Por John Stott
Até muito recentemente, "transcendência" era uma palavra um tanto obscura e seu uso era limitado às instituições de ensino teológico. Ali os alunos aprendiam a distinguir entre "transcendência" (cujo sentido era Deus acima e fora do mundo criado) e "imanência" (isto é, Deus presente e ativo dentro deste). Hoje em dia, no entanto, quase todo mundo tem alguma idéia do que é transcendência, pois, com a mania da "meditação transcendental", passou a ser um termo popular. A busca por transcendência é, portanto, a busca pela realidade suprema, que se encontra além do universo material. É um protesto contra a secularização, isto é, contra a tentativa de eliminar Deus do seu próprio mundo. É um reconhecimento de que os seres humanos "não vivem só de pão", pois o materialismo não pode satisfazer o espírito humano. Vejamos alguns exemplos da corrente desilusão com o secularismo e da insistente busca por transcendência.
Primeiro, temos o recente colapso do euromarxismo. Eu não estou falando do socialismo como uma ideologia político-econômica, mas de um marxismo clássico, como uma fi¬losofia que nega a existência de Deus. Originalmente, o marxismo surgiu como um substituto para a fé religiosa ultrapassada. Mas os convertidos foram poucos e raros. Como escreveu Canon Trevor Beeson acerca da Europa Ocidental nos anos 70, "as doutrinas básicas do comunis¬mo não convenceram as mentes nem satisfizeram as emoções da intelligentsia nem do proletariado. Já a vida religiosa tem demonstrado considerável elasticidade e, longe de desaparecer, tem encontrado, em muitas circunstâncias, nova força e vitalidade." Solzhenitsyn disse algo similar em 1983, referindo-se especificamente à União Soviética. Ele chamou atenção para uma coisa que os líderes sovié¬ticos não esperavam:
Numa terra em que as igrejas foram demolidas, onde um ateísmo vitorioso tem se espalhado descontroladamente durante dois terços de século, onde o clero tem sido extremamente humilhado e privado de qualquer independência, onde o que resta da igreja como instituição só é tolerado por amor à propaganda voltada para o Ocidente, onde ainda hoje se mandam pessoas para campos de concentração por causa de sua fé, e onde, dentro desses mesmos campos, aqueles que se reúnem para orar na Páscoa são punidos com a clausura — eles (sc. os líderes soviéticos) nunca iriam imaginar que, debaixo desse rolo compressor comunista, a tradição cristã pudesse sobreviver na Rússia! Mas ainda restam muitos milhões de crentes; só que as pressões externas não deixam que eles se manifestem.
A segunda esfera em que se nota que as pessoas estão desiludidas com o secularismo é o deserto do materialismo ocidental. O secularismo, em sua expressão capitalista, assim como na sua expressão comunista, não consegue mais satisfazer o espírito humano. Theodore Roszak é um eloquente expoente americano desse referido vazio. O seu livro Onde Termina o Deserto (Where the Wasteland Ends) tem um subtítulo muito significativo: Política e Transcendência em uma Sociedade Pós-Industrial. Roszak lamenta o que ele chama de "coca-colonização do mundo". Segundo ele, nós estamos sofrendo de uma "claustrofobia psíquica dentro da cosmovisão científica", na qual o espírito humano não consegue respirar. Ele ataca a ciência (pseudo-ciência, acho que é o que ele quer dizer) por sua arrogância em declarar que é capaz de explicar todas as coisas, como também seu espírito de desilusão", sua capacidade de "desfazer os mistérios". "Afinal de contas, o que a ciência consegue medir é apenas uma parcela daquilo que o homem pode conhecer." Este mundo materialista da ciência objetiva, continua ele, nem chega a ser "espaçoso o suficiente" para nós. Sem transcendência "as pessoas murcham". A proposta de Roszak (o resgate da "imaginação visionária" de Blake) é terrivelmente inadequada; mas seu diagnóstico certamente acertou o alvo. Lá no íntimo, os seres humanos sabem que a realidade não pode ser confinada a um tubo de ensaio, nem esfregada em uma lâmina para ser examinada num microscópio, nem compreendida através da objetividade fria do método científico. Afinal de contas, a vida tem uma dimensão transcendental e a realidade é "assustadoramente vasta".
Em terceiro lugar, a busca por transcendência é vista na epidemia do abuso de drogas. Existem, naturalmente, muitas e diferentes interpretações sobre este fenômeno quase mundial. Ele não é uma experimentação puramente inocente, nem sempre é um protesto autoconsciente contra os costumes convencionais e nem tampouco é uma tentativa de escapar às duras realidades da vida. Mais do que isso, ele é uma genuína busca por uma "consciência mais elevada" e até mesmo por uma realidade transcendental objetiva. Uma prova disso seria Carlos Castaheda, cujos livros foram extremamente populares no final da década de 60 e na primeira metade da década de 70. Ele dizia ter sido iniciado por um índio yaqui do México, chamado Don Juan. Este lhe ensinara que existem dois mundos de igual realidade: o mundo "comum", dos seres humanos vivos, e o mundo "incomum", dos diableros ou feiticeiros. "O que se precisa descobrir exatamente é como atingir a brecha existente entre os mundos e como penetrar no outro mundo... Existe um lugar onde os dois mundos se sobrepõem. Ali é que é a brecha. Ela se abre e fecha como uma porta ao vento." Quem penetra no outro mundo, o da realidade incomum, é o "homem do conhecimento"; para este é essencial ter um "aliado", ou seja, "uma força capaz de transportá-lo para além dos limites de si mesmo". E os dois principais aliados seriam a datura, também chamada de "erva de Jimson" ou "erva do diabo", que é o aliado feminino e confere poder, e um cogumelo chamado humito ou "fumacinha", que é o aliado masculino e produz êxtase. A primeira era bebida ou então absorvida através da pele, e este último, fumado. Os resultados eram a "divinização", a fuga ou ausência do corpo, a adoção de corpos alternativos e até penetrar em objetos ou mover-se através deles.
O quarto exemplo dessa busca por transcendência é a proliferação dos cultos religiosos. Juntamente com o reaparecimento de antigas crenças e o fascínio da juventude ocidental pelo misticismo oriental tem-se verificado a emergência de novas religiões. Na Inglaterra já apareceram pelo menos oitocentas desde a Segunda Guerra Mundial, e Alvin Toffler calcula que, nos Estados Unidos, mil novos cultos já conquistaram cerca de três milhões de adeptos. Um dos mais alarmantes foi o movimento do Templo do Povo, em San Francisco, encabeçado por Jim Jones; dentre os seus seguidores, quase mil morreram em "Jonestown", sua colónia localizada nas selvas da Guiana, em 1978, a maioria em um suicídio coletivo, por ingestão de veneno.
Um dos principais artigos do The Economist advertiu que "começou uma busca cega por novas formas de experiências espirituais", e acrescentou: "Nessa busca de Deus, é muito fácil acabar caindo nos braços de Satanás, ao invés de Deus." O sociólogo Peter Berger dá uma explicação similar: "A atual onda de ocultismo (inclusive o seu componente diabólico) deve ser entendida como resultado de uma repressão da transcendência na consciência moderna."
O que mais surpreende entre todas as tendências religiosas é o surgimento do movimento da Nova Era. Trata-se de uma bizarra seleção de diversas crenças, mistura de religião e ciência, física e metafísica, panteísmo antigo e otimismo evolucionista, astrologia, espiritismo, reencarnação, ecologia e medicina alternativa. Um dos líderes do movimento, David Spangler, escreve em seu livro Emer¬gência: O Renascimento do Sagrado (Emergence: The Rebirth of the Sacred) que "desde muito jovem" ele mesmo já tinha "consciência de uma dimensão superior" ao mundo que o cercava e que ele, à medida que ia ficando mais velho, veio a identificá-la como "uma dimensão sagrada ou transcendental". "A essência da Nova Era é o renascimento do senso do sagrado", acrescenta ele.
Eis aqui, portanto, quatro provas contemporâneas de que o materialismo não satisfaz o espírito humano e de que, em virtude disso, as pessoas andam à procura de uma outra realidade transcendental. Elas a procuram em qualquer lugar: na ioga, na meditação transcendental e nas religiões orientais, no sexo (que Malcolm Muggeridge costumava chamar de "o misticismo dos materialistas"), na música e em outras artes, bem como através de uma consciência mais elevada e induzida pelas drogas, através de cultos modernos e especulações da Nova Era, de perigosos experimentos com o oculto e das fantasias da ficção científica.
A primeira reação dos cristãos diante deste complexo fenômeno deveria ser de simpatia. Afinal de contas, nós certamente entendemos o que está se passando, e por quê. Usando as palavras do apóstolo Paulo diante dos filósofos atenienses, homens e mulheres estão "tateando à procura de Deus", como cegos no escuro, andando às apalpadelas à procura de seu Criador, que os deixa sem descanso até que eles encontrem repouso em Deus. Eles estão mani¬festando a busca humana por transcendência. Um exemplo contemporâneo disso foi dado por Richard North, correspondente do meio ambiente do periódico The Independent:
É impressionante, quantos sentem necessidade de adorar alguma coisa. Mas, para podermos adorar, precisamos encontrar alguma coisa fora de nós — e melhor do que nós. Para isso é que Deus foi inventado. E a natureza também. Todos nós estamos nos apaixonando pelo meio ambiente como um substituto de Deus e em consequência de nos havermos afastado dele.
Essa busca por transcendência é um desafio à qualidade de adoração que nós, como igreja, vivemos em nossos cultos públicos. Será que ela oferece o que as pessoas desejam — o elemento do mistério, o "senso do divino", "o temor de Deus", em linguagem bíblica, ou a "transcendência", em linguagem moderna? A resposta que eu dou à minha própria pergunta é: "Nem sempre". A igreja nem sempre é conhecida pela realidade profunda de sua adoração. De maneira especial, nós, os que nos denominamos "evangelicais", não sabemos bem como adorar. Nossa especialidade é evangelizar — mas adorar, não. Parece que não temos muita consciência da grandeza e da glória de Deus. Nós não sabemos prostrar-nos diante dele em temor e admiração. Não nos damos muito ao trabalho de preparar os nossos cultos de adoração. Estes às vezes são tão mecânicos, superficiais, medíocres, sem graça! Outras vezes são frívolos a ponto de serem irreverentes. Não é de admirar que quem procura a Realidade geralmente passe por nós sem nem perceber!
Nós temos que ouvir novamente as críticas que a Bíblia faz à religião. Nenhum livro, nem mesmo os de Marx e de seus seguidores, acusa tanto a religiosidade vazia como a Bíblia. Os profetas dos séculos VII e VIII antes de Cristo denunciaram com toda franqueza a formalidade e a hipo¬crisia dos cultos israelitas. E depois Jesus aplicou a crítica dos profetas aos fariseus de seus dias: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim." E esta acusação, tanto da parte dos profetas como de Jesus, com relação à religiosidade aplica-se perfeitamente a nós e a nossas igrejas, hoje. Nossos cultos são, em grande parte, ritual sem realidade, forma sem poder, diversão sem temor, religião sem Deus.
Mas, então, o que é necessário? Aqui vão algumas su¬gestões. Primeiro, a Palavra de Deus precisa ser lida e anunciada com tanta fidedignidade que através dela se faça ouvir a voz de Deus, viva, falando ao seu povo novamente. Segundo, a Ceia do Senhor precisa ser administrada com tanta reverência e expectativa que (e aqui eu escolho minhas palavras com muito cuidado) se verifique uma Presença Real de Jesus Cristo, não nos elementos da Ceia, mas entre o seu povo que está à sua mesa, o próprio Jesus Cristo, objetiva e realmente presente, vindo ao nosso encontro, pronto a fazer-se conhecido por nós no partir do pão e ansioso para entregar-se a nós, de forma que possamos alimentar-nos dele em nossos corações pela fé. Em terceiro lugar, necessitamos uma atitude de sincero louvor e ora¬ção, para que o povo de Deus possa dizer como Jacó: "Na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia", e para que os descrentes ali presentes caiam de joelhos, adorando a Deus e exclamando: "Deus está de fato no meio de vós!"
Enfim, é profundamente lamentável que homens e mu¬lheres modernos, em sua busca por transcendência, voltem-se para as drogas, o sexo, a ioga, as seitas, o misticismo, a Nova Era e a ficção científica, ao invés de procurarem a igreja, em cujos cultos de adoração sempre se deveria experimentar a verdadeira transcendência e desfrutar um encontro íntimo com o Deus vivo.
Até muito recentemente, "transcendência" era uma palavra um tanto obscura e seu uso era limitado às instituições de ensino teológico. Ali os alunos aprendiam a distinguir entre "transcendência" (cujo sentido era Deus acima e fora do mundo criado) e "imanência" (isto é, Deus presente e ativo dentro deste). Hoje em dia, no entanto, quase todo mundo tem alguma idéia do que é transcendência, pois, com a mania da "meditação transcendental", passou a ser um termo popular. A busca por transcendência é, portanto, a busca pela realidade suprema, que se encontra além do universo material. É um protesto contra a secularização, isto é, contra a tentativa de eliminar Deus do seu próprio mundo. É um reconhecimento de que os seres humanos "não vivem só de pão", pois o materialismo não pode satisfazer o espírito humano. Vejamos alguns exemplos da corrente desilusão com o secularismo e da insistente busca por transcendência.
Primeiro, temos o recente colapso do euromarxismo. Eu não estou falando do socialismo como uma ideologia político-econômica, mas de um marxismo clássico, como uma fi¬losofia que nega a existência de Deus. Originalmente, o marxismo surgiu como um substituto para a fé religiosa ultrapassada. Mas os convertidos foram poucos e raros. Como escreveu Canon Trevor Beeson acerca da Europa Ocidental nos anos 70, "as doutrinas básicas do comunis¬mo não convenceram as mentes nem satisfizeram as emoções da intelligentsia nem do proletariado. Já a vida religiosa tem demonstrado considerável elasticidade e, longe de desaparecer, tem encontrado, em muitas circunstâncias, nova força e vitalidade." Solzhenitsyn disse algo similar em 1983, referindo-se especificamente à União Soviética. Ele chamou atenção para uma coisa que os líderes sovié¬ticos não esperavam:
Numa terra em que as igrejas foram demolidas, onde um ateísmo vitorioso tem se espalhado descontroladamente durante dois terços de século, onde o clero tem sido extremamente humilhado e privado de qualquer independência, onde o que resta da igreja como instituição só é tolerado por amor à propaganda voltada para o Ocidente, onde ainda hoje se mandam pessoas para campos de concentração por causa de sua fé, e onde, dentro desses mesmos campos, aqueles que se reúnem para orar na Páscoa são punidos com a clausura — eles (sc. os líderes soviéticos) nunca iriam imaginar que, debaixo desse rolo compressor comunista, a tradição cristã pudesse sobreviver na Rússia! Mas ainda restam muitos milhões de crentes; só que as pressões externas não deixam que eles se manifestem.
A segunda esfera em que se nota que as pessoas estão desiludidas com o secularismo é o deserto do materialismo ocidental. O secularismo, em sua expressão capitalista, assim como na sua expressão comunista, não consegue mais satisfazer o espírito humano. Theodore Roszak é um eloquente expoente americano desse referido vazio. O seu livro Onde Termina o Deserto (Where the Wasteland Ends) tem um subtítulo muito significativo: Política e Transcendência em uma Sociedade Pós-Industrial. Roszak lamenta o que ele chama de "coca-colonização do mundo". Segundo ele, nós estamos sofrendo de uma "claustrofobia psíquica dentro da cosmovisão científica", na qual o espírito humano não consegue respirar. Ele ataca a ciência (pseudo-ciência, acho que é o que ele quer dizer) por sua arrogância em declarar que é capaz de explicar todas as coisas, como também seu espírito de desilusão", sua capacidade de "desfazer os mistérios". "Afinal de contas, o que a ciência consegue medir é apenas uma parcela daquilo que o homem pode conhecer." Este mundo materialista da ciência objetiva, continua ele, nem chega a ser "espaçoso o suficiente" para nós. Sem transcendência "as pessoas murcham". A proposta de Roszak (o resgate da "imaginação visionária" de Blake) é terrivelmente inadequada; mas seu diagnóstico certamente acertou o alvo. Lá no íntimo, os seres humanos sabem que a realidade não pode ser confinada a um tubo de ensaio, nem esfregada em uma lâmina para ser examinada num microscópio, nem compreendida através da objetividade fria do método científico. Afinal de contas, a vida tem uma dimensão transcendental e a realidade é "assustadoramente vasta".
Em terceiro lugar, a busca por transcendência é vista na epidemia do abuso de drogas. Existem, naturalmente, muitas e diferentes interpretações sobre este fenômeno quase mundial. Ele não é uma experimentação puramente inocente, nem sempre é um protesto autoconsciente contra os costumes convencionais e nem tampouco é uma tentativa de escapar às duras realidades da vida. Mais do que isso, ele é uma genuína busca por uma "consciência mais elevada" e até mesmo por uma realidade transcendental objetiva. Uma prova disso seria Carlos Castaheda, cujos livros foram extremamente populares no final da década de 60 e na primeira metade da década de 70. Ele dizia ter sido iniciado por um índio yaqui do México, chamado Don Juan. Este lhe ensinara que existem dois mundos de igual realidade: o mundo "comum", dos seres humanos vivos, e o mundo "incomum", dos diableros ou feiticeiros. "O que se precisa descobrir exatamente é como atingir a brecha existente entre os mundos e como penetrar no outro mundo... Existe um lugar onde os dois mundos se sobrepõem. Ali é que é a brecha. Ela se abre e fecha como uma porta ao vento." Quem penetra no outro mundo, o da realidade incomum, é o "homem do conhecimento"; para este é essencial ter um "aliado", ou seja, "uma força capaz de transportá-lo para além dos limites de si mesmo". E os dois principais aliados seriam a datura, também chamada de "erva de Jimson" ou "erva do diabo", que é o aliado feminino e confere poder, e um cogumelo chamado humito ou "fumacinha", que é o aliado masculino e produz êxtase. A primeira era bebida ou então absorvida através da pele, e este último, fumado. Os resultados eram a "divinização", a fuga ou ausência do corpo, a adoção de corpos alternativos e até penetrar em objetos ou mover-se através deles.
O quarto exemplo dessa busca por transcendência é a proliferação dos cultos religiosos. Juntamente com o reaparecimento de antigas crenças e o fascínio da juventude ocidental pelo misticismo oriental tem-se verificado a emergência de novas religiões. Na Inglaterra já apareceram pelo menos oitocentas desde a Segunda Guerra Mundial, e Alvin Toffler calcula que, nos Estados Unidos, mil novos cultos já conquistaram cerca de três milhões de adeptos. Um dos mais alarmantes foi o movimento do Templo do Povo, em San Francisco, encabeçado por Jim Jones; dentre os seus seguidores, quase mil morreram em "Jonestown", sua colónia localizada nas selvas da Guiana, em 1978, a maioria em um suicídio coletivo, por ingestão de veneno.
Um dos principais artigos do The Economist advertiu que "começou uma busca cega por novas formas de experiências espirituais", e acrescentou: "Nessa busca de Deus, é muito fácil acabar caindo nos braços de Satanás, ao invés de Deus." O sociólogo Peter Berger dá uma explicação similar: "A atual onda de ocultismo (inclusive o seu componente diabólico) deve ser entendida como resultado de uma repressão da transcendência na consciência moderna."
O que mais surpreende entre todas as tendências religiosas é o surgimento do movimento da Nova Era. Trata-se de uma bizarra seleção de diversas crenças, mistura de religião e ciência, física e metafísica, panteísmo antigo e otimismo evolucionista, astrologia, espiritismo, reencarnação, ecologia e medicina alternativa. Um dos líderes do movimento, David Spangler, escreve em seu livro Emer¬gência: O Renascimento do Sagrado (Emergence: The Rebirth of the Sacred) que "desde muito jovem" ele mesmo já tinha "consciência de uma dimensão superior" ao mundo que o cercava e que ele, à medida que ia ficando mais velho, veio a identificá-la como "uma dimensão sagrada ou transcendental". "A essência da Nova Era é o renascimento do senso do sagrado", acrescenta ele.
Eis aqui, portanto, quatro provas contemporâneas de que o materialismo não satisfaz o espírito humano e de que, em virtude disso, as pessoas andam à procura de uma outra realidade transcendental. Elas a procuram em qualquer lugar: na ioga, na meditação transcendental e nas religiões orientais, no sexo (que Malcolm Muggeridge costumava chamar de "o misticismo dos materialistas"), na música e em outras artes, bem como através de uma consciência mais elevada e induzida pelas drogas, através de cultos modernos e especulações da Nova Era, de perigosos experimentos com o oculto e das fantasias da ficção científica.
A primeira reação dos cristãos diante deste complexo fenômeno deveria ser de simpatia. Afinal de contas, nós certamente entendemos o que está se passando, e por quê. Usando as palavras do apóstolo Paulo diante dos filósofos atenienses, homens e mulheres estão "tateando à procura de Deus", como cegos no escuro, andando às apalpadelas à procura de seu Criador, que os deixa sem descanso até que eles encontrem repouso em Deus. Eles estão mani¬festando a busca humana por transcendência. Um exemplo contemporâneo disso foi dado por Richard North, correspondente do meio ambiente do periódico The Independent:
É impressionante, quantos sentem necessidade de adorar alguma coisa. Mas, para podermos adorar, precisamos encontrar alguma coisa fora de nós — e melhor do que nós. Para isso é que Deus foi inventado. E a natureza também. Todos nós estamos nos apaixonando pelo meio ambiente como um substituto de Deus e em consequência de nos havermos afastado dele.
Essa busca por transcendência é um desafio à qualidade de adoração que nós, como igreja, vivemos em nossos cultos públicos. Será que ela oferece o que as pessoas desejam — o elemento do mistério, o "senso do divino", "o temor de Deus", em linguagem bíblica, ou a "transcendência", em linguagem moderna? A resposta que eu dou à minha própria pergunta é: "Nem sempre". A igreja nem sempre é conhecida pela realidade profunda de sua adoração. De maneira especial, nós, os que nos denominamos "evangelicais", não sabemos bem como adorar. Nossa especialidade é evangelizar — mas adorar, não. Parece que não temos muita consciência da grandeza e da glória de Deus. Nós não sabemos prostrar-nos diante dele em temor e admiração. Não nos damos muito ao trabalho de preparar os nossos cultos de adoração. Estes às vezes são tão mecânicos, superficiais, medíocres, sem graça! Outras vezes são frívolos a ponto de serem irreverentes. Não é de admirar que quem procura a Realidade geralmente passe por nós sem nem perceber!
Nós temos que ouvir novamente as críticas que a Bíblia faz à religião. Nenhum livro, nem mesmo os de Marx e de seus seguidores, acusa tanto a religiosidade vazia como a Bíblia. Os profetas dos séculos VII e VIII antes de Cristo denunciaram com toda franqueza a formalidade e a hipo¬crisia dos cultos israelitas. E depois Jesus aplicou a crítica dos profetas aos fariseus de seus dias: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim." E esta acusação, tanto da parte dos profetas como de Jesus, com relação à religiosidade aplica-se perfeitamente a nós e a nossas igrejas, hoje. Nossos cultos são, em grande parte, ritual sem realidade, forma sem poder, diversão sem temor, religião sem Deus.
Mas, então, o que é necessário? Aqui vão algumas su¬gestões. Primeiro, a Palavra de Deus precisa ser lida e anunciada com tanta fidedignidade que através dela se faça ouvir a voz de Deus, viva, falando ao seu povo novamente. Segundo, a Ceia do Senhor precisa ser administrada com tanta reverência e expectativa que (e aqui eu escolho minhas palavras com muito cuidado) se verifique uma Presença Real de Jesus Cristo, não nos elementos da Ceia, mas entre o seu povo que está à sua mesa, o próprio Jesus Cristo, objetiva e realmente presente, vindo ao nosso encontro, pronto a fazer-se conhecido por nós no partir do pão e ansioso para entregar-se a nós, de forma que possamos alimentar-nos dele em nossos corações pela fé. Em terceiro lugar, necessitamos uma atitude de sincero louvor e ora¬ção, para que o povo de Deus possa dizer como Jacó: "Na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia", e para que os descrentes ali presentes caiam de joelhos, adorando a Deus e exclamando: "Deus está de fato no meio de vós!"
Enfim, é profundamente lamentável que homens e mu¬lheres modernos, em sua busca por transcendência, voltem-se para as drogas, o sexo, a ioga, as seitas, o misticismo, a Nova Era e a ficção científica, ao invés de procurarem a igreja, em cujos cultos de adoração sempre se deveria experimentar a verdadeira transcendência e desfrutar um encontro íntimo com o Deus vivo.
Fonte: Ortopraxia
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