Por Maurício Zágari
Vivi recentemente diferentes situações com princípios bem parecidos que me levaram a refletir sobre um mal que assola os nossos dias: a falta de diálogo. Não foi uma, não foram duas vezes, não foram três. Foram muitas situações similares num espaço de tão poucos dias que isso me fez ver que, mais do que uma postura pessoal, há um fenômeno social em andamento. Pessoas tomam decisões unilaterais e apenas comunicam as outras partes envolvidas, pressupondo que o interlocutor sabe todas as suas razões e motivações. Seria apenas mais um entre tantos fenômenos sociais se isso não fosse um tremendo erro do ponto de vista antropológico, que contraria séculos de padrões estabelecidos e que tem adentrado as igrejas e estragado relacionamentos - e, consequentemente, a comunhão sem a qual não existe Igreja.
Na Grécia antiga, a retórica era uma das artes mais apreciadas. Havia aulas sobre como dialogar bem - e convencer. A capacidade de empreender debates e, pela força dos argumentos, mostrar-se certo em determinado ponto era vista como admirável. O filósofo Sócrates foi mestre nisso, com sua "maiêutica socrática" - método de extrair a verdade do interlocutor mediante argumentos bem postos dentro de um diálogo. Mas o que percebo é que nessa era de trevas em que vivemos no século 21, a falta de diálogo está se tornando a tônica. Não se espante de eu usar essa expressão. Mas fato é que o século 21 está se tornando uma era de trevas: todos querem falar, ninguém quer ouvir. Resultado: caos.
No Cristianismo, sem diálogo não existe a fé: eu falo pela oração, Deus responde pela Bíblia. Isso é diálogo. Remova oração ou leitura da Palavra e você tem uma religião capenga, o religare com Deus não acontece. Deus não quer só falar ou só ouvir: Deus quer relacionamento. Pois só o verdadeiro relacionamento gera intimidade entre Criador e criatura. Evita mal-entendidos. Evita heresias. Evita que compreendamos mal o nosso Deus. O cristão não é um cristão se não sabe dialogar, pois ser filho de Deus pressupõe saber pôr em prática essa disciplina espiritual chamada "diálogo". E Deus tem tanto conhecimento da importância do diálogo que revelou seus pensamentos naquilo que hoje chamamos de Bíblia.
Vivemos uma era individualista. Egocêntrica. Pós-relativista. "Se eu tenho a minha verdade, por que vou perder tempo dialogando, se a sua verdade é diferente?", diria o pensamento desta época. E esse individualismo gera o mal do egoísmo: eu faço da minha forma e os outros que entendam e se enquadrem no que eu pressuponho. "Eu uso poucas palavras e que se virem para compreender o que se passa na minha cabeça". Só que, nisso, decisões importantes, que podem mudar rumos de vidas inteiras, são lançadas ralo abaixo. Relacionamentos que tinham tudo para gerar muitos e muitos frutos são assassinados.
E quando falo de diálogo não me refiro a conversas. Há uma sutil diferença. Você pode conversar com alguém apenas falando e esperando a vez de falar de novo enquanto a outra pessoa diz algo. Não se escuta. Não se presta atenção nos argumentos. "Eu entro na conversa, desde que não tenha que mudar de opinião", vê-se muito por aí. É velado, mas é o que acontece. Só queremos convencer. E a igreja tem vivido isso. Relacionamentos acabam porque casais não dialogam, só querem falar ou fazer as coisas ao seu modo mas não querem ouvir ou ceder. Relacionamentos são estragados porque o parente não entende o que o outro está falando. Casamentos vão por água abaixo porque tem que ser do jeito que um quer e acabou. Amizades são abaladas porque um diz "banana" e o outro compreende "maçã". Cristãos se desviam da igreja porque o pastor não apresentou as razões de determinada doutrina existir. E aí o que deveria ser uma calma troca de posicionamentos e ideias construtivas vira bate-boca, discussão, não raro com troca de ofensas e argumentos inacreditáveis entre pessoas que se gostam.
Uma das causas dessa falta de diálogo que identifiquei em muitas dessas situações é a pressuposição da "onisciência" alheia. "Eu esperava que você entendesse x quando eu disse y", dizem. Como? Telepatia? Não é assim que se dialoga. Se você quer tomar decisões que envolvam outros, nunca pressuponha que ele vai conseguir ler todas as suas entrelinhas. É desumano fazer isso. Principalmente se você diz coisas como "estou tomando essa atitude mas você nunca compreenderia". Como você pode saber? Num dos casos que vivi, quando a pessoa me explicou eu entendi tudo. Então como não entenderia antes? Pior: todos os argumentos dela faziam todo sentido do mundo e eu teria concordado com tudo caso fosse inicialmente exposto em forma de... diálogo. Teríamos trocado ideias e estabelecido bases como dois adultos que se respeitam e se gostam, com alegria e um sorriso no rosto. Pronto, resolvido, todos sairiam felizes e realizados. Mas não. Chegou em forma de imposição de ideias e todas as coisas maravilhosas que poderiam ter surgido desse diálogo foram atiradas no lixo por esse equívoco banal. Que lástima.
Outro fenômeno comum é tomar decisões sem ponderar com o outro ou com outros antes. "Na multidão de conselhos reside a sabedoria", diz a Biblia. No entanto, nesta era individualista, queremos tomar nossas próprias decisões e apenas comunicar. Não chamamos o outro, não pedimos opinião, falamos o que queremos mas sem disposição de ouvir o que não queremos. Não estamos preparados para isso. É a época da comida a quilo: não quero ninguém me dizendo o que pôr no meu prato. O resultado? Confusão, desentendimento, atritos, ofensas... tudo fruto da falta de diálogo causada por decisões unilaterais.
Irmão, irmã, vivemos em comunidade. Vivemos em familia. Vivemos em relacionamentos amorosos a dois. Vivemos em ambientes de trabalho onde equipes trabalham juntas. Vivemos em igreja. Vivemos com amigos. E a experiência mostra que em ambientes ditatoriais, onde não há conselheiros, onde não se expõe uma ideia para ser debatida e discutida pelas partes envolvidas, geralmente os erros são homéricos. O Presidente não toma decisões sozinho. Ele tem uma equipe com quem se aconselha, pondera, ouve, fala... dialoga. Porque há muito em jogo e ele sabe disso.
Quer que seu namoro dê certo? Não tome decisões e depois "comunique". Antes, dialogue, exponha sua visão, pondere, ouça o outro. Leve em conta a visão dos envolvidos como tão importante como a sua (e às vezes até mais). Quer que seu casamento dê certo? Antes de definir como serão certas coisas, dialogue com o cônjuge e, dependendo da extensão da questão, com os filhos. Quer que sua amizade dê certo? Não se imponha com suas visões e opiniões, mas ouça o que o outro tem a dizer. Mas não é o que vem acontecendo. No calor da tomada de decisões o indivídulo pós-relativista toma sua decisão e "informa" os demais envolvidos. Não há espaço para ponderação. Não há espaço para humanidade. Há uma bomba jogada no colo. E que se vire quem a recebeu.
Meu irmão, minha irmã, seres humanos não são oniscientes. Você quer que eles entendam o que você pensa? DIALOGUE com eles. Não pressuponha que eles vão te compreender por serem pessoas "sensíveis" ou o que for. Ninguém vai saber o que você pensa, quais são suas razões e motivações, quais são os seus projetos e planos... se você não fala. Veja você que coisa simples. Basta falar. Expôr. Apresentar ideias. Ouvir as ponderações. O filósofo Hegel nos ensinou isso com sua dialética: apresenta-se uma tese, OUVE-SE uma antítese e assim se chega a uma síntese. Mas, pelo visto, a dialética hegeliana está ficando fora de moda e estamos voltando à idade dos césares, em que um decide e os outros abaixam a cabeça - não importa que motivos, razões, raciocínios, caminhos ou ideias foram levados em conta para se tomar a decisão.
"Eu decidi Z e tome Z na sua cabeça!". "Mas... peraí... e como você chegou até Z e me impõe Z se eu não conversei sobre o A, sobre o B, sobre o C... você já chega com o Z e quer que eu entenda como você chegou até aí? Isso é no mínimo injusto, pois não me foi dada a oportunidade de dialogar de A até Y". Eu, por exemplo, escrevo livros. Mas nunca os entrego à editora sem ter pedido que pelo menos 4 ou 5 pessoas o leiam e me passem opiniões - e a experiência mostra que isso afeta muito positivamente o resultado final. Detalhe: faço isso ANTES do livro ser lançado. Depois... o que adiantaria?
Estou mal com esse fenômeno. Tenho visto isso ocorrer com muita frequência. As pessoas estão desaprendendo a dialogar. Como disse Chaplin, estamos nos tornando cada vez mais desumanizados e individualistas. Nos tornamos como máquinas, que apenas emitem tickets e o cliente que o recolha. E não queremos ouvir os outros. Queremos que eles nos entendam sem que lhes digamos nada. E, e-vi-den-te-men-te, o outro entenderá do jeito que quiser, pois para cada imposição há milhões de interpretações. A respeito de motivações, de raciocínios, de planos. É uma tremenda injustiça esperar a onisciência alheia. Ninguém tem a obrigação de saber nada se não dialogamos antes. E se impomos algo, a responsabilidade é nossa e não de quem não nos compreendeu.
Nas igrejas, esse fenômeno provoca êxodos. Gera desviados. Espera-se de você algo que nunca te foi dito. Que nunca te foi explicado. Que nunca foi ponderado. Que você nunca teve a chance de perguntar por que é desse modo. E o que acontece? O óbvio: a pessoa pula fora, por uma única razão: não entendeu. Não houve diálogo. A liderança não explicou. Os membros mais antigos não explicaram. Ninguém quis saber de explicar. Apenas se impõem ideias e conclusões. E isso não é cristão.
Veja as bem-aventuranças. Sempre existe um "pois" em cada uma delas. Ou seja, uma explicação, uma justificativa. "Bem aventurados os que choram". Que coisa bizarra! Como assim? "Bem-aventurado" significa "feliz", como podem ser felizes os que choram, que contrassenso!? Mas aí vem a explicação, o diálogo: "POIS... serão consolados". "Aaaaaahhhh!!! Agora eu entendi! Existe uma explicação, existe um 'pois'. E agora que ficou claro podemos dialogar e chegar juntos a essa conclusão".
O diálogo torna tudo mais humano, mais honesto, mais cristão. Sem diálogo não há amor. Quem impõe sem dialogar antes exerce a tirania. E a tirania tira de quem a promove o direito de julgar a reação de quem apenas recebeu a informação final e foi excluído dos diálogos - daí as sublevações históricas e as revoluções contra governos tirânicos. Lição que aprendi em meu primeiro dia na faculdade de Jornalismo: "Comunicação não é o que se fala, é o que se entende". No entanto, estamos entendendo tudo errado. E por quê? Porque se fala mal. Não se explica. Não se dialoga.
Meu irmão, minha irmã, se você percebe que está se relacionando com o próximo sem o diálogo correto, conserte isso. Nunca é tarde demais. Você pode evitar assim que, no futuro, Deus tenha de te ensinar a dialogar. E sabe como Ele fará isso? Mostrando a você o que sofre aquele que é alvo da sua falta de diálogo ao simplesmente impor decisões a você. E se Ele resolver te disciplinar dessa forma, você se juntará aos milhares que vemos pelas igrejas se lamuriando pelos cantos e chorando: "Por quê, Senhor, por quê???". E o Onisciente permanece em silêncio, sem responder a esse clamor. Pois o que Ele está fazendo com os tais é basicamente lhes ensinar como sofre quem recebeu imposições sem resposta. Está ensinando a importância de expôr as razões e as motivações que levam alguém a tomar esta ou aquela decisão dialogando com o próximo. Pois, quando você impõe uma decisão que foi tomada sem diálogo, o pobre e pasmo interlocutor fica se perguntando em meio a sofrimentos: "Por quê? Por quê?". E interessa a Deus que Seus filhos aprendam a não fazer isso - pois machuca e é uma maldade.
Razões são importantes em relacionamentos. Motivações são importantes em relacionamentos. Objetivos são importantes em relacionamentos. Métodos são importantes em relacionamentos. Diálogos... ah, esses são imprescindíveis. E são uma gigantesca prova de amor daqueles que se importam com você.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Fonte: Apenas
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