domingo, 21 de junho de 2009

A farinha é pouca... meu pirão primeiro


Reino e a sua JUSTIÇA

Um dos versos prediletos dos pregadores modernos é Mateus 6:33, onde Jesus ordena: “Mas buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.

Este verso é sistematicamente usado para convencer aos fiéis a priorizarem o Reino de Deus, que para eles, limita-se à esfera eclesiástica. Priorizar o reino de Deus é entendido como sinônimo de ser assíduo aos cultos e jamais deixar de fazer suas contribuições. Família, negócios, lazer, tudo deve ser preterido, em função da agenda da igreja local.

Mas será exatamente isso que Jesus quis dizer? O que significaria “buscar o Reino de Deus”? E mais: o que significaria buscar a justiça desse reino?

Geralmente, a ênfase recai sobre o Reino, identificando-o com a igreja. E quanto à justiça desse reino, por que é simplesmente ignorada? Afinal, a ordem de Cristo é buscar em primeiro lugar o Seu Reino e a sua justiça.

Estaria Jesus falando da justiça imputada aos pecadores, quando estes admitem seu estado pecaminoso, recorrendo à misericórdia de Deus revelada na Cruz? Estaria Ele falando da tão importante doutrina conhecida entre nós como “justificação pela fé”?

Ou estaria Ele falando da justiça como o modo de vida proposto aos cidadãos do Reino de Deus?

Se Jesus estava referindo-Se à Justiça de Deus, então é provável que Ele estivesse falando da Justificação pela Fé. Mas Se Ele estava referindo-Se à Justiça do Reino, logo, é mais plausível crer que Ele estivesse falando da Justiça como práxis, como prática, e não apenas como algo que nos é imputado. Mesmo porque, a justiça que nos é imputada pela fé, não é resultado de qualquer busca humana, mas de uma intervenção soberana de Deus. Nós não a buscamos. Ela nos encontrou, e nos foi imputada pela fé.

Creio piamente que Jesus estava falando da Justiça do Reino, que é a conseqüência prática que deve ser encontrada na vida daqueles em quem foi imputada a Justiça de Deus.

Em sua primeira epístola, João diz: “Se sabeis que ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele” (1 Jo.2:29). E mais: “Quem não pratica a justiça não é de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão”(3:10b).

De fato, somos justificados pela fé somente. Isto é, ao crermos no Filho de Deus, e na suficiência de Seu sacrifício por nós, somos declarados justos no Tribunal Celestial. Não somos inocentados, mas justificados. Ser declarado justo não é o mesmo que ser declarado inocente. O inocente é aquele que não tem qualquer culpa. Já o que foi justificado é aquele que teve sua culpa comprovada, mas sua penalidade foi devidamente aplicada. Seu débito, portanto, fora saldado. No caso, Cristo arcou com nossa penalidade na Cruz, morrendo em nosso lugar.

Uma vez declarados justos, devemos buscar viver a Justiça do Reino de Deus.

Definição bíblica de justiça

Justiça é dar a cada um o que lhe é de direito. Nas palavras de Paulo: “Dai a cada um o que deveis” (Rm.13:7a). Toda vez que privamos alguém dos seus direitos, cometemos injustiça.Paulo define o Reino de Deus como “justiça, paz e alegria no Espírito Santo”, e afirma que “quem nisto serve a Cristo, agradável é a Deus e aprovado pelos homens” (Rm.14:17b-18). Quem disse que “agradar a Deus” e ser “aprovado pelos homens” são coisas excludentes?

A igreja primitiva experimentou cada uma destas dimensões do Reino de Deus, e por isso é dito que os crentes caíam “na graça de todo o povo” (At.2:47). Eles experimentavam uma verdadeira revolução, não apenas espiritual, mas também social.

Onde quer que a mensagem do Reino era pregada, havia grande alegria, até em cidades como Samaria, onde os discípulos jamais imaginariam ser bem recebidos (At.8:8).

A perseguição sofrida pela igreja era protagonizada pelas autoridades judaicas e romanas, não pelo povo. Era justamente a popularidade daquela nova seita, conhecida como “o Caminho”, que tanto incomodava às autoridades, instigando-as ao ciúme.

Mas enquanto as autoridades se corroíam de ciúmes, a igreja caía na simpatia das camadas populares, que eram contagiadas pela alegria do Espírito.

Aos poucos, a Igreja ía se espalhando pelo mundo, semeando a mensagem subversiva e poderosa do Reino de Deus. E o resultado? Além de alegria contagiadora, Lucas diz em sua reportagem que “as igrejas em toda a Judéia, Galiléia e Samaria tinham paz. Eram fortalecidas e, edificadas pelo Espírito Santo, se multiplicavam, andando no temor do Senhor”(At.9:31). A consciência apaziguada gera relações pacíficas. Quem não tem paz com Deus, não pode estar em paz consigo mesmo, e, conseqüentemente, não consegue ter paz com o semelhante. A paz oferecida por Cristo abrange a relação entre o ser humano e Deus, entre ele e seus semelhantes, e entre ele e sua consciência. E é esta paz que oferece o solo fértil, onde a Justiça possa ser semeada.

Tiago diz: “Ora, o fruto da justiça semeia-se em paz para os que promovem a paz” (Tg.3:18). Sem paz, torna-se impossível a frutificação da justiça do Reino. A Paz produz o ambiente propício para que a justiça, uma vez semeada, possa frutificar.

Alegria, paz, e... justiça!

Os crentes primitivos buscavam e viviam a justiça do Reino de Deus, em todas as suas implicações. E por isso, “não havia entre eles necessitado algum”(At.4:34). Como Jesus havia predito, todas as coisas lhes seriam acrescentadas, se buscassem prioritariamente a Justiça do Reino.

Porém, o cumprimento desta promessa não se daria através de alguma intervenção sobrenatural, mas através da prática da Justiça. Deus não faria chover pão do céu, como fizera no deserto, durante a peregrinação do povo hebreu.

A Ressurreição e a Ascensão de Cristo nos introduziram na Era do Reino, assim como a atravessia do Jordão introduziu Israel na terra da promessa. Enquanto os filhos de Israel caminhavam no deserto, nunca lhes faltou maná. Mas tão logo foram introduzidos na Terra Prometida, “cessou o maná; os filhos de Israel não o tiveram mais, mas nesse ano comeram das novidades da terra de Canaã”(Josué 5:12). Não faria sentido Deus manter aquilo por mais tempo, uma vez que Canaã era uma terra fértil, pronta pra receber sementes e frutificar.

Uma vez introduzidos no Reino, e recebido o Espírito da Promessa, caberia aos crentes semear, e assim, terem todas as suas necessidades supridas.

Jesus não mais multiplicaria pães e peixes, como fez no deserto por duas vezes. Nem promoveria pescas maravilhosas, como fez também por duas vezes. A partir de agora, a provisão de Deus se manifestaria através de meios naturais por Ele ordenados.

Os crentes primitivos perceberam logo isso. Eles sabiam que os sinais miraculosos continuariam, mas que já não visariam promover a satisfação de suas necessidades materiais. Lucas nos informa que “muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo a necessidade de cada um”(At.2:43b-45). Os sinais realizados pelos apóstolos limitavam-se a curas, libertação de espíritos malignos, algumas ressurreições, e manifestações de dons espirituais. Entre eles, não havia nada como multiplicação de pães, ou qualquer outro sinal que visasse suprir necessidades materiais.

E quanto à promessa de que todas as demais coisas seriam acrescentadas? Isso não incluiria coisas materiais?É claro que sim. Mas o expediente usado por Deus seria outro, e não pura intervenção sobrenatural. Isso se daria através daquilo que Paulo chamou de “o caminho mais excelente”.

Seria vivendo o amor derramado pelo Espírito no coração dos crentes, que a igreja experimentaria o suprimento de todas as suas carências materiais. O Amor e a Justiça devem caminhar sempre de mãos dadas. “O que segue a justiça e o amor acha vida, prosperidade e honra” (Pv.21:21).

A intervenção sobrenatural se dava no coração dos crentes, à medida que a Palavra se multiplicava entre eles (At.12:24).

Lucas dá testemunho de que “não havia entre eles necessitado algum. Pois todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada um, segundo a sua necessidade”(At.4:34-35).

Era assim que eles viviam a justiça do Reino de Deus. Eles tinham tudo em comum. Por isso, não havia necessitado entre eles.

E quem pensa que tal estilo de vida começa e termina nas páginas de Atos dos Apóstolos, está redondamente enganado. Já no Antigo Testamento os judeus o experimentaram ao retornarem do exílio a Jerusalém. Neemais conta que os levitas “leram no livro da lei de Deus, esclarecendo-a e explicando o sentido, de modo que o povo pudesse entender o que se lia. Então Neemias, que era o governador, e Esdras, sacerdote e escriba, e os levitas que ensinavam o povo disseram a todo o povo: Este dia é consagrado ao Senhor vosso Deus, pelo que não vos lamentais, nem choreis. Pois todo o povo chorava, ouvindo as palavras da lei. Disse-lhes mais: Ide, comei as gorduras, e bebei as doçuras, e enviai porções aos que não têm nada preparado para si. Este dia é consagrado ao nosso Senhor. Não vos entristeçais, pois a alegria do Senhor é a vossa força (...) Então todo o povo se foi a comer, a beber, a enviar porçÕes e a celebrar com grande alegria porque agora entendiam as palavras que lhes foram comunicadas” (Nee.8:8-10,12).

Fenômeno bem parecido ao ocorrido na igreja primitiva. Bastou que o povo entendesse a Palavra, para que brotasse em seus corações a disposição de partilhar seus pertences. Lucas relata que “os que de bom grado receberam a sua palavra foram batizados (...) E perseveraram na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações”(At.2:41a, 42). Portanto, este estilo de vida surge muito antes de Atos, e prossegue depois dele.

Paulo, apóstolo dos gentios, o endossa em suas epístolas, onde nos ordena a partilhar “com os santos nas suas necessidades” (Rm.12:13). Paulo sabia que na Era do Reino, os crentes precisariam semear, e não esperar por intervenções freqüentes dos céus. E esta semeadura se daria quando os crentes se dispusessem a compartilhar seus bens. Como um visionário, Paulo entendia que a Igreja deveria ser uma agência catalisadora e distribuidora de recursos. Através da semeadura, os bens seriam distribuídos, e assim, todos desfrutariam igualmente dos recursos enviados por Deus.

Ao ordenar que os crentes de Corinto participassem desta graça, Paulo escreve:

“Mas, não digo isto para que os outros tenham alívio, e vós aperto, mas para igualdade. Neste tempo presente, a vossa abundância supra a falta dos outros, para também a sua abundância supra a vossa falta, e haja igualdade, como está escrito: O que muito colheu não teve demais, e o que pouco, não teve falta”2 Coríntios 8:13-15.

Repare que Paulo usa a analogia da semeadura para estimular os crentes a partilharem uns com os outros. Ele sabia que a igreja era o Novo Israel, que deixara o novo Egito (a Jerusalém apóstata)[1], e agora havia recebido “um reino que não pode ser abalado” (Hb.12:28). Portanto, a exemplo do antigo Israel, a Igreja deveria semear na boa terra do Reino, e através disso, produzir a Justiça do Reino.

O mesmo conceito é repetido por Pedro: “Servi uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe.4:10). O que Deus dá a uns, é para que seja usado para benefícios de outros. Deus não é injusto por dar a uns o que nega a outros. Pelo contrário: Através disso, a Justiça de Deus se manifesta, fazendo com que dependamos uns dos outros. Ninguém é auto-suficiente no Reino de Deus. A igualdade ocorre quando a abundância de uns supre a falta de outros, e vice-versa.

Respeitando o princípio da semeadura, Paulo diz que nossa semeadura deveria ser “expressão de generosidade, e não de avareza” (2 C.9:5b). E mais: “O que semeia pouco, pouco também ceifará, e o que semeia com fartura, com fartura também ceifará” (v.6).

Segundo o Apóstolo, a Deus compete prover a semente, mas a nós compete semeá-la.

“Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, e pão para o alimento, também multiplicará a vossa sementeira, e aumentará os frutos da vossa justiça”. 2 Coríntios 9:10.

Veja, ainda dependemos de freqüentes intervenções de Deus. Ele ainda multiplica... não mais pães ou peixes, e sim a nossa sementeira. Ele dá a semente. Ele provê oportunidades de trabalho, aptidões profissionais, força física, inspiração e motivação. Mas cabe a nós usar todos estes recursos para o bem comum, e não apenas para satisfação de nossas necessidades e cobiças.

Tiago afirma em sua epístola, que o motivo porque muitos pedidos não são atendidos por Deus é que pedimos mal: “Pedis e não recebeis porque pedis mal, para o gastardes em vossos prazeres” (Tg.4:3). Pedir mal é pedir pensando somente em si. Devemos pedir que Deus multiplique nossa sementeira, para que possamos ser bênção na vida de outros.

Multiplicando nossa sementeira, Ele faz aumentar os frutos da nossa justiça. E desta maneira, Ele espalha recursos, em vez de fazê-los concentrar em algumas mãos somente. Paulo revela que o propósito de Deus é “fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda boa obra. Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre”(vv.8-9).

Eis a justiça do Reino de Deus em operação. Sua meta é espalhar recursos, e distribuí-los justamente. Isso é o inverso do sistema que vemos no mundo, onde as riquezas são concentradas em poucas mãos.

[1] Em Apocalipse 11:8 lemos que a cidade onde Jesus fora crucificado é espiritualmente chamada de Egito.

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