terça-feira, 19 de outubro de 2010

A falsificação do bem


Por Jorge Fernandes Isah

Não tenho por hábito escrever sobre política; nem quero tê-lo. Não que haja algum problema, que o tema seja proibido ou irrelevante. Não é isso. É que não me considero capacitado para tal tarefa, a despeito de ter aprendido muito nos últimos anos sobre o assunto. Acontece que há uma defasagem grande, e que não sei se serei capaz de sincronizá-la com o tempo, interesses e aptidão, e com a ignorância que ainda persiste. Porém, não tenho dúvidas de que um dos males do século passado, e que se espalha perigosamente no presente século, é o marxismo. Eu mesmo me descobri marxista apenas após ser confrontado pelo pensamento de alguns irmãos; e devo um especial agradecimento à Norma Braga, ao André Venâncio, aos irmãos de O Tempora, O Mores e ao Edson Camargo, entre outros. A sociedade, de uma forma geral, sem saber, assim como eu não sabia, defende o que não conhece e vive o que considera extinto, com o agravante de realizar um culto necrófilo, e se comunicar com os mortos.
Pois bem, assim como o nazismo, sua alma gêmea, o marxismo, escancara o ideário comum e a prova de que pertencem ao mesmo gênero ideológico. Como uma religião suprema, ele se vê como o absoluto, o arbitrário e todo-poderoso "deus", numa tentativa frustrada de substituir o Deus Vivo e bíblico. De alguma forma, se define como o salvador do homem, no sentido de que o homem se perdeu na história, e de que está capacitado a recriá-lo ao seu modo. Coloca-se como único habilitado a construir o homem ideal, restabelecer o homem primevo a partir da recriação da vontade sob a base ideológica estabelecida no cientificismo, mais notoriamente o darwinismo, partindo-se de um sentido evolutivo e purificador gnosticista.

Mais do que se pensa, há uma ligação intrínseca entre marxismo e nazismo, de tal forma que Hitler capturou muitos dos métodos de Lénin e Stalin aplicando-os em sua política genocida. Redefiniram a moral, dando-lhe uma roupagem que a distinguisse da velha moral bíblica; mas sempre a partir desta, como parasitas alimentando-se dela, produzindo, porém, um produto corrompido capaz de destruir a velha ordem e reestabelecer uma ordem nova. Para isso são necessários todos os meios para se reconstruir o regime e o homem novos, mesmo com a desculpa de se destruir uma pseudo-raça ou pseudo-classe. Eles se tornam irrelevantes, sejam quais forem, pois o objetivo, o que importa, é o fim a ser atingido. Os atos ruins e imorais que se pratica e comete são transformados em bons numa insidiosa e progressiva inversão de valores, redefinindo o senso comum de moral. O significado é claro: a destruição de uma pseudo-raça poluída, impura [nazismo], ou pseudo-classe contaminada pelo capitalismo [comunismo]. E criar um ídolo a partir do homem, mas que estará sobre o mesmo homem, como um pacificador a cultivar a trégua a partir de uma guerra interminável.

Mas se há algo que os marxistas fizeram com maestria foi jogar para debaixo do tapete todos os seus crimes e táticas hediondas, apelando para uma falsa moralidade que justificasse os meios utilizados tanto para se chegar ao poder como para mantê-lo. O nazismo foi e é execrado publicamente como a mais odiosa manifestação totalitária, e o comunismo é esquecido em seus crimes igualmente odiosos e totalitários. Por que?

Enquanto ao nazismo se deu a valorização real de suas atividades, revelando-o em seu caráter mais cruel, sanguinário e injusto, ao comunismo se deu um caráter minimizador e reducionista; mas mais do que isso. No decorrer da história, seus crimes, o apelo à crueldade e injustiça máximas, foram tomados como modos legítimos de se "salvar" o homem, a partir da intervenção "milagrosa" do estado totalitário. E isso se deveu à distorção da moral, à corrupção do bem, que tornou possível as mentes contempladoras e cúmplices adotarem um discurso messiânico a partir da rebelião e sublevação da ordem moral. Aplica-se a "pedagogia da mentira", a qual, quando dita muitas vezes, acaba por se tornar em verdade. No comunismo, essas questões impoem-se mais sutilmente, em princípio, ao ponto em que partidos e movimentos marxistas não se apercebem da intoxicação absoluta da consciência moral pelo domínio ideológico completo. Está-se impossibilitado de discernir a corrupção que se processou, e passa-se uma vida inteira sem perceber isso. A prova maior é a de que não existem partidos nazistas no mundo [não com essa terminologia], enquanto não somente há partidos marxistas como governos comunistas espalhados planeta afora. E como isso é possível, diante de todos os crimes, barbárie e destruição nos lugares onde o comunismo se estabeleceu?

O comunismo é dissimulado e muito mais perverso e perigoso do que o nazismo [ainda que o nazismo seja perigoso e perverso também], exatamente pelo seu caráter doutrinário "sutil", ao valer-se e servir-se do espírito de justiça e bondade para difundir e perpetrar o mal. Cada experiência recomeça na inocência, como se não se estivesse a praticar atos imorais, criminosos, espúrios e destrutivos. É essa subversão que o torna tão maligno, ao sugerir que o homem continuará sendo bom mesmo praticando efetivamente o mal, tudo para se alcançar um bem comum, destruindo-se o inimigo [e esse inimigo pode ser praticamente tudo, desde que se possa defini-lo como colaborador da classe capitalista; e, por isso, essa e outras definições estão sempre em reconstrução, ganhando novos ares e contornos ao bel-prazer do discurso marxista de perverter a verdade transformando-a em a mentira]. Enquanto o nazismo pede, diretamente, que o homem atue conscientemente como um criminoso. Não lhe é sugerido nada mais além disso. Que ele destrua o inimigo, ao qual ele de antemão já sabe quem é.

A reeducação comunista, na verdade, faz o homem acreditar que o mal é bom, escondida atrás da moral comum, travestindo-se dela, com o intento de pervertê-la, transtornando a realidade e a moral; almejando sobreviver em um nível "superior" de imoralidade.

Essas ideologias, em seus cernes, estão sempre a construir o homem, tornando-o em besta, fazendo-o crer ser um anjo. Por isso não há possibilidades de arrependimento no comunismo, especificamente, pois não há do que se arrepender [em contrapartida, o âmago do Cristianismo é exatamente o arrependimento]. A mente está condicionada e domesticada a tratar dos assuntos sempre pelo crivo da nova moral marxista [ou imoralidade], e, para tanto, não existem contigências que possam julgar e condenar os fins quando obtidos. Eles estão sempre justificando os seus erros com a idéia de que é para o bem de todos, quando, nem todos, ou melhor, a maioria é privada desse bem, seja com suas vidas, consciência, fé, e para isso, o indivíduo não somente tem de ser adestrado mas recriado, para que o coletivo se purifique. É engraçado como uma ideologia que oprime de todas as formas o indivíduo possa apelar para o senso de liberdade ao fazê-lo. E o pior ainda é que muitos acreditam que isso é possível.

A busca incessante dos fins, sempre "justificáveis", nunca levará o homem a obtê-los, mas a uma guerra persistente e interminável de, delirantemente, querer atingi-lo. Mesmo com todas as evidências contrárias, revelando exatamente o oposto do que o discurso dialético apregoa, o marxista sempre estará disposto a tornar o doce em amargo e o amargo em doce, o bem em mal e o mal em bem. E o novo homem apenas é uma deformação ainda maior da velha e naturalmente corrompida humanidade, fruto da Queda, no Éden.

Outro ponto que me chama a atenção é a questão da memória, a qual já falei. Mas a capacidade de se lembrar das atrocidades nazistas não tem o mesmo lugar e intensidade quando se trata de lembrar das atrocidades marxistas. Parece que àqueles o perdão é impossível mesmo diante do arrependimento, enquanto a estes tudo é permitido, e não se é requerido o arrependimento e, portanto, o perdão é compulsório e subliminar. O mundo parece estar sempre disposto a execrar o nazismo [no que está certo], mas, incoerentemente, é contemplativo e contemporizador com os "feitos" marxistas, sendo capaz de até mesmo louvá-los.

O mais impressionante é que o marxismo tem suas origens no cristianismo [uma espécie de anti-cristianismo], o qual, servindo às mentiras de seu "mestre", o diabo, incorporou à retórica elementos nitidamente cristãos, tais como a solidariedade, a piedade, o amor ao próximo, a justiça, etc, para abandoná-los tão logo assumi-se o poder; o que acentua o caráter incoerente e contraditório de cristãos que também são marxistas. Na verdade eles estão prontos e de prontidão para defenderem a ideologia, e nem tanto para defender a doutrina bíblica; e em sua incoerência, esquecem-se dos milhões de cristãos mortos, presos e marginalizados pelos regimes comunistas em toda a história e ainda hoje, simplesmente porque é intolerável ao estado que se creia e adore o Deus ao invés do ídolo, o próprio estado, que deseja se apossar do trono que não lhe pertence nem pertencerá.

É por isso que em matéria de Cristianismo os chamados cristãos-marxistas não entendem nada do Evangelho, desconhecendo o seu real significado e objetivo que é não tornar o homem perfeito na terra, nem criar o homem ideal, mas que os cristãos sejam exatamente aquilo para o que foram chamados: imitadores de Cristo. Em qual mundo é possível se defender uma ideologia que, em sua história, massacrou e ainda massacra milhões de irmãos? Apenas por amarem o Senhor de suas vidas? Apenas por professarem a fé indestrutível? Apenas por não se sujeitarem a "rezar" na cartilha esquerdista? E não adorarem o deus-estado? E não crerem num falso-salvador? Somente neste mundo caído, e miserável, e cego, e nu, no qual vivemos; em que vale mais dizer o que se quer ser, como uma possibilidade ainda que irreal, do que viver o que se diz ser.

Não acredito na redenção do homem pelo homem ou por qualquer sistema ideológico. O homem somente será redimido pelo Evangelho de Cristo, pela regeneração que o Espírito Santo operará nele através da Palavra. E o que muitos cristãos esperam é que o estado faça esse trabalho, e o homem seja perfeito dentro de um quadro de impiedade e imoralidade, como se a natureza pecaminosa fosse capaz de produzir algum fruto além do pecado. E esperam glorificar a Deus com isso, com seus trapos de imundície, com uma justiça pessoal, a partir de suas obras, e não com a justiça perfeita e santa de Cristo.

Não acredito no paraíso na Terra, porém, o que os marxistas almejam é recriar um novo Éden, um céu bizarro onde a injustiça, o anti-ético e o imoral prevaleçam sobre toda a justiça, a ética e moral. Então, eles se utilizam da liberdade, da democracia, das instituições legitimamente estabelecidas para, quando chegarem ao poder, abolir exatamente a liberdade, implantar a tirania e a ditadura, e destruir as mesmas instituições pelas quais foi-lhes possível o acesso ao poder. E os cristãos, aqueles que foram regenerados por Cristo, são os primeiros da lista. E nem é preciso esperar para ver; basta uma rápida pesquisada na história e nos noticiários que nos chegam através de grupos missionários como o "A Voz dos Martires" e "Portas Abertas" para se descobrir que os crentes são tratados como inimigos pelo estado totalitário. E inimigos, devem ser destruídos.

Mas graças a Deus que o nosso reino não é daqui; contudo, no reino de justiça do Senhor, aqueles que consentiram com o mal serão responsabilizados, mesmo pelo mal que não fizeram, mas por não combatê-lo; e outros, ainda mais, por se aliarem a ele.

Nota: 1-Escrevi o texto a partir de meus comentários ao livro "A infelicidade do século" de Alan Besançon, os quais podem ser lidos AQUI. Motivado, também, por uma conversa com um querido irmão que votará na Dilma e que é marxista [ainda que ele não se reconheça como tal]. Em nossa conversa, ele disse que a política acabava se reduzindo à escolha entre Serra e Dilma, e que devíamos discutir mais ampliadamente. Por isso decidi expor, ainda que desordenadamente e sem a capacidade necessária, o por quê, no fim-das-contas, temos responsabilidade no que pensamos e dizemos, mas sobretudo no que fazemos. E como fazemos. Ou como deixamos de fazer.

2-Outro ponto que sempre me chama a atenção quando vou discutir política com crentes é que o Cristianismo pode e deve estar presente em todas as áreas da vida, mas nunca na política. Dizem que a Bíblia não trata de política, logo o crente está proibido de exercê-la em qualquer nível. Mas o Senhor nos ordenou a ser luz em todos os lugares, e não está reservado um lugar intocável para as trevas, no caso, a política. Elas devem ser dissipadas, jamais preservadas; de outra forma, como a verdade alcançará a mentira a fim de destruí-la?

Fonte: KÁLAMOS

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