quinta-feira, 30 de março de 2017

Pequenos cristos: roteiro para uma nanorrevolução


Por Davi Lago

“Cristão” significa “pequeno cristo”. Que somos pequenos não há dúvidas. Em relação à imensidão da história, nossa vida é como um milionésimo de segundo. Em relação à imensidão do cosmo, se a nossa Via Láctea é um grão, o que dirá da Terra e o que se dirá de nós? Ou seja, no tecido espaço-tempo somos uma diminuta partícula. O problema, no entanto, é que além de nossa finitude material, nos tornamos espiritualmente miseráveis ao abandonarmos nosso Criador. Nos tornamos pessoas mesquinhas, arrogantes, invejosas, vingativas.

Jesus é a revelação que Deus tem misericórdia de nós, apesar de nossa pequenez moral. O evangelho é o convite a seguir os passos de Jesus Cristo em direção à cruz, para uma vida cheia de amor, alegria e paz. “Em Antioquia, os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos” (Atos 11.26). Os pequenos cristos são aqueles que continuam os passos de Jesus Cristo hoje em Paris, Belo Horizonte, Tel Aviv, Detroit, Genebra, Luanda.

No início dos anos 2010 popularizou-se a noção de microrrevolução: no lugar de causas colossais, propostas simples; em vez de ideologias lentas e previsíveis, mudanças rápidas e pontuais. Em 2011 o evento TEDx na cidade de São Paulo apresentou o termo assim: “Uma microrrevolução é uma mudança significativa fomentada por ações simples. Quem reforma uma praça ou monta um projeto de inclusão digital, por exemplo, fez uma microrrevolução. Quem defende a agricultura urbana ou supera dificuldades físicas por meio da arte também é um microrrevolucionário. As microrrevoluções são sonhos possíveis, acontecem a todo momento, em qualquer lugar”.

Creio que nesse tempo de microrrevoluções, os pequenos cristos podem operar uma revolução ainda mais precisa, ainda mais acurada: uma nanorrevolução em cada ato da vida, até mesmo em nossos pensamentos e avaliações. Como disse o poeta moçambicano Mia Couto em seu Poema didático: “Eu tive um país tão pequeno, tão pequeno, que não cabia no mundo”[1].

O evangelho não é um borrão conceitual, um credo enevoado. Pelo contrário: é mensagem cristalina para uma vida cristalina. O evangelho é um convite para andar na luz: o pleno reconhecimento de nossas limitações por um lado, mas por outro, na imensidão do poder e do amor de Deus manifestos em Jesus Cristo. E isso precisa ser colocado em atitudes concretas, pequenas atitudes e gestos, como Jesus mesmo ensinou: até mesmo o simples entregar de um copo de água fria!

Nestes tempo líquido-gasosos caracterizados pela fluidez e instabilidade, sejamos nanomissionários sólidos! Missão não é uma tarefa a realizar, é a própria vida. Somos missão. “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações” (Jeremias 1.5).

A missão está sempre relacionada com a concretude da existência. Não existe nenhuma missão no abstrato, no vácuo, fora do tempo, do espaço e das culturas. A revolução cristã é a missão de anunciar e viver o evangelho real! É um processo de integração, de relação, de comunhão, de tolerância, de urgência.

Concordo com João Panazzolo: “missão é testemunhar, em todo o mundo, o que está acontecendo em nós. É diferente de só realizar tarefas ou da ambição expansionista. Manifesta-se em atividades, mas acontece primeiramente, em nós” [2]. “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado” (Efésios 1.4-6).

A igreja está à serviço do Reino, estabelecendo uma nova relação, uma reviravolta na hierarquia do valores dominantes. O Reino é dos pequenos e simples e não dos sábios e poderosos (Lucas 18.9-14). Foram esses pequenos cristos que difundiram a mensagem de Jesus! Como afirmou John M. Kelly, a fé cristã alcançou “não só a plebe urbana (que se sentia especialmente atraída pela mensagem de Cristo), mas também membros das classes superiores educadas, que logo se tornaram capazes de opor ao paganismo argumentos intelectuais vencedores”[3].

A fé cristã vai direto ao ponto. Apresenta respostas incisivas e claras às grandes questões da vida. Apresenta preceitos diretos, sem embromação. Como afirmou Blaise Pascal: “Duas leis bastam para reger toda a República cristã, melhor do que todas as leis políticas”[4]. Os pequenos cristos são cidadãos do Reino do Amor.

Conforme o texto do Evangelho segundo São João 3.16 “Porque Deus amou tanto o mundo que enviou seu filho unigênito para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. Lutero chamou esse trecho bíblico de “evangelho em miniatura”. E é exatamente isso o que precisamos hoje: miniaturas de Jesus em circulação, miniaturas do evangelho, pequenos cristos por toda parte.

NOTAS

[1] COUTO, Mia. Poemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p.153.

[2] PANAZZOLO, João. Missão para todos: introdução à missiologia. São Paulo: Paulus, 2006, p.101.

[3] KELLY, John M. Uma breve história da teoria do direito ocidental. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p.108-109.

[4] PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.143.

Fonte: NAPEC

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