sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Meus Heróis, Morreram De Overdose


Por Leandro Barbosa

O Mito do Herói, ou monomito, é um conceito de jornada cíclica sempre presente nos mitos, de acordo com o antropólogo Joseph Campbell. Este conceito surgiu nas mais diferentes culturas, e nas mais diversas épocas. Embora estes mitos apresentem diferenças entre as narrativas, eles contem semelhanças na estrutura que podem ser definidas como marcantes, seguindo certos padrões que podemos considerar universais, formas que os tornam comuns. O personagem assume feições, aparência, características, formas correspondentes a cada cultura, mas seu percurso, sua jornada, o conjunto de movimentos que compõem a sua trama são sempre os mesmos. Trata-se do que o antropólogo viria a pensar como uma jornada. O Herói vive sempre uma mesma jornada, constituindo sempre um mesmo mito, “o Mito do Herói”.

Inspirado por Carl Jung, Campbell enxergou esta evidência, e percebeu que a mesma tinha passado despercebida por incontáveis gerações de seres humanos: que todos os mitos e todas as lendas e todos os épicos e todas as narrativas sagradas de todas as culturas da humanidade contam essencialmente uma mesma história. Para Campbell, havia um motivo por trás da onipresença do monomito, explicando a universal paixão humana pelas narrativas heróicas: a trajetória do herói das lendas reflete em uma linguagem coletiva os desafios, armadilhas e as possíveis recompensas do desenvolvimento psíquico, lógico e filosofal de cada ser humano. Freud concluíra que os sonhos trazem revelações essenciais sobre a trajetória da psique e valiosas pistas para o seu avanço. Já Jung e Campbell concluíram que os mitos são os sonhos coletivos da humanidade, e descrevem o arco completo transitório da inocência à maturidade, sendo reflexo de uma auto-descoberta.

Sobre a lupa do conceito de monomito, tranquilamente podemos fazer uma ligação à necessidade de redenção expressa na natureza humana. Percebemos que consciente, ou ainda que inconsciente todos manifestam de alguma forma a necessidade desesperada de encontrar sentido ou explicação para existência. E quase sempre esta busca por respostas estão ligadas as nossas necessidades de sentido, por reconhecer a falibilidade humana. Diante da falibilidade cria-se o mito, e focalizam-se no mesmo as angustias e decepções, encontrando neste ideal de perfeição e heroísmo inspiração para buscar um perfil que jamais existiu, e que foi idealizado. Difícil é fazer esta dicotomia entre o mito e a verdade, isso porque a verdade implica em responsabilidades com a vida, coisas que no mito são ignoradas através da idealização do herói. Quando falamos de mito, podemos comparar esta dependência a uma espécie de droga psicológica, onde através do auto-engano e a negação do real, cria-se uma nova realidade paralela que exime os indivíduos da responsabilidade do contato com o que é verdadeiro.

A religião é uma das maiores maquinas produtoras de mitos, pois quando ela produz ideais que afastam as pessoas das responsabilidades, seja humanas ou sociais, negando a responsabilidade, criando uma visão de mundo paralela, ela passa a produzir uma série de indivíduos alienados, e pior, promotores de alienação. Quando observamos a religiosidade por este ponto de vista, entendemos com maior clareza a famosa frase do filósofo Karl Marx, que diz; "Die Religion ... Sie ist das Opium des Volkes" (Morte a religião, a religião é o ópio do povo).

Creio que não é função da religião produzir alienação, mas sim consciência. É certo que os indivíduos não devem ser regidos por um sistema de regras, mas sim por leis de consciência. Existe uma grande diferença entre ter um sistema que regule os meus padrões de moral, e ter por livre opção de consciência padrões de moral. Neste sentido que faço minha critica, pois percebo que muitas vezes a igreja toma para si a responsabilidade de reger os padrões de vida e moral de seus indivíduos, usando os mitos, e ideais de perfeição inatingíveis, coagindo e prendendo as pessoas psicologicamente em uma dependência dos mitos para sobreviver, isso é um exemplo claro da alienação citada por Marx.

Sempre quando medito sobre a mensagem de Jesus me pergunto; seria o seu propósito criar o que entendemos como igreja? Pois para mim parece-me clara a distinção do que entendemos como igreja e o que Jesus idealizou como Igreja. Quando falamos em igreja nosso pensamento focaliza o macro, em contra partida quando analisamos o discurso de Cristo encontramos um discurso focalizado no micro, no indivíduo, na transformação apartir da consciência individual, uma proposta de reino que é composta por indivíduos, e não por uma idéia de tratar os mesmos indivíduos como uma manada. Esta percepção é clara na parábola do bom pastor, onde encontramos um individuo que abandona o macro em função do micro. Outra questão que não podemos deixar de citar é que esta alienação causa uma espécie de dicotomia alienadora, criando uma divisão secular/igreja. Em nenhum momento vemos Cristo cedendo à pressão dos religiosos de sua época, ou desprezando culturas e povos diferentes. Encontramos uma mensagem agregadora, uma mensagem que une e atrai, e que acima de tudo vai de encontro às necessidades do indivíduo.

Sobre tudo o que se disse, fica para nós um profundo questionamento sobre a máquina que nos domina não permitindo que com liberdade desenvolvamos nossas aptidões naturais, nos tornando em indivíduos irresponsáveis, que vivem em função da alienação, não produzindo nada de utilidade para o mundo além do que outros indivíduos de mesmo gênero. Penso muito sobre estes temas, e teriam muitas outras coisas ainda por se dizer, mas vou deixar vocês com esta pequena reflexão e em outra oportunidade falarei mais sobre o que entendemos como sagrado e profano, e continuando a critica a estes instrumentos de alienação. Creio que ninguém pode reger a liberdade e a espiritualidade de outrem, seja religião, filosofia de vida, sistema político ou qualquer outro instrumento alienador, Entendo estas, como algumas das discussões mais pertinentes neste momento, que interferem diretamente em nossa formação de uma espiritualidade sadia e não alienadora.


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