Por Philip Ryken
O calvinismo é bastante conhecido e respeitado por sua teologia. Mas o que podemos dizer a respeito de sua piedade?
Algumas vezes nos é dito que calvinistas não são bons cristãos. De acordo com uma crítica: “Nada vai levar tanto ao orgulho e a indiferença como a afeição pelo calvinismo. Nada destruirá a santidade e a espiritualidade como o apego pelo calvinismo fará. As doutrinas do calvinismo irão destruir e matar tudo: oração, fé, zelo e santidade.”
Talvez seja verdade que alguns que se chamam calvinistas não sejam tão bons cristãos – os “chamados afastados” algumas vezes são mesmo chamados. Mas se eles não são bons cristãos, também não serão bons calvinistas, porque um verdadeiro entendimento da teologia reformada resulta em uma experiência cristã vibrante que irá encher a sua vida espiritual de vitalidade. Longe de esfriar o calor da piedade, as doutrinas da graça ajudam a causar crescimento.
Em nenhum lugar isso é tão claro como na vida de João Calvino, em toda sua paixão por Cristo. “Esforce-mo-nos”, escreveu Calvino em Golden Booklet of the True Christian Life, “para alcançar um alto grau de santidade até que cheguemos a perfeição da bondade que buscamos e perseguimos em vida, mas que só obteremos quando libertos da mentalidade terrena e sejamos admitidos por Deus em Sua comunhão.” Em outras palavras, nós devemos lutar por uma santidade contínua, mesmo se o objetivo não for alcançado, devemos nos esforçar até vermos o Senhor em Sua Glória.
O calvinismo é completamente comprometido com o calor da piedade pessoal porque é completamente comprometido com a Bíblia. Somente nas Escrituras, disse Calvino, “podemos encontrar a principal raiz da transformação de nossas vidas.”
É a Escritura que nos mostra o caráter justo de nosso santo Deus, e nos fala para sermos santos assim como Ele é santo (vide Lv 20.26; 1Pe 1.15)
São as Escrituras que nos ensinam a justiça requerida por Deus na sua santa lei. São as escrituras que proclamam o evangelho de Jesus Cristo, pois Ele se tornou nossa santidade pela fé (ver 1 Co 1.30). São as Escrituras que testificam da obra do Espírito, cuja santidade nos conforma a Cristo. E são as Escrituras que nos chamam para perseverarmos “na santidade sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14)
Também são as Escrituras que nos ensinam as doutrinas distintivas da teologia Reformada, comumente conhecidas como Calvinismo. Essas doutrinas não nos impedem de procurarmos por santidade, como muitas vezes é dito, mas na realidade nos impulsionam para uma vida de mais santidade. Mais ainda, essas doutrinas fazem da santidade um alvo totalmente possível ao basear nossa experiência de vida cristã na graça poderosa de nosso Deus.
Talvez a melhor doutrina para começar seja mesmo a depravação total. Como Calvino, calvinistas crêem que nada que façamos é completamente bom. O pecado distorceu todos os aspectos de quem somos. Nossas mentes, corações, vontades e até mesmo nossos corpos foram corrompidos pela nossa iniqüidade.
Essa doutrina pode não parecer muito encorajadora. Entretanto, o conhecimento do pecado nos leva ao arrependimento – que é o primeiro passo para a santidade. Somente quando vermos quão longe da santidade estamos, nós iremos a Deus por sua Graça. Só, e somente só, nós estaremos prontos para a obra justa que o Senhor requer. Não há santidade sem arrependimento, e não há arrependimento sem conhecimento do pecado. Ou seja, a doutrina da depravação total é fundamental para a santidade no evangelho.
A segunda doutrina distinta da fé Reformada é a eleição. Essa verdade ensina que o que acontece na nossa salvação é determinado por uma decisão prévia de Deus. Eleição é o decreto de Deus em amor por sua soberania para que nossa salvação não seja baseada em nada que façamos, mas somente em sua misericórdia. A graça de Deus é a escolha de Deus.
Críticos dizem que essa doutrina elimina qualquer incentivo para a santidade pessoal. Se fomos escolhidos por Deus desde a eternidade, nossa salvação está segura. Então por que se perturbar em viver uma vida justa?
Essa crítica é uma perigosa distorção daquilo que a Bíblia ensina. Longe de eliminar a necessidade da santidade pessoal, a doutrina da eleição nos chama para uma vida de santidade. Nós fomos escolhidos em Cristo justamente para o propósito da santidade.
Para ver isto, nós temos que seguir a lógica paulina do início de Efésios. Aqui, o Apóstolo agradece a Deus por ter nos escolhido em Cristo “antes da fundação do mundo” (Ef 1.4a). Mas por que Deus nos deu essa bênção? Qual foi seu propósito ao nos escolher em Cristo? É justamente para que nos apresentemos santos e irrepreensíveis diante dEle (Ef 1.4b)
A doutrina da eleição, então, é um chamado a santidade. Deus nos escolheu para sermos santos em Jesus. Paulo faz essencialmente o mesmo argumento em Romanos, quando diz que fomos “predestinados para sermos conforme a imagem de Seu filho” (Rm 8.29). Nós fomos chamados por Deus para sermos como Jesus, de acordo com seu padrão de justiça. Ao invés de nos tornar orgulhosos e presunçosos, a graça da predestinação é a base para nossa santificação.
A terceira doutrina distintiva é a soberania de Deus. Em uma certa extensão, todo cristão diz crer nessa doutrina. Entretanto, só os calvinistas têm uma compreensão boa da soberania de Deus, ao não limitar o controle de Deus sobre as escolhas humanas, mas crendo que Ele “preserva e governa todas as criaturas e suas ações” (Catecismo Breve de Westminster, Resposta 11)
Algumas pessoas dizem que uma visão tão grande da soberania de Deus elimina qualquer senso de responsabilidade humana, incluindo nossa responsabilidade para o crescimento espiritual. Mas o calvinismo entende que esta não é a lógica da Bíblia. “Desenvolvam a vossa salvação com temor e tremor”, Paulo escreve aos Filipenses (Fp 2.12). Mas com que base o apóstolo faz esta exortação? Seria por que tudo depende de nós, então devemos desenvolver nossa própria santidade? Nunca seremos completamente salvos?
Ao contrário, Paulo nos diz para desenvolvermos nossa salvação “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.” (Fp 2.13). A obra graciosa de nosso soberano Deus estabelece a base para uma vida de serviço e devoção a Deus. João Calvino escreveu: “A santidade não é um mérito pelo qual nós alcançamos comunhão com Deus, mas um presente de Cristo, que nos capacita para nos inclinarmos a Ele e O seguirmos”
Finalmente a graça soberana de nosso Deus é base para uma vida de oração, que é o coração de toda vida piedosa. Oração não é o caminho para ganharmos algo que Deus não quer nos dar – ou um modo de fazermos Deus fazer algo que Ele não quer fazer. Ao invés disso, é um modo de rendermos nossa própria vontade ao propósito soberano de Deus. Nós oramos de acordo com as promessas de Deus, pedindo o que somente Ele pode fazer, e então esperamos que Ele responda. Somos todos calvinistas quando oramos, pois em oração nos submetemos à soberania de Deus, confiando em Seu plano gracioso para nossas vidas.
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