A advertência de Cristo à igreja de Laodicéia continua servindo de alerta aos crentes de hoje.
Jesus, ao dirigir-se à igreja em Laodicéia, fez afirmações que são plenamente aplicáveis em nossos dias. Um dos momentos mais confrontadores na carta é encontrado quando Cristo revela àqueles crentes que eles viviam uma ilusão. O que pensavam a seu próprio respeito era incrivelmente distinto da visão que o Senhor tinha acerca daquela igreja: “Dizes, estou rico e abastado, e não preciso de coisa alguma; e nem sabes que tu és infeliz; sim, miserável, pobre, cego e nu”.
“Nem sabes” é uma expressão que denota clara ignorância. A igreja de Laodicéia não sabia. Ela fazia aquele papel típico de pessoas que se vêem sadias, mas estão doentes; acham-se bem vestidas, mas estão ridiculamente maltrapilhas; sentem-se sãs, mas encontram-se terrivelmente doentes; acham que são o máximo em inteligência, porém agem como estúpidos; e julgam que estão agradando a Deus, mas vivem para si próprias – querem atender apenas seus desejos, satisfazer seus anseios e seguir seus valores.
“Que és infeliz...” Que observação intrigante e triste. Talvez os de Laodicéia tenham chegado ao cúmulo da ignorância coletiva ao se julgarem abastados e felizes, estando na verdade perdidos, confusos e deprimidos. Mas há um aspecto psicológico a ser analisado aqui. Existem pessoas que vivem se enganando, constroem um ambiente de felicidade ao seu redor – “pois dizes, estou rico...” –, mas em seu íntimo ouvem constantemente uma voz de choro, melancolia e tristeza. É uma voz que não se cala.
Do ponto de vista da psicanálise, é assim que surgem as neuroses, pois com a tentativa de encobrir esta infelicidade, a repressão interna fecha a porta da consciência para o mal que está lá dentro e o indivíduo passa a sorrir de felicidade. Como o mal deseja se expor e é reprimido, ele consegue fabricar alguns pequenos “túneis” em outros lados da vida. E assim surgem manias, depressões, compulsões e tantas coisas que, nada mais e nada menos, expressam simplesmente a voz da infelicidade tentando ser ouvida.
Cristo vai ao fundo do inconsciente coletivo da igreja em Laodicéia e lhe revela o que ela mesma não desejava ouvir de ninguém, muito menos do Mestre. Talvez a mesma palavra do Filho de Deus se aplique hoje a tantas igrejas e a muitos de nós. Temos aparência de felicidade, mas há um grito inconsciente de tristeza e melancolia que eclode de nossa alma. Assim, há sorrisos que mascaram as dores; há celebrações de louvor que escondem pecados e imoralidade. Há uma aparência de vida e de saúde, mas um permanente estado de enfermidade crônica na mente e no coração.
Tenho encontrado líderes, pastores e missionários que vivem um caos em suas vidas, mas, pela motivação do ministério, tentam não permitir que a verdade que enfrentam se manifeste. Encorajam a outros enquanto sentem-se perdidos e em crise. Pregam a Palavra por obediência, mas sentem-se secos e sem fé. Falam sobre Jesus com entusiasmo, mas não se lembram mais do último momento de intimidade com Deus. A estes, gostaria de encorajar: Cristo está menos interessado em seu ministério e serviço do que em sua vida e saúde. O desejo do Mestre não é torná-lo uma máquina de produção no Reino de Deus, mas sim um filho autêntico, consciente da necessidade de cura e perdão, vivendo uma felicidade real, sem se esforçar para falar de Jesus.
Vejam o que acontece no serviço do ministro. Podemos usar de nossa liberdade de agenda como um trampolim para não servirmos de maneira fiel. Sempre gostei da característica livre que temos como obreiros. Precisamos, por certo, apresentar nossos relatórios e prestar contas, mas de forma geral fazemos nossas agendas. Estamos livres para vir e ir, marcar e desmarcar reuniões, atendimentos, visitas. No entanto, esta liberdade traz consigo um grande desafio – por um lado, o de não sermos ociosos, sem cumprir o desejo do Mestre; e por outro, não cairmos no ativismo em vez de fazermos um trabalho real. Para nós, as palavras de Cristo se apresentam de forma emblemática: “Conheço as tuas obras”.
Hudson Taylor nasceu em Yorkshire, na Inglaterra, em 1832, em um lar evangélico. Aos 13 anos, afastou-se do Evangelho por não ver mais razão de ser nos cultos, nos crentes e nas pregações. Não desejava mais orar ou ler a Palavra. Entretanto, havia em sua vida uma pregação que não se calava: era a vida e testemunho de sua mãe, que orava com devoção e perseverança por sua vida. Aos 17 anos, algo aconteceu que mudaria a vida de Hudson Taylor. Ele leu um folheto que falava sobre a obra consumada de Cristo. O Espírito Santo tocou seu coração, houve quebrantamento e entrega ao Senhor. Lemos no livro A história do grande missionário do interior da China, de Solange Lacerda Gomes da Silva (Editora Apec): “Quando sua mãe chegou de viagem, Hudson correu para encontrá-la: - Tenho boas notícias!, ele exclamou. - Eu sei, estou muito alegre com as notícias que você tem para me contar. - Como a senhora ficou sabendo? Amélia contou? - Não, há duas semanas senti um grande desejo de orar por sua salvação. Fui para o quarto e orei por você. De repente, soube que Deus respondeu e agradeci”.
Temos assistido a uma inversão de valores causada pela pobreza do conhecimento da doutrina, da visão e do caráter. Mas as vestes que Deus nos oferece são mais importantes que os trajes da riqueza humana, e o colírio do Senhor, mais importante que a visão humana. A convicção interna, os frutos no campo de trabalho e o reconhecimento da Igreja sobre nosso ministério são os três pilares que nos dão garantia da vocação. Mas Jeremias não teve frutos durante seus 40 anos de sofrimento ministerial; porém, sabia que era ungido de Deus. Os religiosos mataram Jesus e desaprovaram sua mensagem, mas Ele sabia que era o Ungido de seu Pai. Dentre estes três pilares, portanto, a convicção interna do chamado não pode faltar.
O elemento principal pelo qual Jesus nos julga é bem menos visível, menos contábil e certamente menos observado por aqueles que nos cercam. A Palavra fala sobre coração, alma, mente, espírito, sentimentos íntimos e desejos como elementos para nos fazer entender que uma vida íntegra define mais a nossa identidade perante Deus do que toda a roupagem que possamos vestir. Há algo que gostaria de pontuar nesta altura: Jesus conhece o secreto da sua vida. Ele certamente não se impressiona pelas grandes construções, realizações aplaudidas ou teses defendidas; nem se impressiona com comendas e troféus. O Carpinteiro olha direto para o seu coração e vasculha a sua alma. E é justamente neste campo que você será encontrado fiel ou não.
O Evangelho nos primeiros séculos reivindicava um modo transformado de vida. Era a santidade retirada do nível apenas teológico e trazida para a realidade mais simples, diária e prática de cada dia. Quando estas verdades atingiam as multidões, então o milagre começava a acontecer: homens ricos paravam de roubar para devolverem até quatro vezes mais aos que haviam defraudado; mulheres adúlteras largavam suas vidas de promiscuidade e transformavam-se instantaneamente em testemunhas; pescadores deixavam suas redes para seguir um carpinteiro de Nazaré; muitos vendiam tudo o que tinham para distribuírem entre os que nada possuíam; milhares morriam crucificados, queimados, degolados ou serrados ao meio por se recusarem a negar o seu Senhor, ao qual nunca haviam visto face a face – enfim, perseguidores se transformavam em perseguidos, lançando-se à morte para espalhar a verdade de salvação aos gentios. A santidade de vida fazia com que todos os crentes se dispusessem a abandonar tudo, se necessário fosse, e a repudiar a própria família, se exigido fosse. Esqueciam até da própria vida, se isso lhes fosse demandado, tão somente para encher a terra da glória do Senhor.
O objetivo existencial de Jesus, neste transitório ciclo de vida que temos no mundo, é levar-nos a orar como o salmista: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova dentro em mim um espírito inabalável ”. A glória de Deus se manifestará de forma especial através do caráter do crente, e não de sua provisória reputação. William Hersey Davis, tentando fazer-nos diferenciar entre a ilusão do palco e a realidade da vida, compara caráter e reputação quando diz:
As circunstâncias nas quais você vive determinam sua reputação;
A verdade na qual você crê determina o seu caráter;
Reputação é o que pensam a seu respeito;Caráter é aquilo que você é;
Reputação é a fotografia;Caráter é a face.
Reputação fará de você rico ou pobre;
Caráter fará de você feliz ou infeliz;
Reputação é o que os homens dizem a seu respeito no dia do seu funeral;
Caráter é o que os anjos falam de você perante o trono de Deus.
Um pastor amigo, observando a sua própria trajetória através do livro Avalie a sua vida, de Wesley Duewel, desabafou anos atrás em uma carta: “Os aplausos levaram-me, durante anos, a pensar que tudo estava bem. Saía-me muito bem enquanto estava debaixo dos holofotes; comunicava-me com diversos grupos e era admirado por minha audácia na pregação. Muitos passaram a seguir o meu exemplo. Vários me diziam: ‘Desejo ser como você’. Não precisei orar muito para que o Espírito Santo me direcionasse para os pecados e falhas em meu caráter. Usava exemplos que não condiziam com a verdade; utilizava livremente o púlpito para atacar os grupos antagônicos ao meu ministério e escondia a depressão da minha mulher, provavelmente devido a meu comportamento arredio e soberbo em casa, para que não fosse passivo de crítica. Eu possuía todos os elementos para cair e permanecer prostrado. Louvado seja Deus por um dia que tirei para reavaliar a minha vida!”
Este pastor amigo percebia, entre outras coisas importantes, que nenhum homem vai além da sua integridade. E entendia o perigo de se construir um ministério ou mesmo uma reputação que não possua um caráter íntegro como fundamento. Nas palavras do próprio Duewel, “a única vida digna de ser vivida é aquela vivida para Deus” – e é neste íntimo relacionamento que perceberemos que somente uma boa semente trará bons frutos.
Quando Jesus confronta Laodicéia, Ele é enfático: “E nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu”. O Senhor de fato confronta toda sua Igreja, a cada um de nós, pois apresenta-nos a possibilidade de vivermos uma fantasia e nos escondermos da realidade. A procura por uma existência autêntica é a procura da verdade; é a manifestação de pararmos um dia em nossas vidas, olharmos para nossa existência com os óculos da Palavra e clamarmos por quebrantamento, conversão, mudança de rumo e de atitude. Há esperança.
Estive, em 2002, visitando uma região próxima a Maraã, no coração do Amazonas, onde vivem os povos kambeba, kokama e miranha. Eles eram tidos, até pouco tempo atrás, como grupos indígenas ainda não alcançados pelo Evangelho. Qual não foi minha surpresa ao chegar entre eles e ver ali a presença de uma forte igreja evangélica, que louva a Deus com fervor e amor. Procurando os autores daquele trabalho missionário, encontrei alguns crentes ribeirinhos, especialmente o seu João, como é conhecido. Pessoas simples, alguns ainda iletrados, mas com tremenda paixão pelo Senhor Jesus. Viviam em um “flutuante” formado por um cômodo apenas e, além das redes, possuíam somente uma cadeira e uma panela. Contaram-me então como, através do escambo e comércio com os indígenas, conseguiram lhes transmitir a Palavra de Deus e plantar ali a igreja.
Perguntei-lhes como foram parar ali, naquela região tão distante. Responderam-me: “Viemos ganhar a vida”. “E como está a vida?”, insisti. “Vai muito bem. Já plantamos seis igrejas para a glória de Deus!” Aqueles eram missionários sem sustento, aplausos ou reconhecimento. Eram simplesmente servos de Jesus, que confundiam o ganhar a vida com o ganhar de almas. Homens que passavam privações profundas para que o Evangelho chegasse até os habitantes do final do Rio Maraã. Julgavam-se pobres e cegos, mas eram ricos. A vida autêntica mantém a visão de Deus.
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