Por Maurício Zágari
Fernando Pessoa tem uma poesia bastante conhecida, onde se lê: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. Por esse prisma, e com toda licença poética, me atrevo a dizer que vivemos cercados de poetas – pessoas que sorriem, cumprimentam, se esmeram em transparecer alegria, mas por dentro são tomadas de tristezas profundas. São fingidoras. Não pelo aspecto negativo, simplesmente fingem que está tudo bem quando, na verdade, está tudo mal. Heróis da temperança, suportam suas cargas sem repartir com ninguém – e não por vontade própria. São multidões de infelizes que circulam ao nosso redor sem que sua infelicidade torne-se visível. E, acredite: dentro das igrejas.
Entre esses irmãos e irmãs há de tudo. Pessoas acometidas por doenças que roubam sua paz, gente extremamente infeliz em sua vida afetiva, deprimidos, solitários, seres humanos feridos por outros seres humanos, filhos abandonados, pais esquecidos, almas esmagadas pelo peso do próprio pecado, cristãos que não conseguem enxergar Cristo. São muitas as razões, são muitas as vítimas. Convivem diariamente com a tristeza, sem ter com quem conversar, desabafar, sem ter quem as ouça e a suas histórias. São sofredores ocultos.
A pergunta que me faço é: por quê? Por que há entre nós essa multidão de ilhas humanas, isoladas, que não conseguem estabelecer pontes com as demais? Se somos um Corpo e cada membro que dói deveria afetar todos os outros, por que há tantos que se mantém em silêncio quanto às suas dores mais profundas? Paulo diz em Gálatas 6.2: “Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo”. Isso é o cenário ideal. Por que, então, para tantos e tantos isso não acontece?
Acredito que há duas explicações e, infelizmente, elas não são muito bonitas.
Primeiro: quem é que pergunta “tudo bem?” de fato preparado para ouvir um “não” como resposta? Porque, sejamos francos, todos estamos condicionados a cruzar com alguém, dizer “tudo bem?” e escutar um automático “tudo bem” de volta. Só que uma enorme porcentagem dos que dizem isso… não estão nada bem. Respondem pelo hábito e pela triste realidade: se dissessem “não, não estou bem” veriam da parte da outra pessoa uma total inabilidade de lidar com isso. Muitos ouviriam um “vamos orar, irmão” de volta ou um “que é isso, irmã, a vitória é tua!”. E tudo continuaria como antes.
Como Igreja, a realidade é que muitos não estão preparados para lidar com quem não está bem. Simplesmente não sabem o que fazer. Nem o que dizer. Perdem o rebolado. Muitos buscam o caminho mais fácil: encaminham para o pastor. Muitos respondem frases-feitas. Muitos fogem. Muitos chegam ao ponto de dizer que é falta de fé. E, com isso, nos acostumamos a que não adianta nada nos mostrarmos como de fato estamos, pois abrir o peito não terá utilidade. O socorro não virá. O conforto ficará apenas na vontade. Dizer “não estou bem” pra quê? Quem se interessaria? E, caso se interessassem, quantos estariam habilitados a levar nosso fardo conosco?
Penso que isso deveria ser muito mais presente em nossa vida em igreja. Deveríamos pregar mais sobre o assunto. Na escola bíblica dominical deveria ser lição indispensável: como amar o próximo. Como levar as cargas uns dos outros. Como escutar a infelicidade alheia de maneira consequente. Todo seminário teológico deveria investir tempo tratando disso – afinal, é um elemento da fé cristã muito mais importante do que calvinismo X arminianismo ou sobre batismo no Espírito Santo, por exemplo. Eu trocaria os dons mais excelentes pela habilidade de levar conforto a quem tem dor. Eu preferiria mil vezes mais ter o dom de levar as cargas dos meus irmãos do que o de profetizar ou operar maravilhas. Simplesmente porque é mais útil, mais importante e desesperadamente mais necessário em nossos dias. Amar o próximo… ó, Deus, como precisamos aprender a fazer isso!
A segunda explicação é a falta de confiabilidade de muitos. Há irmãos e irmãs aos montes que sofrem de dramas reais, dores de alma crônicas, tristezas infindáveis… mas não confiam em se abrir com ninguém da igreja. Porque já viram todo tipo de traições: sacerdotes que vazam confissões que lhes foram feitas em confiança. Irmãos que passam adiante o que lhes segredamos. Irmãs que se afastam de nós ao tomar conhecimento de certas realidades que nos esmagam. Diante disso, como confiar? Como ter fé em que aquele amigo “tão espiritual” não trairá a confiança que depositamos nele ao vilipendiar nossas dores mais profundas e agoniantes? Logo, o que acontece é: “Tudo bem?”. “Sim, tudo ótimo!”, quando, por dentro, há tristeza, solidão, angústia, sofrimento.
Como podemos mudar isso? Preocupando-nos de fato com o próximo. Pondo em prática o Grande Mandamento. Se você começar a agir na sua comunidade de fé mostrando que é alguém com quem se pode contar na hora da angústia e da tribulação, as pessoas criarão coragem para compartilhar com você suas dores. Se você se apresentar como alguém confiável, os cansados e sobrecarregados se aproximarão. E terão coragem de dizer “não, não está tudo bem”. Olhe para si: você é alguém preparado para ouvir e auxiliar, para amparar? Tem base bíblica para oferecer conforto e paz a partir do que dizem as Escrituras? Você é um cristão pronto para oferecer o conforto de Cristo? Se percebe que não, procure urgentemente soluções para isso. Seus irmãos precisam de você. Há dores demais em nosso meio, angústias em excesso no seio da Igreja para deixarmos isso pra lá. “Jesus cuida” – sim, eu sei disso. Mas Jesus quer usar você como instrumento para cuidar.
Olhe ao redor e passe a procurar o próximo a quem possa amar. Não sabe como fazer? Comece com uma simples pergunta: “Tudo bem?”. E quando vier a resposta automática, olhe nos olhos e insista: “Mas… tudo bem mesmo?”. A partir daí, prepare-se: você pode se surpreender com o que vai ouvir e com a forma com que Deus pode usá-lo para levar cargas de pessoas que, muitas vezes, mal têm forças de ficar em pé.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
Fonte: Apenas
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