terça-feira, 15 de março de 2011

Epitáfio

Epitáfio


Por Tiago Santos

Qual será o seu epitáfio? O que será dito sobre você, quando você partir? Quais serão suas últimas palavras? As palavras que beiram a morte refletem como foi nossa vida.

Há algum tempo, um amigo me falava sobre o pai de um amigo seu, norte americano, que houvera sido militar, nos Estados Unidos.

Este homem lutou na Guerra da Coréia. Lá, ele, que era crente, enfrentou uma situação extrema. Seu regimento foi abatido, muitos colegas e amigos morreram na investida das tropas inimigas. Ele foi um dos poucos que, mesmo ferido, por algum tempo conseguiu manter sua posição, lutar e, ainda, defender a vida de um soldado amigo, que estava muito ferido.

O texto que desejo considerar também de um soldado. Alguém que deu sua vida à causa pela qual lutou.

2 Timóteo 4.6-8:

Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado.
Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.
Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda.

Antes de nos determos nesta afirmação solene de Paulo, vamos entender um pouco do contexto em que ele a elaborada:

Uma carta, um destinatário.

O texto que analisamos faz parte de uma carta. As missivas tinham importância muito grande naqueles tempos – todo comunicação oficial era feita por meio delas. As Escrituras do Novo Testamento consistem, em sua maioria, de cartas – nelas eram dadas notícias, instruções para igrejas, indivíduos, saudações pessoais, informações importantes. Como toda carta, as cartas das Escrituras devem ser lidas por inteiro, para que se tenha uma boa compreensão do todo. Afinal, quando recebemos uma carta em casa, especialmente se é uma carta a qual esperamos há muito tempo e estamos ansiosos por ler, não leremos apenas um pequeno trecho, um parágrafo, uma linha, enfim, e ficaremos satisfeitos. Queremos lê-la por completo. Saber tudo o que há nela – e, muitas vezes, lemos e relemos, porque assim nos familiarizamos mais com seu conteúdo, suas notícias e informações.

A carta foi enviada a alguém: Timóteo. Timóteo era um jovem muito capaz. Sua mãe Eunice, e avó, Loide, eram crentes. Seu pai era um gentio. Timóteo fora instruído na Palavra de Deus desde criança. Era filho na fé do apóstolo Paulo, o qual, por diversas oportunidades, assim o chama (1 Tim. 1.2, 18; 2 Tim. 1.2; 2.1). Paulo, aliás, nutria por Timóteo uma grande afeição – dizia que ao revê-lo, transbordaria de alegria.

Timóteo era o pastor da Igreja em Éfeso. Ele chegou nesta cidade por insistência do apóstolo Paulo, que pedira-lhe que ali ficasse para “admoestar certas pessoas a fim de que não ensinem outra doutrina” (I Tim. 1.3).

Éfeso é uma cidade grande e importante, considerada a capital da Ásia naqueles tempos. Paulo esteve lá em sua terceira viagem missionária e permaneceu por quase três anos na cidade onde fundou uma importante e frutífera igreja. (At. 19).

A carta cujo trecho nós lemos foi a última carta escrita pelo apóstolo Paulo, antes de sua morte. Ele devia ter cerca de 60 anos quando a redigiu.

O remetente:

Em toda carta, nota-se a experiência de quem fora marcado pelo tempo de trabalhos árduos e difíceis e que, mesmo em sua velhice, enfrentava lutas duras.

Paulo estava encarcerado em uma prisão, em Roma, apenas aguardando a sentença definitiva – morte.

Nesta carta, Paulo, o velho, como ele mesmo se chamava (Fm. 1.19), dá uma série de conselhos a Timóteo, instruindo-o a perseverar na fé que recebeu na juventude e na qual foi confirmado pelo ministério. Paulo preocupa-se em citar seu próprio exemplo de firmeza e perseverança em contraste com a infidelidade e apostasia de homens que abandonaram a fé. Homens que andaram com o próprio apóstolo.

Oferece uma série de instruções finais, quase como se fosse um testamento. Esse, aliás, é o ponto ao qual devemos voltar nossa atenção nesta carta, pois nela temos as últimas palavras de um homem.

As palavras que beiram a morte refletem como foi nossa vida.

Pense em Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés, Josué, Samuel, Davi e em Jesus Cristo. Procure nas Escrituras quais foram suas últimas palavras, suas orientações finais. Vejam nestas palavras o fruto de sua preocupação – de sua atenção. Vejam como glorificaram a Deus em sua vida e também, em sua morte.

Agora, voltemo-nos para Paulo, em suas últimas palavras, em seu “canto do cisne”, e vejamos como ele tem a nos ensinar. Paulo inicia esta frase como uma conclusão da sentença anterior. Ele estava dizendo a Timóteo como devia ser o procedimento dele no ministério, nos versos iniciais do capítulo 4, e então diz:

“Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação”. Libação é o ato sacrificial de deitar óleo ou vinho sobre o sacrifício. A primeira vez que a palavra libação ocorreu na Bíblia, foi quando Jacó erigiu uma coluna onde Deus lhe apareceu (Gn. 35). Sua prática é mais tarde regulada pela Lei de Moisés. No N.T, só aparece duas vezes, as duas proferidas pelo apóstolo Paulo, para fazer referência à sua vida como libação, ou como a oferta de sua vida como um sacrifício pela causa do Senhor. Ele diz isso em Fp. 2.17 “Entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo” e nesta passagem. Aqui, o apóstolo está falando de sua vida como uma oferta ao Senhor. Ele nos exorta a fazer a mesma coisa em Romanos 12.1, quando roga-nos a que ofereçamos nossa vida como sacrifício vivo ao Senhor.

Em outras palavras, é como se Paulo estivesse dizendo a Timóteo: “Seja assim, Timóteo, pois, quanto a mim, eu já fiz minha parte”.

Quantos de nós chegaremos ao fim de nossa vida com esta lucidez e clareza de nossa vida? Temos feito hoje nossa parte? Nosso presente determina como será nosso epitáfio. Nossa palavra final. O hoje e agora, serão a história do nosso amanhã. Se desejamos chegar ao fim de nossa vida com a mesma certeza de Paulo, temos de começar hoje e agora a história que amanhã, será ontem, será passado.

“Tempo da partida”, é a mesma expressão usada quando as amarras de um navio são soltas, para que ele possa navegar. Paulo estava consciente de sua partida desta vida. No entanto, ele não tinha temores ou desespero. Pelo contrário, queria ser útil enquanto estivesse vivo – mas entendia que a morte não era o fim. Em 1 Coríntios 15, o apóstolo Paulo lembre da vitória que obtemos em Cristo sobre a morte.

Em seguida então, ao refletir sobre toda sua vida – imaginem o apóstolo escrevendo para Timóteo, dando conselhos de uma imunda prisão romana:

Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.A palavra para combater é “agonizomai” – de onde vem nossa palavra agonia. Paulo disse que agonizou a boa agonia. Esta palavra envolve uma boa dose de sofrimento. Paulo se refere à vitória que obteve em suas lutas e sofrimentos.

Quando ele instrui Timóteo em sua primeira epístola (6.12), ele diz: “Combate o bom combate da fé”. Este é o combate que Paulo completou. O bom combate da fé.

Manter a fé é uma agonia. É uma luta. Trata-se de uma luta intensa, difícil, sofrida a de manter a nossa fé, a nossa confissão em Cristo. É um grande desafio para nós, nos dias de hoje, seguir o exemplo do apóstolo Paulo e lutar o bom combate da fé.

Creio que, lendo esse texto, podemos resumir a vida de Paulo, nessas palavras: Fidelidade. Perseverança.

Um grande servo de Deus do passado, John Owen, recebeu a seguinte homenagem póstuma, em sua lápide: “Uma pura lâmpada da verdade evangélica brilhou para muitos em particular, para muitos no púlpito, e para todos, pelas obras impressas, apontando sempre o mesmo alvo. E nesse resplendor, foi gradualmente gastando suas forças até que elas se foram. Sua alma santa, anelando por desfrutar mais de Deus, partiu das ruínas de seu corpo quebrado , não mais apto para servir. Sua morte foi um dia de felicidade.”

Refletir nesses exemplos ajuda-nos a considerar o que será dito a nosso respeito, quando nós partirmos.

Paulo finalmente conclui dizendo que: Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda.

Todos os que perseverarem, receberão o prêmio das mãos do próprio salvador.

Em suas duas cartas, Paulo disse a Timóteo, que, num certo momento da carreira cristã, alguns de seus companheiros abandonaram a fé. Distraíram-se com este mundo. Amaram o presente século. Desanimaram-se. Acovardaram-se. Voltaram atrás. Titubearam. E, pense bem, esses que deixaram a fé foram um dia companheiros do próprio Paulo. Um dia eles estavam certos da confissão que faziam, mas não prosseguiram até o fim.

Mas, não temos porque temer. João disse: porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. (1 Jo. 5.4)

O que deve animar nosso coração, é o fato de a vitória final já haver sido conquistada por Cristo. Nós precisamos tão somente confiar no Senhor Jesus Cristo, e Ele mesmo nos conduzirá (Rm. 8.31-39).

Paulo lembra a Timóteo que ele permaneceu firme na fé, até o fim. Estava terminando bem a sua vida. Esta palavra não foi dada com arrogância ou para demonstrar superioridade. Paulo sabia de suas misérias e lutas e mais de uma vez afirmou isso em suas epístolas. Jerry Bridges sugere que, dentre outros, há 4 fatores que ajudam-nos a permanecer fieis, em toda nossa vida:

  • Tempo diário de comunhão consagrada com Deus
  • Apropriação diária do evangelho
  • Compromisso diário com Deus como um sacrifício vivo
  • Uma crença firme na soberania e no amor de Deus

Sobre a perseverança de Paulo, Bridges diz o seguinte:

“perseverança significa continuar avançando, apesar dos obstáculos. Portanto, quando Paulo disse: “Completei a carreira”, estava afirmando basicamente: “Perseverei”. Precisamos permanecer firmes. As Escrituras nos exortam, repetidas vezes, a fazermos isso. Contudo, lembre-se: isso é mais do que permanecer quieto. Se pensarmos assim, não entenderemos o que significa permanecer firme. Temos de avançar. Temos de perseverar. Temos de ser como Paulo e afirmar: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”. Sejamos, você e eu, semelhantes ao apóstolo Paulo. 1

Aquele soldado que lutou na Coréia, no começo de nosso texto, faleceu recentemente. Mesmo depois de 50 anos de seus atos heróicos, ele foi homenageado e lembrado por sua bravura e coragem no campo de batalha, em seu combate.

Que sejamos nós também, à semelhança do apóstolo Paulo, perseverantes e firmes até o fim. A ponto de, ao fim de nossas vidas, podermos olhar para trás e dizer que lutamos o bom combate da fé e estamos prontos para receber a coroa da vida.

1 John Piper e Justin Taylor. FIRMES – Um chamado à perseverança dos Santos (São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2010) p. 42

Fonte: Blog Fiel

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