deus (cf. Rom. 14:14, 23; 1Cor.8:8-13).

Que o mal se opõe a Deus vem sugerido pela figura da luz e das trevas, empregada pela Bíblia para designar a Deus e a Satanás, respectivamente. “Deus é luz, e não há nele treva ne­nhuma” (1Jo.1:5). Mas o reino de Satanás é o reino das tre­vas (Ef.6:12; At.26:18; Col. 1:12,13). Que são as trevas? São a ausência da luz. Assim, pois, que é o mal? E a ausência de Deus, de quem procede todo o bem. Portanto, Ele não pode ser o originador do mal, visto como não pode contradizer-se a si mesmo. Não pode ser ao mesmo tempo luz e trevas. Esta é a razão pela qual Tiago declara em sua epístola: “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg.1:13).

Estas considerações sugerem uma pergunta muito impor­tante: qual é a natureza e qual é a origem do mal? É o mal uma tendência impessoal, ou se originou numa pessoa?

O mal não pode ser uma tendência impessoal, porque neste caso teríamos de admitir uma das duas: ou Deus e o autor do pecado, ou existem duas forças opostas entre si no mundo. Nou­tros termos, se o mal fosse uma tendência, ou seria ele criado por Deus (o que importaria em negar a santidade divina), ou o dualismo seria uma verdade. E então, como começou o mal?

A única explicação possível da origem do mal é a existên­cia de um ser superior ou ser moral que, tendo sido feito livre, podia opor-se a Deus. No momento em que Deus criou um ser moral, inteligente, livre e responsável, dotado de vontade que podia opor-se à sua, ele criou a possibilidade de se desobede­cer a essa sua vontade e, portanto, criou a possibilidade do pe­cado que, como já vimos, é algo contrário a Deus ou é afasta­mento de Deus. Ser moral é o que é livre e responsável e, portanto, tem o direito de obedecer ou de desobedecer a Deus. Além do que, não há valor algum na obediência que não se acompanha da possibilidade de desobedecer. Visto como Deus não se pode contradizer a si mesmo, não podia negar a um livre agente o direito de desobedecer-lhe; ou, noutras palavras, não podia tirar-lhe o que ele próprio lhe houvera dado — a liberdade.

A Bíblia dá a entender que toda vez que Deus criou um ser moral, submeteu-o a uma prova para ver se lhe obedecia ou não, dando-lhe uma oportunidade de decidir ser a favor ou contra Deus. Foi este o caso dos anjos, e foi igualmente o caso do homem, no princípio. O mesmo aconteceu até com o homem Jesus Cristo, quando o Espírito o impeliu ao deserto para ser tentado pelo diabo. Apesar de ser Filho, precisou aprender a obediência através de seus sofrimentos (Heb.5:8).

A Bíblia não diz exatamente quando e como o mal come­çou, mas revela que por causa do orgulho, Satanás deu-lhe ori­gem. Quando Deus criou o homem, o mal já existia, visto como, antes da queda, proibiu-lhe comer do fruto da árvore da ciên­cia do bem e do mal. Penso que esta é a razão por que Deus proveu redenção para o homem, porém não para Satanás e seus anjos. Não foi o homem que originou o espírito de revolta contra Deus, e de certo modo foi vítima do grande adversário de Deus. Note-se nesta conexão que o inferno não foi feito para o homem, mas foi “preparado para o diabo e seus anjos” (Mat. 25:4l).

Concluímos, pois, que o mal começou com a desobediência de um ser moral, que se rebelou contra Deus e levou o homem a seguir-lhe as pegadas. Depois de começar com um ato de desobediência e revolta, o mal tornou-se uma tendência nos seres desobedientes. Temos aí por que todos os descendentes de Adão nascem com uma natureza pecaminosa, como o decla­rou Davi: “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl.51:5). Deus é o único que pode modificar e extinguir essa tendência mediante uma completa transforma­ção chamada nas Escrituras novo nascimento.

c) O terceiro fato que precisamos admitir, com referên­cia a este assunto, é que Deus decidiu permitir o mal, permitir que o pecado entrasse no mundo. Admitir a santidade de Deus é reconhecer que Ele não podia ser o originador do mal, como já vimos. Mas, por outro lado, crer em sua onipotência é reco­nhecer que o mal não podia vir a existir sem que Ele o permi­tisse. É claro que Ele decidiu, por algumas razões não revela­das de todo, permitir que o mal penetrasse no mundo. Contudo não precisamos inquietar-nos com as razões de Deus, por­que Ele mesmo nos tem dito em sua Palavra que “as coisas en­cobertas pertencem ao Senhor nosso Deus; porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre” (Deut. 29:29). Todavia não devemos esquecer que, permitindo a existência do mal, Deus é capaz de controlá-lo e também de extingui-lo no devido tempo, como é certo que vai fazer.

Que Deus domina o mal e os seres malignos vemo-lo no fato de Satanás não poder fazer qualquer mal a Jó, enquanto Deus não lho permitiu, e ainda assim somente até onde Deus permitiu. Mesmo para entrar nos porcos, os demônios precisa­ram pedir que Cristo lho permitisse (Mat.8:31,32). O desejo de Satanás, durante muito tempo, fora naturalmente destruir Jó, mas nada pôde fazer sem a permissão divina. Porém, pelo fato de permitir que Satanás fizesse o que desejava, Deus me­rece censura pelos atos do maligno? Certo que não. O mesmo se diga dos homens. Todos nascemos em pecado, e nossa ten­dência é cada vez mais para o pecado. Deus entretanto domina em nós essa tendência, interferindo ou deixando de interferir permitindo ou não permitindo que nos afastemos dele até onde queiramos. Algumas vezes Deus coíbe as ações dos ho­mens, como no caso de Abimeleque, a quem Ele disse: “Daí o ter impedido eu de pecares contra mim, e não te permiti que a tocasses” (Gen.20:6). Que Deus é capaz de dominar até os desejos dos homens vem declarado em Ex. 34:24, onde lemos: “Ninguém cobiçará a tua terra, quando subires para compare­cer na presença do Senhor teu Deus três vezes no ano”. Ou­tras vezes, no entanto, Deus permite que os homens procedam como querem, abandonando-os às suas próprias tendências e de­sejos. Lemos, por exemplo, que “nas gerações passadas, Deus permitiu que todos os povos andassem nos seus próprios cami­nhos” (At.14:16). Lemos também que “lhes fez o que deseja­vam” (Sl.78:29). Ainda lemos em Rom.1:24,28 que, por cau­sa do orgulho, da ingratidão e da vaidade dos homens, Deus “os entregou à imundícia, pelas concupiscências de seus pró­prios corações, para desonrarem os seus corpos entre si; e por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para pratica­rem coisas inconvenientes”. (Leia-se também Deut. 8:2; 2Cron. 32:31; Os.4:7).

Fonte: Escolhidos em Cristo – O Que de Fato a Bíblia Ensina Sobre a Predestinação, Samuel Falcão, Ed. Cultura Cristã, 1997. Via: Eleitos de Deus

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